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    A dança dos dragões

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    A dança dos dragões - Página 3 Empty Re: A dança dos dragões

    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:06 pm

    Jon conseguia sentir o calor dela, mesmo através da lã e couro fervido. O fato de irem de braço dado estava atraindo olhares curiosos. Esta noite vai haver cochichos nas casernas.
    — Se realmente é capaz de ver o amanhã nas suas chamas, diga-me quando e aonde chegará o próximo ataque dos selvagens. — Fez deslizar o braço para libertá-lo.
    — R‘hllor envia-nos as visões que quer enviar, mas eu procurarei esse tal Tormund nas chamas. — Os lábios vermelhos de Melisandre curvaram-se num sorriso. — Vi-o nos meus fogos, Jon Snow.
    — Isso é uma ameaça, senhora? Tenciona queimar-me também?
    — Entendeu mal o que eu queria dizer. — Deitou-lhe um olhar perscrutador. — Temo que o deixe intranquilo, Lorde Snow. Jon não o negou.
    — A Muralha não é lugar para uma mulher.
    — Engana-se. Eu sonhei com a sua Muralha, Jon Snow. Grande foi o saber que a ergueu, e grandes são os feitiços que estão trancados sob o seu gelo. Caminhamos à sombra de uma das dobradiças do mundo. — Melisandre ergueu os olhos para ela, com a respiração transformando-se numa nuvem quente e úmida no ar. — Isto é tanto o meu lugar como o seu, e muito em breve poderá vir a ter grande necessidade de mim. Não recuse a minha amizade, Jon. Vi-o na tempestade, muito pressionado, com inimigos por todos os lados. Tem tantos inimigos. Quer que diga os seus nomes?
    — Eu conheço os seus nomes.
    — Não tenha tanta certeza. — O rubi na garganta de Melisandre cintilou rubro. — Não são os adversários que os amaldiçoam na cara que deve temer, mas aqueles que sorriem quando esta olhando e afiam as facas quando vira as costas. Faria bem em manter o seu lobo bem junto de ti. Gelo, vejo eu, e punhais no escuro. Sangue congelado, vermelho e duro, e aço nu. Estava muito frio.
    — Está sempre frio na Muralha.
    — Acha que sim?
    — Eu sei que sim, senhora.
    — Então não sabe nada, Jon Snow — murmurou a mulher.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:06 pm

    Bran 78



    Já chegamos?
    Bran nunca dizia as palavras em voz alta, mas elas subiam-lhe frequentemente aos lábios enquanto o seu esfarrapado grupo se arrastava através de bosques de antigos carvalhos e altas árvores-sentinelas cinzentas-esverdeadas, passando por sombrios pinheiros marciais e castanheiros nus e castanhos. Estamos perto? Perguntava-se o rapaz quando Hodor trepava uma encosta pedregosa, ou descia para dentro de uma abertura escura onde montes de neve suja acumulada pelo vento rangiam sob os seus pés. Ainda falta muito? Pensava, enquanto o alce gigante atravessava, esparrinhando, um ribeirão meio gelado. Quanto falta até lá? Está tão frio. Onde está o corvo de três olhos?
    Balançando no seu cesto de vime às costas de Hodor, o rapaz encolheu-se, baixando a cabeça quando o grande moço de estrebaria passou por baixo de um ramo de carvalho. A neve estava outra vez a cair, úmida e pesada. Hodor caminhava com um olho fechado pelo gelo, com a espessa barba castanha transformada num emaranhado de geada, com pingentes pendendo das pontas do seu cerrado bigode. Uma mão enluvada ainda agarrava a enferrujada espada de ferro que retirara das criptas por baixo de Winterfell, e de vez em quando ele a brandia contra um ramo, fazendo voaruma nuvem de neve.
    — Hod-d-d-dor — resmungava, com os dentes batendo.
    O som era estranhamente tranquilizador. Na viagem de Winterfell até à Muralha, Bran e os companheiros tinham tornado as milhas mais curtas conversando e contando histórias, mas ali era diferente. Até Hodor o sentia. Os seus hodores surgiam com menos frequência do que a sul da Muralha. Havia uma quietude naquela floresta que não era como nada que Bran tivesse experimentado. Antes de começarem as nevascas, o vento do norte rodopiava em volta deles e nuvens de folhas mortas e castanhas erguiam-se do chão com um tênue som de restolhada que lhe fazia lembrar baratas correndo num armário, mas agora todas as folhas estavam enterradas sob um cobertor de brancura. De tempos a tempos, um corvo voava por cima deles, grandes asas negras batendo contra o ar frio. À parte isso, o mundo estava silencioso.
    Mesmo em frente, o alce serpenteava por entre os montes de neve com a cabeça baixa e as enormes armações cobertas de gelo. O patrulheiro seguia sentado no seu largo dorso, sombrio e silencioso. O nome que o gordo Sam lhe
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:06 pm

    dera era Mãos-Frias pois, embora a cara do patrulheiro fosse branca, as mãos eram negras e duras como ferro, e também frias como ferro. O resto dele estava envolto em camadas de lã, couro fervido e cota de malha, e os seus traços eram obscurecidos pelo capuz do manto e por um cachecol negro de lã que enrolava em volta da metade inferior da cara.
    Atrás do patrulheiro, Meera Reed envolvia com os braços o irmão, para protegê-lo do vento e do frio com o calor do seu corpo. Uma crosta de ranho congelado formara-se por baixo do nariz de Jojen, e de vez em quando ele tremia violentamente. Parece tão pequeno, pensou Bran, enquanto o via oscilar. Agora parece menor do que eu, e também mais fraco, e o aleijado sou eu.
    Verão fechava a retaguarda do pequeno bando. O hálito do lobo gigante ia gelando o ar da floresta à medida que caminhava atrás deles, ainda a coxear da pata traseira que fora atingida pela seta em Corodarrainha. Bran sentia a dor do velho ferimento sempre que deslizava para dentro dapele do grande lobo. Nos últimos tempos, Bran usava mais frequentemente o corpo de Verão do que o seu; o lobo sentia a mordida do frio, apesar da espessura da pelagem, mas via até mais longe, ouvia melhor e cheirava mais do que o rapaz no cesto, entrouxado como um bebê.
    Noutras alturas, quando se fartava de ser lobo, Bran deslizava para dentro da pele de Hodor. O gentil gigante choramingava quando o sentia, e sacudia a cabeça peluda de um lado para o outro, mas não com tanta violência como fizera da primeira vez, em Corodarrainha. Ele sabe que sou eu, gostava o rapaz de dizer a si. Por esta altura já está habituado a mim. Mesmo assim, nunca se sentia confortável dentro da pele de Hodor. O grande moço de estrebaria nunca compreendia o que estava acontecendo, e Bran conseguia sentir o medo no fundo da boca dele. Dentro de Verão era melhor. Eu sou ele e ele é eu. Ele sente o que eu sinto.
    Por vezes, Bran conseguia sentir o lobo gigante farejando o alce, se perguntando se seria capaz de abater o grande animal. Verão habituara-se a cavalos em Winterfell, mas aquilo era um alce, e os alces eram presas. O lobo gigante detectava o sangue quente correndo por baixo da pelagem enriçada do alce. Bastava o cheiro para lhe fazer salivar entre as mandíbulas, e quando o fazia a boca de Bran salivava ao pensar em carne rica e escura.
    Um corvo soltou um quorc num carvalho ali perto, e Bran ouviu o som de asas quando outra das grandes aves negras desceu para pousar ao lado da primeira. De dia, só meia dúzia de corvos permanecia com eles, esvoaçando de
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:07 pm

    árvore em árvore ou avançando empoleiradas nas hastes do alce. O resto do bando voava em frente ou deixava-se fi car para trás. Mas quando o Sol baixava eles regressavam, descendo do céu em asas negras como a noite até que todos os ramos de todas as árvores ficavam repletos de corvos vários metros ao redor. Alguns voavam até o patrulheiro e resmungavam-lhe, e a Bran parecia que compreendia os seus guinchos e crocitos. São os seus olhos e ouvidos. Batem o terreno por ele, e murmuram-lhe sobre perigos que há em frente e atrás.
    Como agora. O alce parou de súbito, e o patrulheiro saltou com ligeireza do seu dorso para ir aterrar em neve que lhe dava pelo joelho. Verão rosnou-lhe, com o pelo eriçado. O lobo gigante não gostava do cheiro de Mãos-Frias. Carne morta, sangue seco, uma ténue lufada de podridão. E frio. Acima de tudo, frio.
    — O que se passa? — quis saber Meera.
    — Atrás de nós — anunciou Mãos-Frias, com a voz abafada pelo cachecol de lã negra que lhe cobria o nariz e a boca.
    — Lobos? — perguntou Bran. Já sabiam havia dias que estavam sendo seguidos. Todas as noites ouviam os uivos fúnebres da alcateia, e todas as noites os lobos pareciam um pouco mais próximos. Caçadores, e com fome. Conseguem cheirar a nossa fraqueza. Era frequente Bran acordar tremendo, horas antes da alvorada, à escuta do barulho que eles faziam a chamarem-se uns aos outros à distância enquanto esperava que o Sol se erguesse. Se há lobos, deve haver presas, costumava pensar, até que lhe ocorrera que as presas eram eles. O patrulheiro abanou a cabeça.
    — Homens. Os lobos continuam mantendo a distância. Estes homens não são tão tímidos.
    Meera Reed empurrou o capuz para trás. A neve úmida que o cobrira caiu ao chão com um baque suave.
    — Quantos homens? Quem são?
    — Inimigos. Eu trato deles.
    — Eu vou contigo.
    — Você fica. O rapaz tem de ser protegido. Há um lago em frente, completamente gelado. Quando lá chegar, vira para norte e segue a margem. Acabarás por chegar a uma aldeia piscatória. Refugiam-se aí até que eu lhes apanhe. Bran julgou que Meera pretendia discutir, mas o irmão dela disse:
    — Faz o que ele diz. Ele conhece esta terra. — Os olhos de Jojen eram de um verde escuro, a cor do musgo, mas estavam pesados com uma fadiga que
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:40 pm

    Bran nunca antes vira neles. O pequeno avô. A sul da Muralha, o rapaz dos pauis parecera ter uma sabedoria que ultrapassava a sua idade, mas ali em cima estava tão perdido e assustado como os outros. Mesmo assim, Meera dava-lhe sempre ouvidos.
    Isso continuava a ser verdade. Mãos-Frias se esgueirou por entre as árvores, regressando pelo caminho por onde tinham vindo, com quatro corvos a esvoaçar atrás dele. Meera viu-o partir, com as bochechas vermelhas de frio, a respiração a gerar nuvenzinhas assim que saía pelas narinas. Voltou a puxar o capuz para cima, deu ao alce um pequeno empurrão e a viagem foi reatada. Mas antes de se afastarem vinte metros, ela virou-se para olhar para trás e disse:
    — Homens, diz ele. Que homens? Falará de selvagens? Porque é que não quer dizer?
    — Disse que ia tratar deles — disse Bran.
    — Ele disse, sim. Também disse que nos levava ao tal corvo de três olhos. Aquele rio que atravessamos hoje de manhã é o mesmo que atravessamos há quatro dias, juro. Estamos andando em círculos.
    — Os rios curvam e torcem-se — disse Bran com incerteza — e onde há lagos e colinas tem de se dar a volta.
    — Tem havido muito dar de volta — insistiu Meera — e muitos segredos. Não gosto disto. Não gosto dele. E não confio nele. Aquelas mãos que tem já são suficientemente más. Esconde a cara e não nos quer dizer o nome. Quem é? O que é? Qualquer um pode vestir um manto preto. Qualquer um ou qualquer coisa. Ele não come, nunca bebe, não parece sentir o frio.
    É verdade. Bran tivera medo de falar do assunto, mas reparara. Sempre que se abrigavam para a noite, enquanto ele, Hodor e os Reed se aninhavam juntos para obter calor, o patrulheiro mantinha-se à parte. Às vezes, Mãos-Frias fechava os olhos, mas Bran julgava que não dormia. E havia mais uma coisa…
    — O cachecol. — Bran olhou em volta, inquieto, mas não se via um corvo em lado nenhum. Todas as grandes aves pretas os tinham abandonado quando o patrulheiro o fizera. Ninguém estava ouvindo. Mesmo assim, manteve a voz baixa. — O cachecol por cima da boca dele, nunca fica todo duro com gelo, como a barba de Hodor. Nem sequer quando ele fala.
    Meera dirigiu-lhe um olhar penetrante.
    — Tem razão. Nunca vimos a sua respiração, não é?
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:40 pm

    — Não. — Uma baforada de branco anunciava cada um dos hodores de Hodor. Quando Jojen ou a irmã falavam, as suas palavras também se conseguiam ver. Até o alce deixava uma névoa tépida no ar quando exalava.
    — Se ele não respira…
    Bran deu por si recordando as histórias que a Velha Nan lhe contara quando era pequeno. Para lá da Muralha vivem os monstros, os gigantes e os vampiros, as sombras caçadoras e os mortos que caminham, dizia ela, aconchegando-o por baixo da manta de lã que dava comichão, mas não podem passar enquanto a Muralha se mantiver forte e os homens da Patrulha da Noite forem fiéis. Portanto dorme, meu pequeno Brandon, meu bebezinho, e sonha sonhos doces. Aqui não há monstros. O patrulheiro usava o negro da Patrulha da Noite, mas e se não fosse um homem? E se fosse um monstro qualquer, que os estivesse levando a outros monstros para serem devorados?
    — O patrulheiro salvou Sam e a mulher das criaturas — disse Bran, com hesitação — e está me levando ao corvo de três olhos.
    — E porque é que esse corvo de três olhos não vem falar conosco? Porque é que não pôde ser ele a se encontrar com a gente na Muralha? Os corvos têm asas. O meu irmão fica mais fraco todos os dias. Durante quanto tempo podemos continuar? Jojen tossiu.
    — Durante o tempo necessário para chegarmos lá. Chegaram ao lago que lhes fora prometido não muito tempo depois, e viraram para norte como o patrulheiro lhes pedira. Essa foi à parte fácil.
    A água estava congelada, e a neve caíra durante tanto tempo que Bran perdera a conta dos dias, transformando o lago num vasto deserto branco. Onde o gelo era plano e o terreno acidentado, o avanço era fácil, mas onde o vento empurrara a neve formando elevações, era por vezes difícil determinar onde o lago terminava e a margem começava. Mesmo as árvores não eram guias tão infalíveis como poderiam ter esperado, pois havia ilhas arborizadas no lago e vastas áreas em terra onde não crescia qualquer árvore.
    O alce seguia para onde queria, independentemente dos desejos de Meera e Jojen, que o montavam. Normalmente, mantinha-se sob as árvores, mas onde a margem se curvava para oeste tomava o caminho mais dire-to através do lago gelado, avançando por entre montes de neve mais altos do que Bran enquanto o gelo estalava sob os seus passos. Aí, o vento era mais forte, um frio vento de norte que uivava por cima do lago, lhes apunhalava as camadas de lã e
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:40 pm

    couro e os deixava todos tremendo. Quando lhes soprava nas caras, atirava-lhes neve para os olhos e deixava-os praticamente cegos.
    Horas passaram em silêncio. Em frente, as sombras começaram avançando furtivamente por entre as árvores, os longos dedos do ocaso. A escuridão chegava cedo ali tão para norte. Bran acabara por temer isso. Cada dia parecia mais curto do que o anterior e, ao passo que os dias eram frios,as noites eram amargamente cruéis.
    Meera voltou a fazê-los parar.
    — Por esta altura já devíamos ter chegado à aldeia. — A sua voz soou abafada e estranha.
    — Será possível termos passado por ela? — perguntou Bran.
    — Espero que não. Temos de encontrar abrigo antes de a noite cair. Não se enganava. Os lábios de Jojen estavam azuis, as bochechas de Meera vermelhas escuras. A cara do próprio Bran estava adormecida. A barba de Hodor era gelo sólido. Neve cobria-lhe as pernas quase até ao joelho, e Bran sentira-o cambalear por mais de uma vez. Ninguém era tão forte como Hodor, ninguém. Se até a sua grande força estava fraquejando…
    — O Verão pode encontrar a aldeia — disse Bran de súbito, com as palavras transformando-se em névoa no ar. Não esperou para ouvir o que Meera poderia dizer, mas fechou os olhos e deixou-se fluir para fora do seu corpo quebrado.
    Quando deslizou para dentro da pele de Verão, a floresta morta ganhou uma súbita vida. Onde antes houvera silêncio, agora ouvia: vento nas árvores, a respiração de Hodor, o alce caminhando em busca de forragem. Cheiros familiares encheram-lhe as narinas: folhas úmidas e erva morta, a carcaça apodrecida de um esquilo que se decompunha entre a vegetação rasteira, o fedor azedo do suor humano, o odor almiscarado do alce. Comida. Carne. O alce apercebeu-se do seu interesse. Virou a cabeça para o lobo gigante, cauteloso, e baixou as grandes hastes.
    Ele não é presa, sussurrou o rapaz ao animal que partilhava a sua pele. Deixa-o. Corre.
    Verão correu. Precipitou-se pelo lago afora, levantando atrás de si nuvens de neve com as patas. As árvores erguiam-se, ombro contra ombro, como homens numa linha de batalha, todas cobertas de branco. O lobo gigante correu sobre raízes e rochas, por cima de um monte de neve antiga, cuja crosta estalava sob o seu peso. As suas patas ficaram úmidas e frias. Acolina seguinte estava
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:40 pm

    coberta de pinheiros, e o penetrante odor das agulhas enchia o ar. Quando chegou ao cume, descreveu um círculo, farejando o ar, após o que levantou a cabeça e uivou.
    Os cheiros estavam lá. Cheiros de homem.
    Cinzas, pensou Bran, antigas e ténues, mas cinzas. Era o cheiro de madeira queimada, de fuligem e de carvão. Uma fogueira apagada.
    Sacudiu a neve do focinho. O vento soprava em rajadas, o que fazia com que os cheiros fossem difíceis de seguir. O lobo andou de um lado para o outro, farejando. A toda a volta havia montes de neve e árvores altas vestidas de branco. O lobo deixou a língua pender por entre os dentes, saboreando o ar gélido, com a respiração a transformar-se em névoa enquanto flocos de neve se lhe derretiam na língua. Quando trotou na direção do cheiro, Hodor arrastou-se imediatamente atrás dele. O alce levou mais tempo decidindo, portanto, Bran regressou com relutância ao seu corpo e disse:
    — Por ali. Segue o Verão. Eu cheirei a aldeia.
    Quando a primeira lasca de um crescente de lua espreitou através das nuvens, tropeçaram por fim na aldeia junto ao lago. Tinham-na quase atravessado. Vista do gelo, a aldeia não parecia diferente de uma dúzia de outros locais ao longo da margem do lago. Enterradas sob montes de neve acumulada pelo vento, as casas redondas de pedra podiam ter sido com igual facilidade pedregulhos, outeiros ou troncos caídos, como a pilha de madeira morta que Jojen confundira com um edifício no dia anterior, antes de a escavarem e descobrirem apenas ramos partidos e troncos putrefatos.
    A aldeia estava vazia, abandonada pelos selvagens que tinham ali vivido, como todas as outras aldeias por que tinham passado. Algumas tinham sido queimadas, como se os habitantes quisessem assegurar-se de que não poderiam regressar, mas aquela fora poupada ao archote. Por baixo da neve descobriram uma dúzia de cabanas e um edifício comum, com o seu telhado de colmo e espessas paredes de troncos desbastados.
    — Pelo menos vamos ficar fora do alcance do vento — disse Bran.
    — Hodor — disse Hodor.
    Meera deslizou de cima do alce. Ela e o irmão ajudaram a erguer Brando cesto de vime.
    — Pode ser que os selvagens tenham deixado alguma comida para trás — disse.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:41 pm

    Aquela revelou ser uma vã esperança. Dentro do edifício comum en-contraram as cinzas de uma fogueira, um chão de terra batida, um frio que chegava aos ossos. Mas, pelo menos, tinham um telhado por cima das cabeças e paredes de troncos para manter o vento afastado. Um ribeiro corria ali perto, coberto por uma película de gelo. O alce teve de parti-la com o casco para beber. Depois de Bran, Jojen e Hodor estarem instalados e em segurança, Meera foi buscar uns pedaços de gelo quebrado para eles chuparem. A água derretida era tão fria que fez Bran estremecer.
    Verão não os seguiu para dentro do edifício comum. Bran conseguia sentir a fome do grande lobo, uma sombra da sua.
    — Vai caçar — disse-lhe — mas deixa o alce em paz. — Parte de si desejava também poder ir caçar. Talvez o fizesse, mais tarde.
    O jantar foi um punhado de bolotas, esmagadas e feitas em pasta, tão amarga que Bran teve vômitos quando tentou mantê-la no estômago. Jojen Reed nem sequer fez a tentativa. Mais jovem e mais débil do que a irmã, ia ficando mais fraco todos os dias.
    — Jojen, tem de comer — disse-lhe Meera.
    — Mais tarde. Só quero descansar. — Jojen fez um sorriso triste. —Não é este o dia em que eu morro, irmã. Prometo.
    — Quase caiu do alce.
    — Quase. Tenho frio e fome, é só isso.
    — Então come.
    — Bolotas esmagadas? Dói-me a barriga, mas isso só ia piorar a dor. Deixa-me assim, irmã. Estou sonhando com galinha assada.
    — Os sonhos não vão te sustentar. Nem sequer os sonhos verdes.
    — Sonhos são aquilo que temos.
    Tudo o que temos. A última comida que tinham trazido do sul esgotara-se dez dias antes. Desde então, a fome caminhava ao lado deles, de dia e de noite. Até Verão era incapaz de encontrar caça naquela floresta. Viviam de bolotas esmagadas e de peixe cru. A floresta estava cheia de ribeiros gelados e lagos frios e negros, e Meera era tão boa pescadora com a sua lança para rãs de três dentes como a maior parte dos homens com linha e anzol. Havia dias em que os lábios dela estavam azuis de frio quando regressava para junto deles com o peixe contorcendo-se nos dentes da lança. Mas já tinham se passado três dias desde que Meera apanhara um peixe. Bran sentia a barriga tão vazia que podiam ter sido três anos.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 12:41 pm

    Depois de terem se forçado a engolir o magro jantar, Meera sentou-se com as costas encostadas a uma parede, afiando o punhal numa pedra de amolar. Hodor acocorou-se junto da porta, balançando para trás e para afrente sobre os calcanhares e murmurando ―hodor, hodor, hodor.‖
    Bran fechou os olhos. Estava demasiadamente frio para conversar, e não se atreviam a acender uma fogueira. O Mãos-Frias avisara-os contra isso. Estas florestas não estão tão vazias como pensam, dissera. Não podem saber o que a luz poderá fazer sair da escuridão. A recordação o fez tremer, apesar do calor de Hodor a seu lado.
    O sono não vinha, não podia vir. Em vez disso havia vento, o frio mordente, luar refletido na neve, e fogo. Estava de novo dentro de Verão, a longas léguas de distância, e a noite fedia a sangue. O cheiro era forte. Uma matança, não muito longe. A carne ainda estaria quente. Saliva correu-lhe entre os dentes quando a fome despertou dentro de si. Não é alce. Não é veado. Isto não.
    O lobo gigante deslocou-se na direção da carne, uma magra sombra cinzenta deslizando de árvore em árvore, através de lagoas de luar e sobre montes de neve. O vento soprava em rajadas à volta dele, mudando de direção. Perdeu o cheiro, encontrou-o, depois voltou a perdê-lo. Enquanto o procurava de novo, um som distante fez com que as orelhas se lhe espetassem.
    Lobo, compreendeu de imediato. Verão avançou furtivamente na direção do som, agora cauteloso. Depressa o odor a sangue regressava, mas agora havia outros cheiros; mijo e peles mortas, caca de pássaro, penas e lobo, lobo, lobo. Uma alcateia. Ia ter de lutar pela carne.
    Eles também o cheiraram. Quando avançou do seio da escuridão das árvores para a clareira ensanguentada, eles estavam a vigiá-lo. A fêmea roía uma bota de couro que ainda tinha metade de uma perna nela enfi ada, mas deixou-a cair quando ele se aproximou. O líder da alcateia, um velho macho com um focinho branco encanecido e um olho cego, avançou ao seu encontro, rosnando, revelando os dentes. Atrás dele, um macho mais jovem mostrava também os colmilhos.
    Os olhos amarelos claros do lobo gigante absorveram o que o rodeava. Um emaranhado de entranhas enrolava-se por dentro de um arbusto, misturado com os ramos. Vapor erguia-se de uma barriga aberta, carregado com os cheiros de sangue e de carne. Uma cabeça que fitava sem ver um crescente de lua, com a cara rasgada e dilacerada até ao osso ensanguentado, poços no lugar de olhos e o
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:51 pm

    pescoço terminando num coto irregular. Uma poça de sangue congelado, cintilando rubra e negra.
    Homens. O fedor que deles vinha enchia o mundo. Vivos, tinham sido tantos como os dedos de uma pata de homem, mas agora não eram nenhum. Mortos. Acabados. Carne. Cobertos com mantos e capuzes, em tempos, mas os lobos tinham-lhes feito à roupa em bocados no frenesi de chegar à carne. Aqueles que ainda tinham caras usavam densas barbas cobertas com uma crosta de gelo e ranho congelado. A neve que caía começara a enterrar o que deles restava, tão pálida contra o negro de mantos e bragas negras e esfarrapadas. Negro.
    A longas léguas de distância, o rapaz agitou-se, inquieto.
    Negro. Patrulha da Noite. Eles eram da Patrulha da Noite.
    O lobo gigante não se importava. Eram carne. Ele tinha fome.
    Os olhos dos três lobos brilhavam, amarelos. O lobo gigante sacudiu a cabeça de um lado para o outro, com as narinas dilatadas, após o que descobriu os colmilhos num rosnido. O macho mais novo recuou. O lobo gigante conseguiu cheirar nele o medo. Cauda, compreendeu. Mas o lobo zarolho respondeu com um rugido e avançou para bloquear o seu avanço. Cabeça. E não tem medo de mim, embora tenha o dobro do seu tamanho.
    Os olhos de ambos encontraram-se.
    Warg!
    Então, os dois precipitaram-se um contra o outro, lobo e lobo gigante, e deixou de haver tempo para pensamentos. O mundo reduziu-se a dentes e garras, a neve voando enquanto eles rolavam e giravam e se mordiam um ao outro, e os outros lobos rosnavam e atiravam dentadas à volta deles. As maxilas de Verão cerraram-se em pelo eriçado e escorregadio de geada, num membro fino como um pau seco, mas o lobo zarolho arranhou-lhe abarriga com as garras e libertou-se, rolou, atirou-se a ele. Colmilhos amarelos cerraram-se-lhe na garganta, mas Verão sacudiu o primo cinzento para longe como teria sacudido uma ratazana, após o que caiu sobre ele, atirando-o ao chão. Rolando, dilacerando, esperneando, lutaram até fi carem os dois em desalinho e sangue fresco salpicar a neve que os rodeava.
    Mas, por fim, o lobo zarolho deitou-se e mostrou a barriga. O lobo gigante mordeu-o mais duas vezes, farejou-lhe o traseiro, e depois levantou uma pata por cima dele.
    Algumas dentadas e um rosnido de aviso, e a fêmea e o cauda também se submeteram. A alcateia era sua.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:51 pm

    As presas também. Deslocou-se de homem em homem, farejando, até se decidir pelo maior, uma coisa sem cara que segurava ferro negro numa mão. A outra mão estava em falta, cortada pelo pulso, e o coto estavaligado com couro. Sangue fluía, espesso e vagaroso, do rasgão que tinha na garganta. O lobo bebeu-o com a língua, lambeu a rasgada ruína sem olhos do seu nariz e bochechas e depois enfiou o focinho no pescoço e abriu-o, devorando um bocado de carne saborosa. Nunca nenhuma carne lhe caíra tão bem.
    Quando acabou com aquele homem, passou ao seguinte e devorou-lhe também os melhores bocados. Corvos observavam-no das árvores, agachados nos ramos, de olhos escuros e em silêncio, enquanto a neve caía lentamente à volta deles. Os outros lobos satisfizeram-se com os seus restos; o macho velho alimentou-se primeiro, depois a fêmea, depois o cauda. Agora eram dele. Eram alcateia.
    Não, murmurou o rapaz, temos outra alcateia. A Lady está morta, e o Vento Cinzento talvez também esteja, mas o Cão-Felpudo, a Nymeria e o Fantasma ainda estão em algum lugar. Lembras-se do Fantasma?
    A neve caia e os lobos banquetearam e começaram a esbater-se. O calor baseu-lhe na cara, reconfortante como beijos de uma mãe. Fogo, pensou, fumo. O nariz torceu-se com o cheiro de carne assando. E então a floresta desvaneceu-se, e Bran viu-se de regresso ao edifício comum, de regresso ao seu corpo quebrado, fitando uma fogueira. Meera Reed estava virando um bocado de rubra carne crua por cima das chamas, deixando-a tostar e crepitar.
    — Mesmo a tempo — disse. Bran esfregou os olhos com a base da mão e torceu-se para trás contra a parede, para se sentar. — Quase passava o jantar dormindo. O patrulheiro encontrou uma porca.
    Atrás dela, Hodor estava desfazendo avidamente um pedaço de carne quente e tostada enquanto sangue e gordura lhe caíam para a barba. Fiapos de fumo erguiam-se de entre os seus dedos.
    — Hodor — resmungava entre dentadas — hodor, hodor. — A sua espada estava pousada no chão de terra a seu lado. Jojen Reed mordiscava o seu bocado de carne com pequenas dentadas, mastigando cada pedaço uma dúzia de vezes antes de engolir.
    O patrulheiro matou um porco. O Mãos-Frias estava em pé ao lado da porta, com um corvo pousado no braço, ambos fitando o fogo. Reflexos das chamas cintilavam em quatro olhos negros. Ele não come, lembrou-se Bran, e tem medo das chamas.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:51 pm

    — Disse para não fazermos fogo — fez lembrar ao patrulheiro.
    — As paredes que nos rodeiam escondem a luz, e a aurora está próxima. Depressa estaremos a caminho.
    — O que aconteceu aos homens? Os inimigos que nos seguiam?
    — Não nos irão causar problemas.
    — Quem eram, selvagens?
    Meera virou a carne para cozinhar o outro lado. Hodor estava mastigando e engolindo, murmurando, feliz, em surdina. Só Jojen parecia consciente do que estava acontecendo quando Mãos-Frias virou a cabeça para fitar Bran.
    — Eram inimigos.
    Homens da Patrulha da Noite.
    — Você os matou. Você e os corvos. Tinham as caras todas dilaceradas e os olhos tinham desaparecido. — Mãos-Frias não o negou. — Eram seus irmãos. Eu vi. Os lobos tinham-lhes rasgado à roupa, mas ainda consegui perceber. Os mantos deles eram pretos. Como as tuas mãos. — Mãos-Frias nada disse. — Quem é você? Porque é que as tuas mãos são pretas? O patrulheiro estudou as mãos como se nunca antes tivesse reparado nelas.
    — Depois de o coração parar de bater, o sangue de um homem corre para as extremidades, onde espessa e congela. — A voz ressoava-lhe na garganta, tão magra e descarnada como ele. — As mãos e os pés incham-lhe e tornam-se tão pretas como farinheira. O resto dele torna-se branco comoleite.
    Meera Reed levantou-se, com a lança para rãs na mão, ainda com um bocado de carne fumegante empalado nos seus dentes.
    — Mostra-nos a tua cara. O patrulheiro não fez qualquer movimento para obedecer.
    — Ele está morto. — Bran sentia o sabor da bílis na garganta. — Meera, ele é uma coisa morta qualquer. A Velha Nan costumava dizer que os monstros não podem passar enquanto a Muralha permanecer em pé e os homens da Patrulha da Noite se mantiverem fiéis. Ele veio encontrar-se conosco na Muralha, mas não pôde passar. Mandou o Sam, com aquela mulçher selvagem.
    A mão enluvada de Meera apertou-se em volta do cabo da sua lança para rãs.
    — Quem foi que te enviou? Quem é esse tal corvo de três olhos?
    — Um amigo. Sonhador, feiticeiro, chame-o como quiser. O último vidente verde. — A porta de madeira do edifício comum abriu-se com estrondo.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:51 pm

    Lá fora, o vento noturno uivava, gelado e negro. As árvores estavam cheias de corvos aos gritos. O Mãos-Frias não se mexeu.
    — Um monstro — disse Bran. O patrulheiro olhou para Bran como se os outros não existissem.
    — O seu monstro, Brandon Stark.
    — Seu — disse o corvo que ele tinha ao ombro, num eco. Fora das portas, os corvos nas árvores imitaram o grito, até a floresta noturna ecoar com a canção assassinada de ―Seu, seu, seu.‖
    Jojen, sonhou isto? — perguntou Meera ao irmão. — Quem é ele? O que é ele? O que fazemos agora?
    — Vamos com o patrulheiro — disse Jojen. — Chegamos muito longe para voltarmos agora para trás, Meera. Nunca conseguiríamos regressar à Muralha vivos. Ou vamos com o monstro de Bran, ou morremos.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:52 pm

    Tyrion 91


    Partiram de Pentos através do Portão Nascente, embora Tyrion Lannister não chegasse a vislumbrar o Sol nascente.
    Será como se nunca tivésse vindo a Pentos, meu pequeno amigo — prometera o Magíster Illyrio quando fechara as cortinas de veludo púrpura da liteira. — Nenhum homem pode ve-lo abandonar a cidade, como nenhum homem o viu entrar.
    Nenhum homem exceto os marinheiros que me enfiaram naquel barril, o criado de bordo que limpou a cabine onde viajei, a mulher que enviou para me aquecer a cama e aquela traiçoeira lavadeira das sardas. Oh, e os seus guardas. A menos que lhes tenha tirado os miolos quando lhes tiraram os tomates, eles sabem que não está sozinho aqui dentro. — A liteira estava suspensa entre oito gigantescos cavalos de carga, presa por pesadas tiras de couro. Quatro eunucos seguiam a pé ao lado dos cavalos, dois de cada lado, e mais caminhavam atrás para defender a bagagem.
    Imaculados não contam histórias — assegurou-lhe Illyrio. — E a galé que tes entregou está a caminho de Asshai neste momento. Passarão dois anos até que regresse, se os mares forem gentis. Quanto ao meu pessoal, gosta bastante de mim. Nenhum me trairá.
    Acaricie essa ideia, meu gordo amigo. Um dia entalharemos essas pa-lavras na tua cripta.
    — Devíamos estar a bordo dessa galé — disse o anão. — A maneira mais rápida de chegar a Volantis é por mar.
    — O mar é perigoso — respondeu Illyrio. — O outono é uma estação cheia de tempestades e piratas ainda fazem os seus covis nos Degraus e daí partem para depredar os homens honestos. Não seria nada bom que o meu pequeno amigo caísse em tais mãos.
    — Também há piratas no Roine.
    — Piratas fluviais. — O queijeiro soltou um bocejo, cobrindo a boca com as costas da mão. — Capitães-baratas correndo atrás de migalhas.
    — Uma pessoa também ouve falar de homens de pedra.
    — Esses são bem reais, pobres coisas condenadas. Mas por que falar dessas coisas? O dia está muito agradável para tais conversas. Em breve veremos o Roine, e aí se livrará de Illyrio e da sua grande barriga. Até lá, bebamos e
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:52 pm

    sonhemos. Temos vinho doce e aperitivos para saborear, para quê pensar em doença e morte?
    De fato, para quê? Tyrion voltou a ouvir o trum de uma besta e espantou-se. A liteira oscilava de um lado para o outro, um movimento calmante que o fazia sentir-se como uma criança a ser embalada para dormir nos braços da mãe. Não que eu saiba como isso é. Almofadas de seda estofadas com penugem de ganso afagavam-lhe as nádegas. As paredes de veludo púrpura curvavam-se por cima da sua cabeça para formar um teto, deixando uma temperatura agradavelmente morna lá dentro, apesar do frio de outono lá fora.
    Uma fila de mulas seguia atrás deles, trazendo arcas, barris, e cestas de delícias para evitar que o senhor do queijo sentisse apetite. Naquela manhã mordiscaram salsichas com especiarias, empurradas para baixo por um vinho castanho de baga-fumo. Enguias em gelatina e tintos de Dorne preencheram-lhes à tarde. Ao chegar a noite, houve presuntos em fatias, ovos cozidos e cotovias assadas recheadas com alho e cebolas, com cervejas louras e vinhos ardentes de Myr para ajudar à digestão. Mas a liteira era tão lenta como confortável, e o anão depressa deu por si cheio de impaciência.
    — Vamos demorar quantos dias a chegar ao rio? — perguntou a Illyrio naquela noite. — A este ritmo, os dragões da sua rainha serão maiores do que os três de Aegon antes de eu pôr os olhos neles.
    — Seria bom que assim fosse. Um dragão grande é mais temível do que um pequeno. — O magíster encolheu os ombros. — Por muito que me agradasse dar as boas-vindas à Rainha Daenerys em Volantis, tenho de confiar em vós e em Griff para isso. Posso servi-la melhor em Pentos, suavizando o caminho para o seu regresso. Mas enquanto estou com você... Bem, um velho gordo tem de ter os seus confortos, sim? Vá, beba uma taça de vinho.
    — Diga-me — disse Tyrion enquanto bebia — porque haveria um magíster de Pentos de ter algum interesse em quem usa a coroa em Westeros? Onde está para você o lucro neste empreendimento, senhor? O gordo limpou com pancadinhas a gordura dos lábios.
    — Eu sou um velho, cansado deste mundo e das suas traições. Será assim tão estranho que deseje fazer algum bem antes de os meus dias chegarem ao fim, para ajudar uma doce menininha a reconquistar aquilo que é seu direito de nascimento?
    A seguir vai me oferecer uma armadura mágica e um palácio em Valíria.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:52 pm

    — Se Daenerys não for mais do que uma doce menininha, o Trono de Ferro vai cortá-la em doces pedacinhos.
    — Não temas, meu pequeno amigo. O sangue de Aegon, o Dragão, corre-lhe nas veias.
    Juntamente com o sangue de Aegon, o Indigno, Maegor, o Cruel, e Ba-elor, o Confundido.
    — Fale-me mais dela. O gordo ficou pensativo.
    — Daenerys era praticamente uma criança quando veio falar comigo, mas era ainda mais bonita do que a minha segunda esposa, tão adorável que me senti tentado a ficar com ela para mim. Mas era uma coisinha tão temerosa e furtiva que soube que não obteria qualquer alegria em me ligar a ela. Em vez disso, chamei uma aquecedora de cama e fodi-a vigorosamente até a loucura passar. Em boa verdade, não pensei que Daenerys sobrevivesse durante muito tempo entre os senhores dos cavalos.
    — Isso não lhe impediu de a vender a Khal Drogo…
    — Os dothraki nem compram nem vendem. Diga antes que o irmão Viserys a ofereceu a Drogo para ganhar a amizade do khal. Um jovem presunçoso e ganancioso. Viserys desejava intensamente o trono do pai, mas também desejava Daenerys, e abominava a ideia de abrir mão dela. Na véspera do casamento da princesa, tentou esgueirar-se para dentro da sua cama, insistindo que, se não podia obter a mão dela, obteria a virgindade. Se eu não tivesse tomado a precaução de pôr guardas à porta dela, Viserys podia ter desfeito anos de planeamento.
    — Parece um completo idiota.
    — Viserys era filho do Louco Aerys, sem dúvida. Daenerys… Da-enerys é bastante diferente. — Enfiou uma cotovia na boca e esmagou-a ruidosamente, com ossos e tudo. — A criança assustada que se abrigou na minha mansão morreu no mar Dothraki, e renasceu em sangue e fogo. Esta rainha dos dragões que usa o seu nome é uma verdadeira Targaryen. Quando enviei navios para trazê-la para casa, desviou-os para a Baía dos Escravos. Em poucos dias, conquistou Astapor, fez Yunkai dobrar o joelho e saqueou Meereen. Mantarys será a próxima, se marchar para oeste pelasvelhas estradas valirianas. Se vier por mar, bem… a sua frota terá de embarcar comida e água em Volantis.— Por terra ou por mar, há longas léguas entre Meereen e Volantis —observou Tyrion.
    — Quinhentas e cinquenta, em voo de dragão, por desertos, montanhas, pântanos e ruínas assombradas por demônios. Serão mais do que muitos os que
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:52 pm

    perecerão, mas aqueles que sobreviverem estarão mais fortes quando chegarem a Volantis… aí o encontrarão à espera deles com Griff, com forças descansadas e navios suficientes para cruzar com todos o mar até Westeros.
    Tyrion pensou em tudo o que sabia sobre Volantis, a mais antiga e mais orgulhosa das Nove Cidades Livres. Havia ali algo de errado. Mesmo com meio nariz conseguia cheirá-lo.
    — Diz-se que há cinco escravos por cada homem livre em Volantis.
    Porque haveriam os patriarcas de ajudar uma rainha que esmagou o comércio de escravos? — Apontou para Illyrio. — E, já agora, porque haveria você de o fazer? A escravatura pode ser proibida pelas leis de Pentos, mas você também tem um dedo nesse negócio, talvez mesmo uma mão inteira. E, no entanto, conspira em prol da rainha dos dragões, e não contra ela. Porquê? O que espera ganhar com a Rainha Daenerys?
    — Voltámos outra vez a isso? É um homenzinho persistente. —Illyrio soltou uma gargalhada e deu uma palmada na barriga. — Como quiser. O Rei Pedinte jurou que eu seria o seu mestre da moeda, e também um senhor importante. Quando pusesse na cabeça a sua coroa dourada, eu podia escolher os castelos que quisesse… mesmo Rochedo Casterly, se o desejasse.
    Tyrion deitou vinho pelo coto deformado que fora o seu nariz.
    — O meu pai teria adorado ouvir isso.
    — O senhor vosso pai não tinha motivos de preocupação. Porque haveria eu de querer um rochedo? A minha mansão é suficientemente grande para qualquer homem, e mais confortável do que os seus castelos de Westeros com as suas correntes de ar. Agora, mestre da moeda… — O gordo descascou outro ovo. — Eu gosto de moedas. Haverá algum som mais agradável do que o tinir de ouro em ouro?
    Os gritos de uma irmã.
    — Tem mesmo a certeza de que Daenerys cumprirá as promessas do irmão?
    — Ou cumprirá ou não cumprirá. — Illyrio cortou metade do ovo com uma dentada. — Já o tinha dito, meu pequeno amigo, nem tudo o que um homem faz é feito pelo lucro. Acredite no que quiser, mas até velhos patetas gordos como eu têm amigos, e dívidas de afeto a pagar.
    Mentiroso, pensou Tyrion. Há qualquer coisa neste empreendimento que vale mais para ti do que dinheiro ou castelos.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:53 pm

    — Encontram-se tão poucos homens que dão mais valor à amizade do que ao ouro nos dias que correm.
    — É bem verdade — disse o gordo, surdo à ironia.
    — Como foi que a Aranha se tornou tão preciosa para você?
    — Passamos a juventude juntos, dois rapazes inexperientes em Pentos.
    — Varys veio de Myr.
    — Pois veio. Conheci-o não muito tempo depois de chegar, um passo à frente dos escravagistas. De dia dormia nos esgotos, de noite percorria os telhados como um gato. Eu era quase tão pobre como ele, um espadachim vestido de seda suja, vivendo da minha espada. Talvez tenha calhado ver a estátua perto da minha piscina? Pytho Malanon esculpiu aquilo quando eu tinha dezesseis anos. Uma coisa adorável, embora eu agora chore ao vê-la.
    — A idade transforma-nos a todos em ruínas. Ainda estou de luto pelo meu nariz. Mas Varys…
    — Em Myr era um príncipe de ladrões, até que um ladrão rival o denunciou. Em Pentos, o sotaque identificava-o, e depois de se saber que era um eunuco foi desprezado e espancado. Nunca saberei por que me escolheu para protegê-lo, mas chegámos a um acordo. Varys espiava ladrões menores e roubava o que eles roubavam. Eu oferecia-me para ajudar as vítimas, prometendo recuperar os seus objetos de valor em troca de uma gratificação. Depressa todos os homens que tinham sofrido uma perda ficaram sabendo que deviam vir falar comigo, enquanto os larápios e carteiristas da cidade procuravam Varys… metade para lhe cortar a garganta, a outra metade para lhe vender o que tinham roubado. Ambos enriquecemos e ficamos ainda mais ricos quando Varys treinou os seus ratos.
    — Em Porto Real criava passarinhos.
    — Nessa altura chamava-lhes ratos. Os ladrões mais velhos eram idiotas que não pensavam mais longe do que em transformar em vinho o saque de uma noite. Varys preferia rapazes órfãos e menininhas. Escolhia os menores, aqueles que eram rápidos e discretos, e ensinava-lhes a escalar muros e a descer por chaminés. Ensinamos-lhes também a ler. Deixávamos o ouro e as pedras preciosas para os ladrões comuns. Em vez disso, os nossos ratos roubavam cartas, livros-mestres, planos… mais tarde, passaram a lê-los e a deixá-los onde estavam. Os segredos valem mais do que prata ou safiras, afirmava Varys. Exatamente. Eu tornei-me tão respeitável que um primo do Príncipe de Pentos me deixou casar com a sua filha donzela, enquanto murmúrios sobre os talentos
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:53 pm

    de um certo eunuco atravessavam o mar estreito e chegavam aos ouvidos de um certo rei. Um rei muito ansioso, que não confiava por completo no filho, nem na esposa, nem no Mão, um amigo de juventude que se tornara arrogante e muito orgulhoso. Julgo que conhece o resto desta história, não é verdade?
    — Muita dela — admitiu Tyrion. — Vejo que afinal é algo mais do que um queijeiro. Illyrio inclinou a cabeça.
    — É bondade vossa dizê-lo, meu pequeno amigo. E pela minha parte, vejo que é precisamente tão rápido de entendimento como o Lorde Varys afirmou. — Sorriu, mostrando todos os dentes tortos e amarelos, e gritou por outra garrafa de vinho ardente de Myr.
    Quando o magíster adormeceu abraçado à garrafa de vinho, Tyrion gatinhou pelas almofadas para a soltar da sua prisão de carne e servir-se de uma taça. Emborcou-a, bocejou e voltou a enchê-la. Se beber suficiente vinho ardente, disse a si próprio, talvez sonhe com dragões.
    Quando era ainda uma criança solitária nas profundezas de Rochedo Casterly, era frequente montar dragões pelas noites fora, fingindo ser qualquer principelho perdido Targaryen, ou um senhor dos dragões valiriano pairando bem alto sobre campos e montanhas. Uma vez, quando os tios lhe perguntaram que presente desejava pelo dia do seu nome,suplicara-lhes um dragão.
    — Não precisa de ser grande. Pode ser pequeno, como eu. — O tio Gerion achara que aquela era a coisa mais engraçada que já ouvira, mas o tio Tygett dissera:
    — O último dragão morreu há um século, rapaz. — Aquilo parecera tão monstruosamente injusto que o rapaz chorara até adormecer naquela noite.
    Mas se fosse possível acreditar no senhor do queijo, a filha do Rei Louco chocara três dragões vivos. Mais dois do que até uma Targaryen devia necessitar. Tyrion tinha quase pena de ter matado o pai. Teria gostado de ver a cara do Lorde Tywin quando soubesse que havia uma rainha Targaryen a caminho de Westeros com três dragões, apoiada por um eunuco cheio de intrigas e um queijeiro com metade do tamanho de Rochedo Casterly.
    O anão estava tão cheio que teve de desafivelar o cinto e desatar os nós superiores das bragas. A roupa de rapaz com que o seu anfitrião o vestira fazia com que se sentisse como quatro quilos de salsicha numa pele para dois quilos. Se comermos assim todos os dias, chegarei ao tamanho de Illyrio antes de conhecer esta rainha dos dragões. Fora da liteira a noite caíra. Dentro, tudo era escuridão. Tyrion escutou os roncos de Illyrio, o ranger das tiras de couro, o lento
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:53 pm

    clop clop dos cascos ferrados de ferro dos cavalos na dura estrada valiriana, mas o seu coração estava à escuta dos batimentos de asas de couro.
    Quando acordou, a aurora chegara. Os cavalos continuavam avançando pesadamente, com a liteira a ranger e a oscilar entre eles. Tyrion puxou a cortina um centímetro para trás a fim de espreitar o exterior, mas havia pouco para ver além de campos em tons de ocre, ulmeiros nus e castanhos,e a própria estrada, uma larga via de pedra que corria direita como uma lança até ao horizonte. Lera sobre as estradas valirianas, mas aquela era a primeira que via. O alcance da Cidade Livre chegara até Pedra do Dragão, mas nunca atingira Westeros propriamente dito. Estranho, isso. Pedra do Dragão não passa de um rochedo. A riqueza estava mais para oeste, mas eles tinham dragões. Com certeza sabiam que estava lá.
    Bebera muito na noite anterior. Tinha a cabeça latejando, e mesmo o suave balanço da liteira era suficiente para lhe revolver o estômago.
    Embora não soltasse uma palavra de queixa, a sua aflição deve ter sido evidente para Illyrio Mopatis.
    — Vá, beba comigo — disse o gordo. — Uma escama do dragão que lhe queimou, como se costuma dizer. — Serviu-os de um jarro de vinho de amoras silvestres, tão doce que atraía mais moscas do que mel. Tyrion enxotou-as com as costas da mão e bebeu profundamente. O sabor era tão enjoativo que foi com grande dificuldade que manteve o vinho na barriga. Mas a segunda taça desceu com mais facilidade. Mesmo assim, não tinha apetite, e quando Illyrio lhe ofereceu uma tigela de amoras silvestres com creme, recusou com um gesto.
    — Sonhei com a rainha — disse. — Estava de joelhos à sua frente, jurando fidelidade, mas ela confundiu-me com o meu irmão Jaime e deu-me de comer aos dragões.
    — Esperemos que esse sonho não seja profético. É um anão inteligente, como Varys disse, e Daenerys vai ter necessidade de homens inteligentes à sua volta. Sor Barristan é um cavaleiro valente e fiel, mas ninguém,penso eu, alguma vez lhe chamou astucioso.
    — Os cavaleiros só conhecem uma maneira de resolver um problema. Baixam a lança e arremetem. Um anão tem uma maneira diferente de olhar para o mundo. Mas e você? Você também é um homem inteligente.
    Lisonjea-me. — Illyrio abanou a mão. — Infelizmente, não fui feito para viajar, portanto, enviarei você a Daenerys em meu lugar. Prestaste um grande serviço a Sua Graça quando mataste o seu pai, e tenho a esperança de que
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:53 pm

    lhe preste muitos mais. Daenerys não é a idiota que o irmão era. Ela irá usa-lo bem.
    Como lumo?, pensou Tyrion, sorrindo de forma agradável.
    Só trocaram de cavalos três vezes nesse dia, mas pareceram parar pelo menos duas vezes por hora para que Illyrio pudesse descer da liteira e dar uma mijada. O nosso senhor do queijo é do tamanho de um elefante, mas tem uma bexiga parecida com um amendoim, matutou o anão. Durante uma das paradas, usou o tempo para examinar melhor a estrada. Tyrion sabia o que iria encontrar; não terra batida nem tijolos nem pedras, mas uma fita de pedra fundida, erguida quinze centímetros acima do chão a fim de permitir que a chuva e a neve escorressem. Ao contrário dos trilhos lamacentos que passavam por estradas nos Sete Reinos, as estradas valirianas tinham largura suficiente para três carroças passarem lado a lado, e nem o tempo, nem o tráfego as estragavam. Ainda resistiam, imutáveis, quatro séculos depois de a própria Valíria ter encontrado a sua Perdição. Procurou sulcos e rachaduras, mas encontrou apenas uma pilha de bosta quente depositada por um dos cavalos.
    A bosta o fez pensar no senhor seu pai. Está em algum inferno, pai? Um inferno simpático e frio de onde pode olhar para cima e ver-me ajudar a devolver o Trono de Ferro à filha do Louco Aerys?
    Quando reataram a viagem, Illyrio apresentou um saco de castanhas assadas e recomeçou a falar da rainha dos dragões.
    — Temo que as nossas últimas notícias sobre a Rainha Daenerys sejam antigas e mofadas. Temos de partir do princípio de que por esta altura tenha abandonado Meereen. Tem finalmente a sua hoste, uma hoste dissonante de mercenários, senhores dos cavalos dothraki e infantaria Imaculada, e sem dúvida que os trará para oeste, a fim de retomar o trono do pai. — O Magíster Illyrio abriu um frasco de caracóis em alho, cheirou-os e sorriu. — Temos de ter esperança de que em Volantis obtenha notícias frescas sobre Daenerys — disse, enquanto chupava um caracol para fora dacasca. — Tanto os dragões como as mulheres são caprichosos, e pode ser que tenha de ajustar os seus planos. Griff saberá o que fazer. Quer um caracol? O alho vem dos meus próprios jardins.
    Eu podia montar um caracol e avançar mais depressa do que esta tua liteira. Tyrion afastou o prato com um gesto.
    — Atribui bastante confiança a esse tal Griff. Outro amigo de infância?
    — Não. Você o chamaria de um mercenário, mas é nascido em Westeros. Daenerys precisa de homens dignos da sua causa. — Illyrio ergueu
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:53 pm

    uma mão. — Eu sei! Esta pensando: ―os mercenários põem o ouro à frente da honra. Este tal Griff vai vender-me à minha irmã.‖ Não é verdade. Confio em Griff como confiaria num irmão.
    Outro erro fatal.
    — Então eu farei o mesmo.
    — A Companhia Dourada marcha para Volantis neste mesmo momento, para esperar aí a chegada da nossa rainha do leste.
    Sob o ouro, o aço amargo.
    — Tinha ouvido dizer que a Companhia Dourada estava sob contrato com uma das cidades livres.
    — Myr. — Illyrio fez um sorrisinho afetado. — Contratos podem ser quebrados.— Há mais dinheiro no queijo do que eu pensava — disse Tyrion. —Como conseguiu isso? O magíster sacudiu os dedos gordos.
    — Alguns contratos são escritos com tinta, alguns com sangue. Nada mais direi.
    O anão refletiu sobre aquilo. A Companhia Dourada tinha a reputação de ser a melhor das companhias livres, fundada um século antes por Açamargo, um filho bastardo de Aegon, o Indigno. Quando outro dos Grandiosos Bastardos de Aegon tentara tirar o Trono de Ferro ao seu meio-irmão legítimo, Açamargo juntara-se à revolta. Contudo, Daemon Blackfyre perecera no Campo da Erva Rubra e a sua rebelião perecera com ele. Os seguidores do Dragão Negro que sobreviveram à batalha, mas se recusaram a dobrar o joelho, fugiram para o outro lado do mar estreito, incluindo os filhos mais novos de Daemon, Açamargo e centenas de senhoresbe cavaleiros sem terras que depressa se viram forçados a vender as espadas para comer. Alguns juntaram-se ao Estandarte Esfarrapado, alguns aos Segundos Filhos ou aos Homens da Donzela. Açamargo vira a força da Casa Blackfyre espalhar-se aos quatro ventos, por isso, formara a Companhia Dourada para unir os exilados.
    Desse dia até o presente, os homens da Companhia Dourada tinham vivido e morrido nas Terras Disputadas, combatendo por Myr, Lys ou Tyrosh nas suas guerrinhas sem sentido, e sonhando com a terra que os pais haviam perdido. Eram exilados e filhos de exilados, despojados e nunca perdoados… mas ainda formidáveis combatentes.
    — Admiro o seu poder de persuasão — disse Tyrion a Illyrio. —Como convenceu a Companhia Dourada a apoiar a causa da nossa querida rainha quando passaram tanta da sua história a lutar contra os Targaryen?
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:53 pm

    Illyrio enxotou a objeção como se fosse uma mosca.
    — Preto ou vermelho, um dragão é um dragão. Quando Maelys, o Monstruoso, morreu nos Degraus, foi o fim da linhagem masculina da Casa Blackfyre. — O queijeiro sorriu através da barba bifurcada. — E Daenerys dará aos exilados o que Açamargo e os Blackfyre nunca conseguiram dar. Leva-los para casa.
    Com fogo e espadas. Era também o tipo de regresso a casa que Tyrion desejava.
    — Dez mil espadas são um presente principesco, admito. Sua Graça ficará muito satisfeita.
    O magíster baixou com modéstia a cabeça, fazendo abanar os queixos.
    — Nunca ousaria dizer o que poderá satisfazer Sua Graça. É prudente da tua parte. Tyrion sabia mais do que gostaria de saber sobre a gratidão dos reis. Porque haveriam as rainhas de ser diferentes?
    Pouco depois o magíster adormeceu profundamente, deixando Tyrion matutando sozinho. Perguntou-se o que Barristan Selmy pensaria de partir para a batalha com a Companhia Dourada. Durante a Guerra dos Reis dos Nove Dinheiros, Selmy abrira um caminho sangrento pelas suas fileiras para matar o último dos Pretendentes Blackfyre. A rebelião cria estranhos companheiros de cama. E nenhuns são mais estranhos doque este gordo e eu.
    O queijeiro acordou quando pararam para trocar os cavalos e mandou buscar mais uma cesta.
    — Já avançámos muito? — perguntou-lhe o anão enquanto se atafulhavam com capão frio e um aperitivo feito de cenouras, passas e bocados de lima e laranja.
    Isto é Andalos, meu amigo. A terra de onde os seus ândalos vieram. Tomaram-na aos homens peludos que viviam aqui antes deles, primos dos homens peludos de Ib. O coração do antigo reino de Hugor fica a norte de nós, mas estamos passando pelas suas marcas meridionais. Em Pentos, chama-se a isto as Planuras. Mais para leste erguem-se os Montes Veludo, aos quais nos dirigimos.
    Andalos. A Fé ensinava que os próprios Sete tinham em tempos per-corrido as colinas de Andalos sob forma humana.
    — O Pai ergueu a mão até aos céus e puxou para baixo sete estrelas — recitou Tyrion de memória — e as pôs uma a uma na testa de Hugor da Colina para fazer uma coroa brilhante.O Magíster Illyrio deitou-lhe um olhar curioso.
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    Mensagem  Admin Qua Jul 11, 2012 3:54 pm

    — Não sonhava que o meu pequeno amigo fosse tão devoto. O anão encolheu os ombros.
    — Uma relíquia da minha meninice. Sabia que não podia ser um cavaleiro, portanto decidi ser Alto Septão. Essa coroa de cristal acrescenta trinta centímetros à altura de um homem. Estudei os livros sagrados e rezei até ter crostas em ambos os joelhos, mas a minha demanda chegou a um fim trágico. Cheguei a uma certa idade e apaixonei-me.
    — Uma donzela? Sei como isso é. — Illyrio enfiou a mão direita na manga esquerda e tirou de lá um medalhão de prata. Lá dentro estava o retrato pintado de uma mulher de grandes olhos azuis e cabelo loiro claro com madeixas brancas. — Serra. Encontrei-a numa casa de almofadas lisena e trouxe-a para casa para me aquecer a cama, mas por fim casei com ela. Eu, cuja primeira esposa tinha sido prima do Príncipe de Pentos. As portas do palácio fecharam-se para mim daí em diante, mas não me importei. Por Serra, o preço foi bastante baixo.
    — Como foi que ela morreu? — Tyrion sabia que a mulher estava morta; nenhum homem falava com tanto carinho de uma mulher que o tivesse abandonado.
    — Uma galé mercante de Bravos aportou em Pentos de regresso do Mar de Jade. A Tesouro transportava cravinho e açafrão, âmbar-negro e jade, samito escarlate, seda verde… e a morte cinzenta. Matamos os seus remadores quando o navio acostou e o queimamos ao longe, mas as ratazanas rastejaram ao longo dos remos e desceram para o cais sobre frias patas de pedra. A praga levou duas mil pessoas antes de desaparecer. — O Magíster Illyrio fechou o medalhão. — Conservo as mãos dela no meu quarto. Umas mãos que eram tão suaves…
    Tyrion pensou em Tysha. Olhou os campos por onde os deuses em tempos tinham caminhado.
    — Que tipo de deuses fazem ratazanas, pragas e anões? — Ocorreu-lhe outra passagem da Estrela de Sete Pontas. — A Donzela trouxe-lhe uma moça flexível como um salgueiro com olhos que eram como profundas lagoas azuis, e Hugor declarou que a tomaria como noiva. E assim a Mãe tornou-a fértil, e a Velha predisse que ela daria ao rei quarenta e quatro poderosos filhos. O Guerreiro deu força aos seus braços ao passo que o Ferreiro fez para cada um uma armadura de placas de aço.

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