- Irm... os nossos próprios homens? - as palavras de Aemon doeram cem vezes mais do que os seus dedos. Jon recordou o Velho Urso como o vira pela última vez, em pé diante de sua tenda com o corvo no braço, crocitando, pedindo milho. Mormont morto? Temera isso desde que vira o resultado da batalha no Punho, mas nem assim o golpe era menor. - Quem foi? Quem é que se virou contra ele?
- Garth de Vilavelha, Ollo Mão-Cortada, Adaga... ladrões, covardes e assassinos, to¬dos eles. Devíamos ter previsto que isso iria acontecer. A Patrulha não é o que já foi. Há homens honestos de menos para manter os patifes na linha. - Donal Noye virou as lâ-minas do meistre no fogo. - Uma dúzia de homens leais conseguiu voltar. Edd Doloroso, Gigante, seu amigo Auroque. Soubemos da história por eles.
Só uma dúzia? Tinham saído duzentos homens de Castelo Negro com o Senhor Co-mandante Mormont, duzentos dos melhores homens da Patrulha.
- Isso quer dizer então que Marsh é o Senhor Comandante? - a Velha Romã era amigável, e um diligente Primeiro Intendente, mas era completamente inadequado para enfrentar uma tropa de selvagens.
- Por enquanto, até organizarmos uma eleição - disse Meistre Aemon. - Clydas, traga-me o frasco.
Uma eleição. Com Qhorin Meia-Mão e Sor Jaremy Rykker mortos e Ben Stark ainda desaparecido, quem restava? Nem Bowen Marsh nem Sor Wynton Stout, isso era certo. Teria Thoren Smallwood sobrevivido ao Punho, ou Sor Ottyn Wythers? Não, será Cotter Pyke ou Sor Denys Mallister. Mas qual deles? Os comandantes da Torre Sombria e de Ata-laialeste eram bons homens, mas muito diferentes; Sor Denys era cortês e cauteloso, tão cavalheiresco quanto idoso, Pyke era mais jovem, de nascimento bastardo, de língua rude e excessivamente ousado. Pior, os dois homens desprezavam-se mutuamente. O Velho Urso j
sempre os mantivera afastados, nas extremidades opostas da Muralha. Jon sabia que os Mallister possuíam uma desconfiança congênita com relação aos homens de ferro.
Uma punhaiada de dor fez-lhe lembrar os próprios infortúnios. O meistre apertou sua mão.
- Clydas foi buscar leite de papoula.
Jon tentou se levantar.
- Não preciso...
- Precisa - disse Aemon com firmeza. - Isto vai doer.
Donal Noye atravessou a sala e obrigou Jon a se deitar novamente.
- Fique quieto, senão o amarro. - Mesmo com apenas um braço, o ferreiro controlava - -o como se fosse uma criança.
Clydas voltou com um frasco verde e uma taça arredondada de pedra. Meistre Ae¬mon encheu-a.
- Beba isto.
Jon tinha mordido o lábio. Sentiu o sabor do sangue misturado com o da sedimentosa poção branca. Quase vomitou.
Clydas trouxe uma bacia de água quente, e Meistre Aemon lavou o pus e o sangue do ferimento. Por mais gentil que fosse, até o toque mais leve fazia com que Jon quisesse gritar.
- Os homens do Magnar são disciplinados e têm armaduras de bronze - disse-lhes. Falar ajudava a manter a mente afastada da perna.
- O Magnar é um senhor em Skagos - disse Noye. - Havia skagositas em Atalaiales¬te quando cheguei à Muralha, lembro-me de ouvi-los falando dele.
- Jon está usando a palavra em seu sentido mais antigo, creio eu - disse Meistre Ae¬mon -, não como nome de família, mas como título. Deriva do Idioma Antigo.
- Significa senhor - concordou Jon. - Styr é o Magnar de um lugar qualquer chama¬do Thenn, na extremidade norte das Presas de Gelo. Tem uma centena de seus homens e uma vintena de corsários que conhecem a Dádiva quase tão bem quanto nós. Mas Mance nunca chegou a encontrar o berrante, isso vale de alguma coisa. O Berrante do Inverno. Era isso que ele andava à procura nas escavações que fez nas nascentes do Guadeleite.
Meistre Aemon fez uma pausa, com o pano da lavagem na mão.
- O Berrante do Inverno é uma lenda antiga. O Rei-Para-lá-da-Muralha realmente acredita que tal coisa existe?
- Todos acreditam - disse Jon. - Ygritte disse que abriram uma centena de tumbas... tumbas de reis e heróis, ao longo de todo o vale do Guadeleite, mas não chegaram...
- Quem é Ygritte? - perguntou Donal Noye sem rodeios.
- Uma mulher do povo livre. - Como poderia explicar Ygritte para eles? Ela é quente, esperta e engraçada, e tanto pode beijar um homem como rasgar seu pescoço. - Ela está com Styr, mas não é... é jovem, só uma garota, na verdade, selvagem, mas ela... - Ela matou um velho por fazer uma fogueira. Sentiu a língua inchada e desajeitada. O leite de papoula es¬tava anuviando seus pensamentos. - Quebrei os meus votos com ela. Não queria, mas... - Foi errado. Foi errado amá-la, foi errado deixá-la... - Não fui suficientemente forte. O Meia-Mão ordenou-me, cavalgue com eles, observe, não posso vacilar, eu... - Sentia a cabeça como se estivesse recheada de lã molhada.
Meistre Aemon voltou a cheirar o ferimento de Jon. Então pôs o pano ensangüentado na bacia novamente e disse:
- Donal, a faca quente, por favor. Vou precisar que o mantenha imóvel.
Não gritarei, disse Jon a si mesmo quando viu a lâmina brilhando, rubra. Mas também quebrou esse voto. Donal Noye segurou-o enquanto Clydas ajudava a guiar a mão do meistre. Jon não se mexeu, salvo para esmurrar a mesa, uma vez e outra mais. A dor foi tão enorme- mente violenta