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    O Festim dos Corvos

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    O Festim dos Corvos - Página 9 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:50 pm

    — Ele continuava segurando o ovo que ele pegou da carroça. Sua mão
    fechou-se, e a gema vazou por seus dedos.
    — Eu sei o que Lorde Randyll faz com os foras da lei — Brienne
    disse. — E também sei o que ele faz com estupradores.
    Ela esperava que o nome fosse intimidá-lo, mas o sargento só
    chacoalhou a mão tirando o ovo de seus dedos e sinalizou para os seus
    homens para espalharem-se. Brienne se encontrava cercada por pontas de
    aço.
    — O que você estava dizendo, meretriz? O que é que Lorde Tarly
    faz com...
    —... Estupradores — uma voz mais profunda terminou. — Ele os
    capa ou os envia para a Muralha. Às vezes os dois. E ele corta fora os dedos
    dos ladrões. — Um homem jovem e lânguido saiu do portão principal, um
    cinturão com a espada afivelada a sua cintura. A túnica que ele usava sobre
    sua cota de malha já tinha sido branca, e aqui e ali ainda estava sob as
    manchas de grama e sangue seco. O seu símbolo estava disposto em seu
    peito: um veado marrom, morto e amarrado, pendurado em um poste.
    Ele. Sua voz era um soco no estômago dela, e sua face uma lâmina
    em suas entranhas.
    — Sor Hyle — ela disse rigidamente.
    — Melhor deixá-la em paz, companheiros — avisou Sor Hyle Hunt.
    — Esta é Brienne, a Bela, a Donzela de Tarth, quem matou o Rei Renly e
    metade de sua Guarda Arco-íris. Ela é tão desprezível quanto é feia, e não há
    ninguém mais feia... exceto talvez por você, Pisspot, mas o seu pai era o a
    parte traseira de um boi selvagem, então você tem uma boa desculpa. O pai
    dela é a Estrela da Tarde de Tarth.
    Os guardas riram, mas as alabardas de dividiram.
    — Não deveríamos prendê-la, sor? — o sargento perguntou. — Por
    ter matado Renly?
    — Por quê? Renly era um rebelde. Então todos nós fomos rebeldes
    para um homem, mas agora nós somos todos leais a Tommen. — O
    cavaleiro acenou para os fazendeiros do portão. — O intendente de sua
    senhoria vai ficar feliz em ter esses ovos. Vocês irão encontrá-lo no
    mercado.
    O velho homem franziu o cenho.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:51 pm

    — Meus agradecimentos, meu lorde. O senhor é um verdadeiro
    cavaleiro, isso é fácil de se ver. Venha, esposa. — Eles colocaram os seus
    ombros na carroça novamente e de deslocaram para o portão fazendo
    barulho.
    Brienne trotou depois deles, com Podrick em seus calcanhares. Um
    verdadeiro cavaleiro, ela pensou, franzindo o rosto. Dentro da cidade ela
    tirou o arreio. As ruínas de um estábulo podiam ser vistas à sua esquerda, de
    frente para um beco lamacento. Do outro lado, havia três prostitutas
    seminuas no balcão de um bordel, cochichando umas com as outras. Uma
    parecia um pouco com uma seguidora do acampamento que uma vez veio a
    Brienne para perguntar se ela tinha uma boceta ou um pinto dentro do seu
    calção.
    — Aquele cavalo deve ser o mais terrível que já vi — disse Sor Hyle
    da montaria de Podrick. — Eu estou surpreso que você não o esteja
    montando, minha senhora. Você planeja me agradecer pela minha ajuda?
    Brienne desmontou de sua égua. Ela ficou uma cabeça mais alta que
    Sor Hyle. — Um dia eu vou agradecê-lo em uma luta, Sor.
    — Da maneira que você agradeceu a Ronnet, o Vermelho? — Hunt
    riu. Ele tinha uma risada cheia, rica, mas sua face era clara. Um rosto
    honesto, ela pensou uma vez, antes de conhecê-lo melhor. Cabelo castanho
    desgrenhado, olhos castanhos, uma cicatriz perto de sua orelha esquerda. Seu
    queixo tinha uma fenda e seu nariz era torto, mas ele ria muito bem, e
    frequentemente.
    — O senhor não deveria estar vigiando o seu portão?
    — Ele fez uma careta para ela.
    — Meu primo Alyn está lá fora caçando foras da lei. Sem dúvida ele
    irá voltar com a cabeça do Cão de Caça, regozijando e coberto de glória.
    Enquanto isso, eu estou condenado a guardar este portão, graças a você. Eu
    espero que você esteja satisfeita, minha bela. O que é que você está
    procurando?
    — Um estábulo.
    — Perto do portão leste. Está queimado.
    Eu posso ver.
    — O que você disse para aqueles homens... eu estava com o Rei
    Renly quando ele morreu, mas foi algum feiticeiro que o assassinou, sor. Eu
    dou a minha palavra. — Ela colocou a sua mão sobre o cabo da espada,
    pronta para lutar se Hunt a chamasse de mentirosa na sua cara.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:51 pm

    — Sim, e foi o Cavaleiro das Flores quem retalhou a Guarda Arcoíris.
    Em um dia santo você poderia ter sido capaz de derrotar Sor Emmon.
    Ele era um lutador imprudente e se cansava facilmente. Royce, então? Não.
    Sor Robar era duas vezes o espadachim que você é… embora você não seja
    um espadachim, você é? Existe a palavra para uma meretriz da espada? O
    que a traz a donzela a Lagoa da Donzela, eu imagino?
    Procurando por minha irmã, uma donzela de treze anos, ela quase
    disse, mas Sor Hyle saberia que ela não tinha irmãs.
    — Procuro um homem, em um lugar chamado Ganso fedorento.
    — Eu pensava que Brienne a Bela não tivesse uso para homens. —
    Houve um requinte de crueldade em seu sorriso. — O Ganso Fedorento. Um
    nome adequado para aquela… parte fedorenta, pelo menos. É perto do porto.
    Mas primeiro você vem comigo para ver sua senhoria.
    Brienne não tinha medo de Sor Hyle, mas ele era um dos capitães de
    Randyll Tarly. Um assobio, e uma centena de homens viriam correndo para
    defendê-lo.
    — Eu serei presa?
    — O que, por Renly? Quem era ele? Nós trocamos de reis desde
    então, alguns de nós duas vezes. Ninguém se importa, ninguém se lembra.
    — Ele pousou a mão levemente sobre o ombro dela. — Por aqui, se me
    acompanhar.
    Ela se afastou.
    — Eu agradeceria se não me tocasse.
    — Enfim agradecimentos — ele disse, com um sorriso torto.
    Na última vez em que ela esteve em Lagoa da Donzela, a cidade
    estava desolada, um lugar cruel com ruas vazias e casas queimadas. Agora as
    ruas estavam repletas de porcos e crianças, e a maioria dos prédios
    queimados tinham sido demolidos. Vegetais foram plantados nos lotes onde
    uma vez estiveram. Barracas de comerciantes e pavilhões de cavaleiros
    tomaram o lugar de outros. Brienne viu novas casas sendo construídas, uma
    pousada de pedra sendo erguida onde uma de madeira foi queimada, um
    novo teto de ardósia no septo da cidade. O ar gelado de outono tocou ao som
    de uma serra e um martelo. Homens carregavam madeira através das ruas, e
    pedreiros levavam seus carros para as ruas enlameadas. Muitos usavam o
    caçador caminhando em seu peito.
    — Os soldados estão reconstruindo a cidade — ela disse surpresa.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:51 pm

    — Eles em breve devem estar jogando, bebendo e fodendo, eu não
    duvido, mas Lorde Randyll acredita em colocar os homens indolentes para
    trabalhar.
    Ela esperava ser levada ao castelo. Ao invés, Hunt os guiou para o
    porto movimentado. Os comerciantes voltaram para Lagoa da Donzela, ela
    estava satisfeita em ver. A galera, uma galé, e um grande barco pesqueiro
    com dois mastros estavam no porto, juntamente com um grupo de pequenos
    barcos de pesca. Mais pescadores eram visíveis fora na baía. Se o Ganso
    Fedorento não render nada, eu vou pegar uma passagem em um navio, ela
    decidiu. Vila Gaivota estava apenas a uma curta viagem de distância. De lá
    ela poderia tomar o seu caminho para o Ninho da Águia facilmente.
    Eles encontraram Lorde Tarly no mercado de peixe, fazendo justiça.
    Uma plataforma havia sido colocada no alto ao lado da água, de
    onde seu senhorio poderia olhar de cima os homens acusados de crimes. A
    sua esquerda estava uma longa forca, com cordas suficientes para vinte
    homens. Quatros defuntos estavam pendurados nela. Um parecia fresco, mas
    os outros claramente estavam lá já há algum tempo. Um corvo estava
    puxando tiras de carne das ruínas maduras de um homem morto. Os outros
    corvos estavam dispersos, desconfiados com a multidão de moradores que se
    reuniam na esperança de que alguém fosse enforcado.
    Lorde Randyll dividia a plataforma com Lorde Mooton, um homem
    pálido, agradável, e carnudo em um gibão branco e calças vermelhas, sua
    capa de arminho pendurada no ombro por um broche de ouro vermelho na
    forma de um salmão. Tarly vestia cota de malha e couro cozido, e uma
    couraça de aço cinzento. O punho de uma espada larga estava em cima de
    seu ombro esquerdo. Veneno de Coração, era o nome, o orgulho de sua
    Casa.
    Um rapaz em uma capa singela e um gibão sujo estava sendo ouvido
    quando eles chegaram.
    — Eu nunca machuquei ninguém, meu lorde, — Brienne o ouviu
    dizer. — Eu só tomei o que os septões deixaram quando partiram. Se o
    senhor quer cortar os meus dedos por isso, faça-o.
    — É costumeiro tirar um dedo de ladrões — Lorde Tarly replicou
    em um tom duro. — Mas um homem que rouba de um septo está roubando
    de deus. — Ele se virou para o chefe da guarda. — Sete dedos. Deixe os seus
    polegares.
    — Sete? — O ladrão empalideceu. Quando os guardas o seguraram,
    ele tentou lutar, mas debilmente, como se ele já estivesse mutilado.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:51 pm

    Assistindo a cena, Brienne não pode deixar de pensar em Sor Jaime, e da
    maneira com que ele gritou quando o arakh de Zollo veio cintilando em sua
    direção.
    O próximo homem era um padeiro, acusado de misturar serragem
    com farinha; Lorde Randyll o multou em cinquenta veados de prata. Quando
    o padeiro jurou que não tinha toda aquela prata, o senhorio declarou que ele
    poderia levar uma chicotada para cada veado de prata faltante. Ele foi
    seguido por uma prostituta desfigurada de cara cinzenta, acusada de passar
    sífilis para quatro dos soldados de Tarly.
    — Lavem as partes íntimas dela com lixívia e joguem-na na
    masmorra. — Tarly mandou. Enquanto a prostituta era arrastada soluçando,
    sua senhoria viu Brienne na beira da multidão, em pé entre Podrick e Sor
    Hyle. Ele fez uma careta pra ela, mas os seus olhos o traíram não mostrando
    nem um lampejo de reconhecimento.
    Um marinheiro de uma galé veio em seguida. Seu acusador era um
    arqueiro da guarnição de Lorde Mooton, com uma mão enfaixada e um
    salmão no peito. — Se o senhor me permite, meu lorde, este bastardo
    colocou sua adaga em minha mão. Ele disse que eu estava roubando nos
    dados.
    Lorde Tarly levou seu olhar para longe de Brienne a observar os
    homens à frente dele.
    — E você estava?
    — Não, meu lorde. Eu nunca.
    — Por roubar, eu vou tirar-lhe um dedo. Por mentir para mim eu vou
    enforcá-lo. Posso ver esses dados?
    — O dado? — O arqueiro olhou para Mooton, mas seu senhorio
    estava olhando os barcos de pesca. O arqueiro engoliu em seco. — Talvez
    seja que... esses dados, eles me trazem sorte, é verdade, mas...
    Tarly tinha ouvido o suficiente.
    — Tirem o seu dedo mindinho. Ele pode escolher de qual mão. Um
    prego através da palma para o outro. — Ele parou. — Terminamos. Marche
    o resto deles de volta à masmorra, eu vou lidar com eles amanhã. — Ele se
    virou para acenar para Sor Hyle à frente. Brienne o seguiu.
    — Meu lorde, — ela disse, quando estava a frente dele. Ela se sentiu
    com oito anos novamente.
    — Minha donzela. A que devo esta... honra?
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:51 pm

    — Eu fui enviada para procurar por... por... — ela hesitou.
    — Como você vai encontrá-lo se você não sabe o nome dele. Você
    matou Lorde Renly?
    — Não.
    Tarly pesava as palavras. Ele está me julgando, como ele julgou aos
    outros.
    — Não — ele disse por fim — Você só deixou que ele morresse.
    Ele havia morrido nos braços dela, o sangue dele a umedecendo.
    Brienne se encolheu.
    — Foi feitiçaria. Eu nunca...
    — Você nunca? — Sua voz tornou-se um chicote. — Sim. Você
    nunca deveria ter vestido armadura, nem afivelado uma espada. Você nunca
    deveria ter deixado a casa de seu pai. Isso é uma guerra, não o baile da
    colheita. Por todos os deuses, eu devo embarcá-la de volta para Tarth.
    — Faça isso e responda ao trono. — Sua voz soava alta e feminina,
    quando ela queria mostrar que não tinha medo. — Podrick. Em minha bolsa
    você encontrará um pergaminho. Traga-o para este senhor.
    Tarly pegou a carta e a desenrolou, franzindo as sobrancelhas. Seus
    lábios se moviam enquanto ele lia.
    — Os negócios do reis. Que tipo de negócios?
    Minta pra mim e eu vou enforcá-lo.
    — Sansa Stark.
    — Se a garota Stark estivesse aqui, eu saberia. Ela seguiu de volta
    para o norte, eu apostaria. Esperando encontrar refúgio com um dos homens
    da bandeira de seu pai. Ela tinha grandes esperanças se encontrar o aliado
    certo.
    — Ao invés disso, ela deve ter ido ao vale — Brienne se ouviu
    deixar escapar. — Para a irmã de sua mãe. — Lorde Randyll deu a ela um
    olhar insolente. — A Senhora Lysa está morta. Algum cantor a empurrou
    montanha abaixo. Mindinho dirige o Ninho da Águia agora... mas não por
    muito tempo. Os lordes do Vale não são do tipo que dobram os seus joelhos
    para patetas cuja única habilidade é contar cobres. — Ele devolveu a carta a
    ela. — Vá onde quiser e faça como achar melhor... mas quando você for
    estuprada não me procure para justiça. Você terá o que conseguiu com sua
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:51 pm

    tolice. — Ele lançou um olhar para Sor Hyle. — E você, Sor, deveria estar
    no seu portão. Eu te dei o comando, não dei?
    — O senhor comandou, meu lorde — disse Hyle Hunt. — Mas eu
    pensei...
    — Você pensa muito. — Lorde Tarly afastou-se.
    Lysa Tully está morta. Brienne ficou embaixo da forca, o precioso
    pergaminho em sua mão. A multidão havia se dispersado, e os corvos
    haviam voltado para reiniciar o seu banquete. Um cantor a empurrou
    montanha abaixo. Teriam os corvos jantado a irmã da Senhora Catelyn
    também?
    — A senhorita falou do Ganso Fedorento, minha donzela — disse
    Sor Hyle. — Se a senhorita quiser que eu lhe mostre...
    — Volte para o seu portão.
    Um olhar de aborrecimento passou pelo seu rosto. Um rosto claro,
    mas não honesto.
    — Se é o seu desejo.
    — É sim.
    — Foi apenas um jogo para passar o tempo. Não pretendíamos
    machucar... — Ele hesitou. — Ben morreu, você sabe. Redução em Água
    Negra. Farrow também, e Will, o Cegonha . E Mark Mullendore teve um
    ferimento que lhe custou metade do braço.
    Bom, Brienne quis dizer. Bom, ele mereceu. Mas ela se lembrou de
    Mullendore sentado do lado de fora de seu pavilhão com seu macaco no
    ombro em uma pequena cota de malha, os dois fazendo caretas um para o
    outro. De que foi que Catelyn Stark os tinha chamado, naquela noite em
    Ponteamarga? Os cavaleiros do verão. E agora é inverno e eles estão
    caindo como folhas… ela virou de costas para Hyle Hunt. — Podrick venha.
    O garoto trotou depois dela, levando seus cavalos.
    — Estamos indo encontrar o lugar? O Ganso Fedorento?
    — Eu vou. Você está indo para os estábulos, perto do portão leste.
    Pergunte ao cavalariço se há uma pousada onde podemos passar a noite.
    — Eu vou, Sor. Minha senhora. — Podrick olhou para o chão
    enquanto eles caminhavam, chutando pedras de tempos em tempos. — Você
    sabe onde é? O Ganso? O Ganso Fedorento, eu quero dizer.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:52 pm

    — Não.
    — Ele disse que nos mostraria. Aquele cavaleiro. Sor Kyle.
    — Hyle.
    — Hyle. O que ele faz a você, sor? Quero dizer, minha donzela.
    O garoto pode ser um gaguinho, mas não é idiota.
    — Em Jardim de Cima, quando o Rei Renly chamou seus aliados,
    alguns homens fizeram uma brincadeira comigo. Sor Hyle foi um deles. Era
    uma brincadeira cruel, dolorosa e descortês. — Ela parou. — O portão leste
    é naquela direção. Espero por mim lá.
    — Como você diz, minha senhora. Sor.
    Nenhuma placa marcava o Ganso Fedorento. Ela levou quase uma
    hora para encontrá-lo, debaixo de um lance de degraus de madeira abaixo de
    um abate de cavalos. O lugar era escuro e o teto era baixo, e Brienne bateu a
    sua cabeça em uma viga quando entrou. Não havia nenhum ganso em
    evidência. Algumas fezes estavam espalhadas, e um banco tinha sido
    empurrado para cima contra uma parede de barro. As mesas eram barris
    velhos de vinho, cinza e esburacados. O fedor prometido permeava tudo. A
    maior parte era vinho, umidade e mofo, o seu nariz lhe disse, mas havia
    também um pouco de excrementos, e alguma coisa de morte também.
    Os únicos beberrões eram três marinheiros de Tyroshi em um canto.
    Rosnando um para o outro através de suas barbas verdes e roxas. Ele a
    inspecionaram brevemente, e um deles disse alguma coisa que fez os outros
    rirem. A proprietária estava atrás de uma prancha que havia sido colocada
    atrás de dois barris. Ela era uma mulher redonda, pálida e careca, com seios
    grandes e macios balançando debaixo de uma blusa suja. Parecia que os
    deuses a tinham feito de massa crua. Brienne não se atreveu a pedir água
    aqui. Ela comprou uma taça de vinho e disse:
    — Eu estou procurando por um homem chamado Dick, o Ágil.
    — Dick Crabb. Vêm quase todas as noites. — A mulher olhou a
    armadura de Brienne e sua espada. — Se você vai cortá-lo, faça isso em
    outro lugar. Nós não queremos problemas com Lorde Tarly.
    — Eu quero conversar com ele. Por que eu iria machucá-lo?
    E mulher deu de ombros.
    — Se você sinalizasse com a cabeça quando ele entrar, eu seria
    grata.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:52 pm

    — Quão grata?
    Brienne colocou uma estrela de cobre na prancha entre elas e
    encontrou um lugar nas sombras com uma boa vista dos degraus.
    Ela provou o vinho. Estava oleoso na língua e havia um cabelo
    boiando nele. Um cabelo tão fino como a minha esperança de encontrar
    Sansa, ela pensou enquanto o tirava. Perseguir Sor Dontos foi infrutífero, e
    agora com a Senhora Lysa morta o vale não mais parece um provável
    refúgio. Onde está você, Senhora Sansa? Você correu para casa em
    Winterfell, ou você está com seu marido, como Podrick parece pensar?
    Brienne não queria perseguir a garota através do mar estreito, onde até a
    linguagem seria estranha para ela. Eu serei ainda mais estranha lá,
    grunhindo e gesticulando para me fazer entender. Eles irão rir de mim,
    como riram em Jardim de Cima. Um calor tomou as suas bochechas
    enquanto ela lembrava.
    Quando Renly vestiu sua coroa, a Donzela de Tarth havia se
    escondido por todo o caminho através da Campina para se juntar a ele. O
    próprio rei a havia cumprimentado com cortesia e dado às boas-vindas a ela
    em seu serviço. Não foi assim com seus lordes e cavaleiros. Brienne não
    esperava uma recepção calorosa. Ela estava preparada para frieza, para
    gozações, para hostilidade. Desse prato ela já havia provado. Não era o
    desprezo de tantos homens que a deixou vulnerável e confusa, mas a doçura
    de alguns.
    A Donzela de Tarth havia sido traída três vezes, mas ela nunca havia
    sido cortejada até vir para Jardim de Cima.
    O grande Ben Bushy foi o primeiro, um dos poucos homens no
    acampamento de Renly que a superava em altura. Ele mandou seu escudeiro
    para limpar a armadura dela, e fez para ela um chifre para beber de prata.
    Sor Edmund Ambrose o superou, trazendo flores e a convidando
    para cavalgar com ele. Sor Hyle Hunt superou aos dois. Ele deu a ela um
    livro, lindamente iluminado e recheado com uma centena de contos de
    cavaleiros de valor. Ele trouxe cenouras e maçãs para os seus cavalos, e uma
    pluma azul de seda para o elmo dela. Ele disse a ela as fofocas do
    acampamento e disse coisas inteligentes, mordazes, que a fizeram sorrir. Ele
    até treinou com ela um dia, o que significou mais que todo o resto.
    Ela pensou que fosse por causa dele que os outros começaram a ser
    corteses. Mais do que corteses. Na mesa, homens brigavam para sentar-se ao
    lado dela, se oferecendo para encher a sua caneca de vinho ou buscar para
    ela pães doces. Sor Richard Farrow tocou músicas de amor em seu alaúde do
    lado de fora do pavilhão dela.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:52 pm

    Sor Hugh Beesbury trouxe para ela um pote de mel ‘tão doce quanto
    as Donzelas de Tarth.’ Sor Mark Mullendore a fez rir com as esquisitices de
    seu macaco, uma criatura preta e branca, pequena e curiosa das Ilhas do
    Verão. Um cavaleiro da barreira chamado Will, o Cegonha se ofereceu para
    esfregar os nós de seus ombros.
    Brienne o recusou. Ela recusou todos eles. Quando Sor Owen
    Inchfield a segurou numa noite e pressionou um beijo sobre ela, ela o
    empurrou com a bunda em uma fogueira. Mais tarde ela olhou para si
    mesma em um vidro. Seu rosto estava tão amplo e com dentes de coelho e
    sardento como sempre, lábios grandes, queixo largo, tão feia. Tudo o que ela
    queria era ser um cavaleiro e servir ao Rei Renly, até agora...
    Não era como se ela fosse a única mulher lá. Mesmo as seguidoras
    do acampamento eram mais belas que ela, e lá em cima no castelo de Lorde
    Tyrell, Rei Renly festejava toda noite, enquanto donzelas bem-nascidas e
    damas adoráveis dançavam ao som da gaita de fole, da buzina e da harpa.
    Por que você está sendo gentil comigo? Ela queria gritar, toda vez que um
    cavaleiro estranho lhe cumprimentava. O que você quer?
    Randyll Tarly resolveu o mistério o dia em que enviou dois de seus
    homens de armas para chamá-la em seu pavilhão. O seu filho mais novo,
    Dickson, tinha ouvido quatro cavaleiros rindo enquanto selavam os seus
    cavalos, e contou ao seu pai o que eles disseram.
    Eles tinham uma aposta.
    Três dos cavaleiros mais jovens tinham começado, ele disse a ela:
    Ambrose, Bushy, e Hyle Hunt, de sua própria casa. À medida que a notícia
    se espalhou pelo acampamento, outros entraram no jogo. Cada homem
    precisava entrar com um dragão de ouro, a quantia total iria a quem
    conseguisse tirar a sua virgindade.
    — Eu preciso dar um fim nesse esporte — Tarly a disse. — Alguns
    desses... jogadores... são menos honoráveis que outros, e o bolo está
    crescendo cada vez mais. É só uma questão de tempo antes que algum deles
    decida tomar o prêmio a força.
    — Eles eram cavaleiros — ela disse atordoada. — Cavaleiros
    ungidos.
    — E homens honoráveis. A culpa é sua.
    A acusação à fez recuar.
    — Eu nunca... meu lorde, eu não fiz nada para encorajá-los.
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    O Festim dos Corvos - Página 9 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:52 pm

    — Você estar aqui os encorajou. Se uma mulher comporta como
    uma seguidora do acampamento, ela não pode opor-se a ser tratada como
    uma. Uma batalha de guerra não é lugar para uma donzela. Se você tem
    alguma consideração por sua virtude ou pela honra de sua Casa, você vai
    tirar esta armadura, voltar para casa, e pedir ao seu pai para encontrar um
    marido para você.
    — Eu vim para lutar — ela insistiu. — Ser um cavaleiro.
    — Os deuses fizeram os homens para lutar, e as mulheres para criar
    as crianças, — disse Randyll Tarly. — A guerra de uma mulher está na cama
    do parto.
    Alguém estava descendo os degraus da adega. Brienne colocou seu
    vinho de lado enquanto um homem maltrapilho, magro, com cara de
    trapaceiro com cabelos castanhos e sujos entrou no Ganso. Ele deu uma
    olhadela para os marinheiros de Tyroshi e uma olhada mais longa para
    Brienne, e então foi até a prancha.
    — Vinho — ele disse. — e nada de mijo do seu cavalo nesse,
    obrigado.
    A mulher olhou para Brienne e acenou com a cabeça.
    — Eu vou pagar o seu vinho — ela disse — por umas palavras.
    O homem olhou melhor, seus olhos cautelosos.
    — Umas palavras? Eu sei muitas delas. — Ele se sentou do outro
    lado do tambor de frente para ela. — Diga-me o que minha senhora quer
    ouvir, e Dick, o Ágil vai dizer.
    — Eu ouvi que você enganou um bobo.
    O homem esfarrapado tomou um gole de vinho, pensando.
    — Talvez eu tenha. Ou não. — Ele usava um gibão desbotado e
    rasgado, de onde o distintivo de algum lorde havia sido arrancado. — Quem
    quer saber?
    — Rei Robert. — Ela colocou um veado de prata entre eles. A
    cabeça de Robert estava de um lado, o veado do outro.
    — Ele agora? — O homem pegou a moeda e a girou, sorrindo. —
    Eu gosto de ver um rei dançar, hey-nonny hey-nonny hey-nonny-ho. Talvez
    eu tenha visto o seu bobo.
    — Havia uma garota com ele?
    — Duas garotas — ele disse de uma vez.
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    O Festim dos Corvos - Página 9 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:53 pm

    — Duas garotas? — Poderia a outra ser Arya?
    — Bem — o homem disse. — Eu nunca vi as duas doçuras, note
    você, mas ele queria passagens para três.
    — Passagens para onde?
    — Pro outro lado do oceano, se bem me lembro.
    — Você se lembra qual era a sua aparência?
    — De um bobo. — Ele pegou a moeda girando em cima da mesa
    quando ela começou a ficar mais lenta, e a fez desaparecer. — Um bobo
    assustado.
    — Assustado por quê?
    Ele deu de ombros.
    — Ele nunca disse, mas o velho Dick, o Ágil conhece o cheiro do
    medo. Ele vinha aqui quase todas as noites, comprando bebidas para
    marinheiros, fazendo gracejos, cantando pequenas canções. Em uma noite
    alguns homens chegaram com aqueles caçadores em suas tetas, e seu bobo
    ficou branco como leite e ficou quieto até que eles saíram... — Ele ficou
    mais perto do banco dela. —Aquele Tarly colocou soldados rastejando sobre
    as docas, vendo todos os navios que chegam ou partem. O homem quer um
    veado, ele vai até a floresta. Se ele quer um barco, ele vai às docas. Seu bobo
    não se atreveu. Então eu ofereci ajuda a ele.
    — Que tipo de ajuda?
    — O tipo que custa mais que um veado de prata.
    — Diga-me, e você terá outro.
    — Vamos ver — ele disse. Ela colocou outro veado no barril. Ele a
    girou, sorriu e a jogou pra cima. — Um homem que não pode pegar os
    navios precisam que os navios venham até ele. Eu disse a ele que conhecia
    um lugar onde isso pudesse acontecer. Um local escondido, por exemplo.
    Uma picada de ganso subiu pelos braços de Brienne.
    — Uma enseada de contrabandistas. Você enviou o bobo para
    contrabandistas.
    — Ele e suas duas garotas. — Ele riu. — A única coisa, bem, o local
    que eu os enviei, não há navios lá há algum tempo. Trinta anos, eu diria. —
    Ele coçou seu nariz. — O que esse bobo é para você?
    — As duas garotas são minhas irmãs.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:53 pm

    — Elas são agora? Coitadas das coisinhas. Eu tive uma irmã uma
    vez. Uma garota magrela com joelhos saltados, mas então cresceu nela um
    par de tetas e o filho de um cavaleiro ficou entre suas pernas. A última vez
    que a vi ela estava fora de Porto Real para fazer uma vida por ela mesma.
    — Onde você os enviou?
    Ele encolheu os ombros de novo.
    — Ah, isso, não consigo me lembrar.
    — Onde? — Brienne bateu com a mão aberta outro veado de prata.
    Ele jogou a moeda de volta para ela com o dedo indicador.
    — Algum lugar onde não se encontra o veado... um dragão talvez.
    Prata não tiraria a verdade dele, ela sentiu. Ouro talvez, mas talvez
    não. O aço daria mais certo. Brienne tocou a sua adaga, mas então pegou a
    sua bolsa. Ela encontrou um dragão de ouro e colocou sobre o barril.
    — Onde?
    O homem esfarrapado pegou a moeda e a mordeu. — Doçura. Me
    vem a mente a Ponta da Garra Rachada. Ao norte daqui, há uma terra
    selvagem com colinas e pântanos, mas acontece que eu nasci e fui criado lá.
    Dick Crabb, é meu nome, embora muitos me chamem de Dick, o Ágil.”
    Ela não ofereceu seu próprio nome.
    — Onde no na Ponta da Garra Rachada?”
    — Os Sussurradores. Você já ouviu falar em Crabb, com certeza.
    — Não.
    Isso pareceu surpreendê-lo.
    — Sor Clarence Crabb, eu disse. Eu tenho o sangue dele em mim.
    Ele tinha oito pés de altura, e tão forte que podia desenraizar pinheiro com
    uma mão e atirar a meia milha de distância. Nenhum cavalo podia aguentar o
    seu peso, então ele montava um auroque.
    — O que ele tem a ver com a cova dos contrabandistas?
    — Sua mulher era uma feiticeira dos bosques. Toda vez que Sor
    Clarence matava um homem, ele levava a sua cabeça de volta para casa e sua
    mulher beijava os lábios e os trazia de volta à vida. Eles eram lordes, e
    magos, e cavaleiros famosos e piratas. Um deles era Rei de Valdocaso. Eles
    deram ao velho bons conselhos. Sendo eles apenas cabeças, eles não podiam
    falar muito alto, mas também nunca se calavam. Quando você é uma cabeça,
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:53 pm

    falar é tudo o que você tem para passar o dia. Então, os que o Crabb manteve
    ficaram conhecidos como os Sussurradores. Ainda é, apesar de ter sido uma
    ruína por mil anos. Um local solitário, os Sussurradores. — O homem
    deslizou a moeda habilmente entre seus dedos. — Um dragão por ele mesmo
    se sente sozinho. Agora, dez...
    — Dez dragões são uma fortuna. Você está me tomando como um
    bobo?
    — Mas, mas eu posso levá-la para um. — A moeda dançou para um
    lado, e voltou pelo outro. — Levar você aos Sussurradores, minha senhora.
    Brienne não gostou da maneira como os dedos dele brincavam com a
    moeda. Ainda…
    — Seis dragões se encontrarmos minha irmã. Dois se encontrarmos
    apenas o bobo. Nada se nada encontrarmos.
    Crabb deu de ombros. — Seis é bom. Seis vão servir.
    Muito rápido. Ela segurou o pulso dele antes que ele pudesse
    guardar o ouro. — — Não me venha com falsidades. Você não vai
    me achar fácil de lidar.”
    Quando ela soltou, Crabb esfregou seu pulso.
    — Maldita — ele murmurou. — Você machucou minha mão.
    — Eu sinto muito por isso. Minha irmã é uma garota de treze anos.
    Preciso encontrá-la antes...
    —... Antes que algum cavaleiro entre na fenda dela. Sim, eu entendo
    você. Ela está tão bem a salvo. Dick, o Ágil, está com você agora. Encontreme
    perto do portão leste na primeira luz do dia. Eu tenho que buscar um
    cavalo.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:53 pm

    Samwell 262


    Samwell Tarly sempre acabava enjoado em viagens marítimas.
    Não era por medo de se afogar, se bem que, sem dúvida
    tinha algo a ver. O problema era o movimento do barco, e a
    maneira como o convés parecia se mexer sob os seus pés.
    — As minhas tripas estão se revolvendo — confessou a Dareon no
    dia em que zarparam de Atalaialeste do Mar.
    O cantor lhe deu uma palmada nas costas e começou a rir.
    - Com o tamanho da barriga que você tem... é capaz de começar uma
    revolução, Matador.
    Sam tentou bancar o valente, ainda que fosse somente por Goiva. Ela
    nunca vira o mar antes. Na penosa travessia pela neve, depois de fugir da
    casa de Craster, haviam passado por vários lagos, e mesmo eles pareciam
    impressionantes para ela. Quando o Pássaro Negro se afastou da margem, a
    jovem começou a tremer, e grandes lágrimas salgadas lhe correram pelas
    bochechas.
    — Que os deuses tenham piedade de nós. — A ouviu sussurrar Sam.
    Atalaialeste do Mar foi o que primeiro perderam de vista, e a
    Muralha foi fazendo-se cada vez menor até que, por fim, também
    desapareceu. O vento soprava com força. As velas eram de lona negra, mas
    já estavam cinza por terem sido lavadas demasiadamente, e Goiva tinha a
    cara branca de medo.
    — Estamos em um bom barco — tratou de dizer Sam. — Não há por
    que ter medo.
    No entanto, a garota se limitou a encará-lo, abraçou o bebê com mais
    energia e saiu correndo até as cabines.
    Sam se agarrou com força à borda e contemplou o movimento dos
    remos. Era agradável admirar seu ritmo uniforme; desde logo, muito melhor
    que mirar a água. Bastava fitar a água e lhe vinha à mente o terror de se
    afogar. Quando era pequeno, seu pai havia tentado lhe ensinar a nadar, e
    para isso o atirou na lagoa que ficava no pé da Monte Chifre. A água havia
    entrado no seu nariz, na boca e nos pulmões, e ainda estava tossindo horas
    depois que Sor Hyle o tirou de lá. Nunca mais se atreveu a meter-se em
    algum lugar em que a água passasse de sua cintura.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:54 pm

    A Baía das Focas era muito mais profunda, chegava muito mais do
    que só à cintura, e as águas eram muito mais agitadas do que as do pequeno
    lago de peixes no castelo de seu pai. As águas eram verde-acinzentadas,
    turbulentas, e a margem bastante arborizada, eles navegavam em uma
    confusão de rochas e redemoinhos. Mesmo que conseguisse chegar até ali
    chutando e batendo as mãos, as ondas o arremessariam contra uma rocha e
    quebrariam a sua cabeça.
    — Que foi Matador, procurando sereias? — lhe perguntou Dareon
    ao vê-lo contemplar a baía.
    Com os cabelos loiros e os olhos cor de avelã, o jovem e belo cantor
    de Atalaialeste do Mar parecia mais um príncipe que um irmão negro.
    — Não.
    Sam não sabia o que buscava, nem o que fazia naquele barco.
    Vou à Cidadela forjar para mim um colar e tornar-me meistre, e
    assim servir melhor à Patrulha, tentou se convencer, mas a simples ideia lhe
    resultava exaustiva. Não queria se transformar em meistre, nem levar um
    pesado colar em torno do pescoço, tão frio contra a pele. Não queria se
    distanciar de seus irmãos, os únicos amigos que havia tido em toda sua vida.
    E, com certeza, não queria enfrentar o pai que o havia enviado à Muralha
    para morrer.
    Para os demais era diferente. Para eles, a viagem teria um final feliz.
    Goiva estaria a salvo em Monte Chifre, separada por toda a extensão de
    Westeros dos horrores que havia conhecido na Floresta Assombrada. Como
    criada no castelo do pai de Sam, teria proteção e comida, e uma pequena
    parte de um mundo com o qual ela jamais pôde sonhar como esposa de
    Craster. Veria o seu filho crescer até se tornar um homem robusto; seria
    caçador, ajudante ou ferreiro. Se mostrasse alguma aptidão para armas,
    talvez algum cavaleiro o tomasse como escudeiro.
    Meistre Aemon também ia a um lugar melhor. Era bom pensar que
    ele passaria o que lhe restava de vida acariciado pelas brisas cálidas de
    Vilavelha, conversando com seus camaradas meistres e compartilhando sua
    sabedoria com noviços e acólitos. Ele merecia cem vezes esse descanso.
    Até Dareon seria mais feliz. Sempre havia dito que era inocente da
    violação pela qual o enviaram à Muralha; insistia que o seu lugar estava na
    corte de algum senhor, cantando em troca de seu jantar. Ia ter essa
    oportunidade. Jon o havia nomeado recrutador para ocupar o lugar de um tal
    de Yoren, que havia desaparecido e que se dava por morto. Sua missão
    consistiria em percorrer os Sete Reinos cantando as façanhas da Patrulha da
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:54 pm

    Noite, e somente de quando em quando teria que voltar a Muralha com seus
    novos recrutas.
    Sim, a viagem seria dura e demorada, isso era inegável, mas para
    todos os demais, ao menos teria um final feliz. Esse era o consolo de Sam.
    Faço por eles, disse a si mesmo, pela Patrulha da Noite e pelo final
    feliz. Mas quanto mais olhava para o mar, mais frio e profundo ele lhe
    parecia.
    O ruim era que não olhar para as águas era ainda pior, como
    compreendeu no abarrotado camarote que dividiam os passageiros embaixo
    do castelo de popa. Tratou de não pensar no frio que lhe dava no estômago, e
    para isso se dedicou a falar com Goiva, que estava dando seu peito para seu
    filho.
    — Este barco nos levará para Bravos — lhe disse. — Lá buscaremos
    outro que nos leve a Vilavelha. Quando era pequeno eu li um livro sobre
    Bravos. A cidade inteira está construída numa enseada, em mais de cem
    ilhas, e ali há um titã, um homem de pedra que mede dezenas de metros de
    altura. Não viajam com cavalos, mas sim com botes, e seus bobos
    representam histórias que estão escritas, em vez de inventarem farsas
    estúpidas, como fazem em outros lugares. A comida é muito boa, sobretudo
    os peixes. Eles têm todos os tipos de mariscos, enguias e ostras frescos. Com
    certeza demoraremos alguns dias antes de pegarmos o outro barco. Se for
    assim, podemos ver um espetáculo de bobos, e comer ostras.
    Havia pensado que a ideia animaria Goiva, mas estava muito
    equivocado. A garota ficou encarando-o com olhos apagados, melancólicos,
    entre mechas do cabelo sujo.
    — Como queira, meu senhor.
    — O que você quer? — lhe perguntou Sam.
    — Nada.
    Virou-se e passou seu filho de um peito a outro.
    O movimento do barco estava revolvendo os ovos com bacon e pão
    frito que havia comido antes de zarpar. De repente sentiu que já não
    suportava nem um instante mais no camarote. Pôs-se em pé e subiu pela
    escadinha para despejar o desjejum no mar. As náuseas o haviam assaltado
    de maneira tão repentina que não parou para calcular para qual direção
    soprava o vento, de modo que vomitou pela borda incorreta e terminou todo
    salpicado. Ainda assim, depois se sentiu melhor... Se bem que não durou
    muito tempo.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:54 pm

    O navio era o Pássaro Negro, a maior das galeras da Patrulha. A
    Corvo da Tormenta e a Garra eram mais rápidas, como havia dito Cotter
    Pyke ao meistre Aemon em Atalaialeste do Mar, mas eram navios de
    combate, esbeltas, aves de rapina muito velozes nas quais os remadores iam
    na coberta superior. O Pássaro Negro era melhor para as águas agitadas do
    mar passando por Skagos.
    — Tivemos tormentas — avisou Pyke. — As de inverno são as
    piores, mas as de outono são mais frequentes.
    Os dez primeiros dias haviam sido bastante tranquilos; o Pássaro
    Negro cruzou a Baía das Focas, sem perder de vista a terra em nenhum
    momento. Quando soprava o vento fazia frio, mas de alguma forma o cheiro
    salgado do ar era revigorante. Sam quase não podia comer, e quando
    conseguia engolir algo não retinha por muito tempo, mas apesar disso, não
    estava indo tão mal. Tentou inspirar confiança a Goiva e animá-la um pouco,
    mas acabou sendo muito difícil. Não conseguiu convencê-la a subir ao
    convés; preferia ficar embaixo, na escuridão, agarrada com seu filho. Pelo
    visto o bebê gostava do barco não mais que a sua mãe: quando não estava
    berrando, estava vomitando leite materno. Tinha a tripa solta, manchava
    constantemente as peles nas quais Goiva o envolvia para lhe dar calor e
    impregnava o ambiente com um fedor de esterco. Apesar das muitas velas de
    sebo que Sam acendia o cheiro de merda não se dissipava.
    Sempre ficava melhor do lado de fora, ao ar livre, sobretudo quando
    Dareon cantava. Os remadores do Pássaro Negro conheciam o cantor, que
    tocava para animá-los enquanto trabalhavam. Sabia todas as suas canções
    favoritas, como O Dia em que enforcaram Robin, o Negro, O lamento da
    sereia e outono do meu dia; as estimulantes, como Lanças de Ferro e Sete
    espadas para sete filhos, e as picantes, como O jantar de minha senhora,
    Sua pequena flor e Meggett andava com muitos machos, muitos machos sim.
    Quando cantava O urso e a donzela, todos os remadores cantavam juntos e o
    Pássaro Negro parecia voar sobre as águas. Dareon não era grande coisa
    com a espada, Sam o havia visto quando treinavam juntos a mando de
    Alliser Thorne, mas tinha uma voz excelente. Como mel que se derrama
    sobre um trovão, havia dito em certa ocasião o meistre Aemon. Tocava a lira
    e o violino, e até escrevia suas próprias canções... Se bem que a Sam não lhe
    pareciam grande coisa. Ainda assim, era agradável sentar-se e escuta-lo,
    apesar de a madeira estar tão dura e tão lascada que Sam quase se alegrava
    de ter as nádegas tão carnosas.
    Os gordos sempre levam uma almofada aonde que quer vão, pensou.
    O meistre Aemon também preferia passar o dia no convés,
    empacotado em peles e contemplando as águas.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:54 pm

    — O que adianta ele ficar aqui? — perguntou Dareon uma manhã.
    — Para ele, isto está tão escuro como o camarote.
    O ancião os olhou. Os olhos de Aemon se haviam manchado e
    escurecido, mas os ouvidos lhe funcionavam bem.
    — Não nasci cego — lhes recordou, — A última vez que passei por
    esta zona vi cada rocha, cada árvore, a espuma de cada onda, as gaivotas
    cinzentas que nos seguiam. Tinha trinta e cinco anos e havia sido meistre
    com colar durante dezesseis anos. Egg queria que o ajudasse a governar, mas
    eu sabia que este era meu lugar. Enviou-me ao norte a bordo do Dragão de
    Ouro, e teimou que deveria me acompanhar seu amigo Sor Duncan, para que
    chegasse são e salvo a Atalaialeste do Mar. Nenhum novo irmão havia
    chegado à Muralha com tanta pompa desde que Nymeria enviou à Patrulha
    seis reis com grilhões de ouro. Além disso, Egg esvaziou as masmorras para
    que não tivesse que pronunciar meus votos sozinho. Dizia que os antigos
    presos eram a minha guarda de honra. Entre eles estava nada menos que
    Brynden Rivers, que chegou a Lorde Comandante.
    — Corvo de Sangue? — se surpreendeu Dareon. — Conheço uma
    canção sobre ele. O título é Mil olhos, e mais um. Mas eu pensava que ele
    havia vivido há cem anos.
    — E assim foi. Houve um tempo em que fui tão jovem como tu.
    Aquilo pareceu entristecê-lo. Limpou a garganta, fechou os olhos e
    dormiu. Cada vez que uma onda mexia o barco, se sacudia entre as peles.
    Navegaram por céus cinzentos para leste, para sul e de novo pra
    leste, à medida que a Baía das Focas se alargava ante eles. O capitão, um
    irmão grisalho com uma pança que parecia um barril de cerveja, vestia
    roupas negras tão manchadas e descoloridas que a tripulação lhe havia posto
    o apelido de Velho dos Trapos. Raramente dizia uma palavra. O
    contramestre o compensava enchendo o ar salgado de maldições cada vez
    que o vento amainava ou os remadores pareciam fraquejar. Pelas manhãs
    tomavam copos de aveia; ao meio-dia, sopa de ervilhas verdes, e pela noite,
    carne salgada, bacalhau salgado e carneiro salgado, tudo isso regado com
    cerveja. Dareon cantava; Sam vomitava; Goiva chorava e amamentava o
    bebê; meistre Aemon dormia e tremia, e os ventos se tornavam mais gélidos
    e tempestuosos dia a dia.
    Apesar de tudo, a viagem para Sam acabou sendo mais agradável
    que a última que havia realizado. Não tinha mais de dez anos quando zarpou
    na galera de Lorde Redwyne, a Rainha da Árvore. Era cinco vezes maior que
    o Pássaro Negro, um barco formidável, com três gigantescas velas de cor
    vinho e fileiras de remos que brilhavam dourados e brancos à luz do Sol. Sua
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:54 pm

    maneira de balançar quando zarpou de Vilavelha era tão impressionante que
    Sam ficou sem palavras... Mas aquela foi a última boa recordação que teria
    dos estreitos de Redwyne. Naquela altura, igual ao que acontecia agora,
    estava enjoado, para decepção do seu pai.
    Quando chegaram na Árvore, as coisas foram de mal a pior. Os
    filhos gêmeos de Lorde Redwyne desprezaram Sam logo que o viram. A
    cada dia encontravam uma nova maneira de humilhá-lo no pátio de
    treinamento. No terceiro dia, Horas Redwyne o obrigou a gritar como um
    porco quando suplicou rendição. No quinto, seu irmão Hobber vestiu um
    ajudante de cozinha com sua armadura e lhe encarregou de dar uma surra em
    Sam com uma espada de madeira até que o garoto começasse a chorar.
    Quando se descobriu quem era, todos os escudeiros, pajens e ajudantes
    rugiram de tanto rir.
    — O garoto ainda tem que amadurecer, isso é tudo. — havia dito seu
    pai a Lorde Redwyne aquela noite.
    — Sim, com uma pitada de pimenta, uns cravos de cheiro e uma
    maçã na boca — replicou fazendo soar sua matraca.
    Depois daquilo, Lorde Randyll proibiu Sam de comer maçãs
    enquanto estivessem embaixo do teto de Paxter Redwyne. Também havia
    enjoado na viagem de volta, mas sentiu tanto alívio ao sair de lá que
    inclusive agradeceu o sabor do vômito na garganta. Até retornarem de novo
    à Monte Chifre Sam não soube que seu pai não tinha a intenção de regressar
    com ele, segundo lhe disse sua mãe.
    — Horas viria em seu lugar; você iria ficar na Árvore com pajem e
    copeiro de Lord Paxter. Se você tivesse caído nas graças dele, lhe haveria
    prometido sua filha. — Sam ainda recordava o toque suave da mão de sua
    mãe quando lhe enxugou as lágrimas com um pano umedecido com saliva.
    — Meu pobre Sam — murmurou. — Meu pobre, meu pobre Sam.
    Me alegro de voltar a vê-la, pensou, agarrado à borda do Pássaro
    Negro, contemplando as ondas que quebravam contra a costa rochosa.
    Quando me vir de negro, se sentirá orgulhosa. ‘Agora sou um homem, mãe’,
    podia lhe dizer isso. ‘Sou intendente e membro da Patrulha da Noite. Às
    vezes, meus irmãos me chamam Sam, o Matador’. Também podia ver o seu
    irmão Dickon, e suas irmãs. ‘Vêem?’, lhes diria. ‘Vêem como no final eu
    servi para alguma coisa?’. Mas, se ia à Monte Chifre, talvez se encontrasse
    com seu pai.
    A simples ideia revirou seu estômago outra vez. Debruçou-se sobre a
    murada do navio e vomitou, mas não contra o vento. Naquela ocasião não
    havia errado de borda. Vomitar estava começando a lhe fazer bem.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:55 pm

    Pelo menos era nisso em que acreditava, até que o Pássaro Negro
    deixou a terra firme para trás e se pôs rumo a leste, cruzando a baía pelas
    costas de Skagos.
    A ilha, situada na entrada da Baía das Focas, era uma terra enorme,
    montanhosa, imponente, habitada por selvagens. Sam havia lido que viviam
    em cavernas e em sombrias fortalezas nas montanhas, e iam à guerra
    montados em grandes unicórnios peludos. Skagos significava pedra na
    antiga língua. Os skagosis se autodenominavam filhos da pedra, mas os
    nortenhos os chamavam skaggs, e não lhes tinham nenhum tipo de afeto.
    Fazia um século que Skagos havia se rebelado. Demoraram anos para
    sufocar a revolta, e mesmo assim lhes custou a vida do senhor de Winterfell
    e centenas de suas espadas juramentadas. Em algumas canções se dizia que
    os skaggs eram canibais. Ao que parecia, seus guerreiros devoravam o
    coração e o fígado daqueles a quem matavam. Em tempos passados, os
    skagosis navegaram até a ilha de Skane, cercando-a; se apoderaram de todas
    as mulheres, mataram todos os homens e os comeram em uma praia, num
    banquete que se prolongou durante quinze dias. Desde então, Skane seguia
    desabitada.
    Dareon também conhecia as canções. Quando os sombrios picos
    cinzentos de Skagos se destacaram sobre o mar, foi se reunir com Sam na
    proa do Pássaro Negro.
    — Se os deuses forem bons, talvez vejamos um unicórnio.
    — Se o capitão for bom, não nos aproximaremos tanto. As correntes
    são traiçoeiras em torno de Skagos; há rochas que podem quebrar o casco de
    um navio como se fosse um ovo. Mas não mencione isso a Goiva; já está
    bastante assustada.
    — Igual a esse cachorro chorão que tem. Não sei qual dos dois faz
    mais barulho. Só deixa de chorar quando enfia o peito na boca, e então,
    quem começa com a lamentação é ela.
    Sam também havia dado conta disso.
    — Com certeza o bebê está lhe causando dor quando está mamando
    — argumentou sem convicção. — Os dentes estão começando a crescer...
    Dareon rasgou uma corda do alaúde para arrancar uma nota
    depreciativa.
    — Pensava que os selvagens fossem mais valentes.
    — Ela é muito valente — teimou Sam, se bem que nunca tinha visto
    Goiva tão amuada. Apesar de sempre ocultar seu rosto e seu camarote estar
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:55 pm

    sempre às escuras, havia percebido que sempre tinha os olhos avermelhados
    e as bochechas empapadas de lágrimas. Mas quando lhe perguntou o que
    estava acontecendo, a garota se limitou a sacudir a cabeça, de modo que não
    lhe deixou dúvidas. — Tem medo do mar, nada mais — disse a Dareon. —
    Antes de ir à Muralha, o único lugar que conhecia era a casa de Craster e os
    bosques das redondezas. Creio que, em toda a sua vida, nunca havia se
    afastado mais de meia légua do lugar de onde nasceu. Havia visto rios e
    arroios, mas nunca um lago até que chegamos em um, e o mar... O mar dá
    muito medo.
    — Nem sequer perdemos de vista a terra firme.
    — Logo nós perderemos. — A Sam não agradava essa ideia.
    — Ah, não me diga que um pouco de água faz o Matador tremer de
    medo.
    — Não — mentiu — eu não. Mas Goiva... Olha, porque não toca
    algumas canções de ninar para ela? Pelo menos o bebê vai dormir.
    Dareon fez um gesto de nojo.
    — Só se antes lhe enfiarem uma rolha no cu. Não suporto esse
    cheiro.
    No dia seguinte, começaram as chuvas, e o mar se agitou.
    — Será melhor que desçamos, ou acabaremos ensopados — disse
    Sam a Aemon.
    O velho meistre se limitou a sorrir.
    — Gosto da sensação da chuva no rosto. É como se fossem lágrimas.
    Se não te importa, ficarei um pouquinho mais. Já se passou muito tempo
    desde a última vez que chorei.
    Se o meistre Aemon, sendo o ancião frágil que era, decidia ficar na
    popa, a Sam não lhe restava alternativa que não fosse fazer o mesmo. Ficou
    a seu lado durante quase uma hora, vestido com a capa enquanto a chuva,
    fina e constante, o ensopava até os ossos. Aemon não parecia notá-la.
    Suspirou e fechou os olhos. Sam se aproximou dele para escutá-lo na medida
    do possível.
    Já, já vai me pedir para levá-lo de volta ao camarote, pensou, com
    certeza. Mas ele não pediu, e em pouco tempo, começaram a rugir os trovões
    a leste, ao longe.
    — Temos de descer — insistiu Sam, tremendo. O velho meistre
    Aemon não respondeu. Sam percebeu que havia dormido. — Meistre —
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:55 pm

    disse ao mesmo tempo em que o sacudia por um ombro com delicadeza. —
    Meistre Aemon, acorda.
    Os olhos cegos de Aemon se abriram.
    — Egg? — disse, enquanto a chuva corria por suas bochechas. —
    Eu sonhei que era um velho, Egg.
    Sam não sabia o que dizer. Ajoelhou-se, colocou o ancião nos braços
    e o levou ao piso inferior. Ninguém o havia considerado forte em toda a sua
    vida, e a chuva que ensopava a roupa negra do meistre Aemon fazia com que
    pesasse o dobro, mas ainda assim, era como carregar um garotinho.
    Quando entrou no camarote com Aemon nos braços percebeu que
    Goiva havia deixado que as velas se consumissem. O bebê havia dormido, e
    ela estava sentada em um canto soluçando entre as dobras da enorme capa
    negra que Sam lhe havia dado.
    — Me ajude — disse com urgência. — Me ajude a secá-lo. Teremos
    que fazer com que entre algum calor aqui.
    A garota se levantou imediatamente, e os dois tiraram a roupa
    ensopada do meistre e o cobriram com uma montanha de peles. Mas
    continuava tendo a pele fria e úmida, quase pegajosa.
    — Fique com ele — disse Sam a Goiva. – Abrace-o, de calor com o
    teu corpo. Temos que fazer com que ele se recupere. – A garota obedeceu,
    sem dizer palavra, sem deixar de soluçar. — Onde está Dareon? —
    perguntou Sam. — Se estivéssemos todos juntos, seria mais fácil de aquecer.
    Ele tem que vir.
    Ia subir para chamar o cantor quando o barco se balançou sob os
    seus pés e desceu bruscamente. Goiva soltou um uivo, Sam perdeu o
    equilíbrio e o bebê despertou berrando.
    A segunda sacudida do barco aconteceu quando ele tentava se por de
    pé. O movimento lançou Goiva em seus braços, e a garota selvagem se
    agarrou a ele com tanta força que lhe deixava apenas respirar.
    — Não tenha medo. — Ele disse. — Isto não é mais que uma
    aventura. Algum dia você contará isso a seu filho.
    A única coisa que conseguiu foi que ela cravasse as unhas mais
    profundamente no seu braço. Goiva tremia; a violência dos soluços a fazia
    tremer da cabeça aos pés.
    Diga o que disser, só consigo piorar as coisas.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:55 pm

    A abraçou com força, incomodamente consciente da pressão de seus
    peitos. Apesar do medo, teve uma ereção. Ela vai notar, pensou
    avergonhado. Mas se Goiva se deu conta, não deixou transparecer; se limitou
    a grudar nele com mais força.
    A partir de então, as viagens se sucederam a toda velocidade. Não
    voltaram a ver o sol. Os dias eram cinzentos, e as noites, negras, exceto
    quando os relâmpagos acendiam o céu sobre o pico de Skagos. Todos
    estavam mortos de fome, mas não podiam comer. O capitão abriu um barril
    de vinho de fogo para fortalecer os remadores. Sam provou um copo e
    deixou escapar um suspiro ao notar as serpentes quentes que percorriam a
    sua garganta e o peito. Dareon também se apegou à bebida, e depois daquilo,
    raramente era visto sóbrio.
    Içavam as velas; abaixavam as velas; uma se desgarrou, se
    desprendeu do mastro e saiu voando como uma enorme ave cinzenta.
    Quando o Pássaro Negro estava contornando a costa sul de Skagos,
    divisaram entre as rochas os restos de uma galera. As ondas haviam
    arrastado parte da tripulação até a orla, e os caranguejos haviam se reunido
    para lhes fazerem as homenagens.
    — Estamos muito perto da orla — rugiu o velho dos trapos ao vê-lo.
    — Um golpe de vento e acabaremos como eles.
    Apesar de estarem esgotados, os remadores voltaram ao trabalho, e o
    barco tomou o rumo do sul, pelo mar estreito, até que Skagos se converteu
    em uma série de manchas negras no horizonte que podiam ser confundidas
    com nuvens de tormenta, os cumes de altas montanhas negras ou as duas
    coisas. Depois daquilo, desfrutaram de oito dias e sete noites de navegação
    tranquila.
    Logo chegaram mais tormentas, ainda piores que a primeira.
    Foram três, ou só uma, com alguns momentos de calma? Sam não
    chegou a saber, mas tratou desesperadamente de averiguar.
    — Que importa? — lhe gritou Dareon em certa ocasião, quando
    estavam todos encolhidos no camarote.
    Não importa, Sam quis dizer, mas enquanto eu pense nisso, não
    pensarei em me afogar, nem em me enjoar, nem em como treme o meistre
    Aemon.
    — Não importa. — Conseguiu dizer, mas um trovão afogou o resto
    da frase, o barco se moveu e o fez cair de lado.
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    Mensagem  Admin Qua Jun 20, 2012 2:55 pm

    Goiva não deixava de soluçar, o bebê berrava, e por cima de tudo se
    ouviam os gritos do velho dos trapos, o maltrapilho capitão que não falava
    nunca, dando ordens à tripulação.
    Odeio o mar, pensou Sam. Odeio o mar, odeio o mar, odeio o mar.
    O relâmpago seguinte foi tão intenso que iluminou o camarote através das
    rendas da cortina que ficavam nas janelinhas do teto. É um bom barco, um
    barco seguro, um barco seguro. Não vai naufragar. Não tenho medo.
    Durante um período de calmaria entre tormenta e tormenta, enquanto
    se aferrava à borda com as juntas brancas pelo esforço, tratando de vomitar,
    Sam ouviu uns tripulantes murmurarem que aquilo acontecia por levar uma
    mulher a bordo, e ainda por cima, uma selvagem.
    — Fodia com seu pai — escutou Sam enquanto o rugido do vento
    voltava a se impor. — Isso é pior que ser puta. Isso é o pior que pode haver.
    Ou nos livramos dela e dessa abominação que pariu, ou nos afogamos todos.
    Sam não se atreveu a enfrentá-los. Eram maiores que ele, duros e
    encorpados, com os braços e os ombros musculosos pelos anos de manejar
    com os remos. Mas se assegurou de ter a adaga bem afiada, e sempre que
    Goiva saía do camarote para fazer suas necessidades, a acompanhava.
    Dareon tampouco estava a favor da selvagem. Uma vez, depois de
    muitas súplicas de Sam, o cantor começou a entoar uma canção de ninar para
    acalmar o bebê, mas apenas havia começado, quando Goiva começou a
    chorar, inconsolável.
    — Pelos sete infernos. — Dareon perdeu a paciência. — Não pode
    deixar de chorar nem pelo tempo de ouvir uma canção?
    — Canta, anda. — lhe pediu Sam. — Canta, não se importe com
    isso.
    — Não lhe fazem falta as canções — replicou Dareon. — O que lhe
    fazem falta são umas boas palmadas, ou melhor, um bom pau. Fora do meu
    caminho, Matador.
    Empurrou Sam para um lado e saiu do camarote para buscar consolo
    em um copo de vinho de fogo e na irmandade dos remadores.
    Sam já não sabia o que fazer. Quase havia se acostumado com o
    cheiro, mas entre as tormentas e os soluços de Goiva, passava dias sem
    dormir.
    — Não pode lhe dar nada? — perguntou em voz baixa ao meistre
    Aemon quando viu que estava desperto. — Alguma erva, alguma poção,
    para que não tenha medo...

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