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    O Festim dos Corvos

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    O Festim dos Corvos - Página 13 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:48 pm

    — Como quiser — disse, virando a égua na direção das árvores.
    O castelo do Lorde Brune minguou nas suas costas, e em breve ficou
    fora de vista. Sentinelas e pinheiros marciais erguiam-se a toda a volta, altas
    lanças vestidas de verde lançadas para o céu. O chão da floresta era um
    tapete de agulhas caídas com a espessura de uma muralha de castelo,
    juncado de pinhas. Os cascos dos cavalos pareciam não fazer um som.
    Choveu um pouco, parou durante algum tempo, e então recomeçou a chover,
    mas entre os pinheiros quase não sentiram uma gota.
    O avanço era muito mais lento nos bosques. Brienne incitava a égua
    a avançar através da penumbra verde, ziguezagueando de um lado para o
    outro por entre as árvores. Apercebeu-se de que seria muito fácil perder-se
    ali. Todos os lados para onde olhava pareciam iguais. O próprio ar parecia
    cinzento, verde e imóvel. Galhos de pinheiro raspavam nos seus braços e
    arranhavam ruidosamente o escudo pintado de novo. A estranha quietude
    mexia-lhe mais com os nervos a cada hora que passava.
    Também a incomodava Dick. Mais tarde nesse dia, quando o ocaso
    se aproximava, tentou cantar.
    — Havia um urso, um urso, um urso! Preto e castanho e coberto de
    pêlo — cantou, com uma voz tão áspera como um par de bragas de lã. Os
    pinheiros beberam a sua canção, tal como bebiam o vento e a chuva. Pouco
    depois, parou.
    — Isto aqui é mau — disse Podrick. — Este lugar é mau.
    Brienne sentia o mesmo, mas não serviria de nada admiti-lo.
    — Um pinhal é um sítio sombrio, mas no fim de contas é só uma
    floresta. Não há nada aqui que tenhamos que temer.
    — Então e os chapinheiros? E as cabeças?
    — Aí está um moço esperto — disse Dick, rindo.
    Brienne deitou-lhe um olhar aborrecido.
    — Os chapinheiros não existem — disse a Podrick — e as cabeças
    também não.
    Os montes subiram, os montes desceram. Brienne deu por si a rezar
    para que Dick fosse honesto, e soubesse para onde os estava a levar.
    Sozinha, nem sequer tinha a certeza de conseguir voltar a encontrar o mar.
    De dia ou de noite, o céu mostrava-se de um cinzento sólido e encoberto,
    sem sol nem estrelas que a ajudassem a orientar-se.
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    O Festim dos Corvos - Página 13 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:48 pm

    Acamparam cedo naquela noite, depois de descerem uma colina e de
    se acharem na borda de um reluzente pântano verde. À luz cinzenta
    esverdeada, o terreno que se estendia em frente parecia bastante sólido, mas
    quando avançaram, engoliram os cavalos até ao garrote. Tiveram de dar
    meia volta e lutar por regressar a um terreno mais sólido.
    — Não importa — garantiu-lhes Crabb. — Voltamos subir a colina e
    descermos por outro lado.
    O dia seguinte foi igual. Cavalgaram por entre pinheiros e pântanos,
    sob céus escuros e chuva intermitente, passando por poços e grutas e pelas
    ruínas de antigas fortalezas cujas pedras estavam cobertas de musgo. Cada
    pilha de pedras tinha uma história, e Dick contou todas. Se acreditasse no
    que ele contava, os homens da Ponta da Garra Rachada tinham lavado os
    seus pinheiros com sangue. A paciência de Brienne começou rapidamente a
    desgastar-se.
    — Quanto falta? — quis finalmente saber. — Por esta altura já
    devemos ter visto todas as árvores na Ponta da Garra Rachada.
    — Nem por sombras — disse Crabb. — Já estamos perto. Olha aí, o
    bosque está ficando menos denso. Estamos perto do mar estreito.
    Este bobo que ele me prometeu é provável que seja o meu próprio
    reflexo num charco, pensou Brienne, mas parecia inútil voltar para trás
    depois de vir até tão longe. Contudo, estava cansada, não podia negá-lo.
    Sentia as coxas duras como ferro, devido à sela, e nos últimos tempos tinha
    vindo a dormir só quatro horas por noite, enquanto Podrick a vigiava. Se
    Dick pretendesse tentar assassiná-los, estava convencida de que o faria ali,
    em terreno que conhecia bem. Podia estar a levá-los para algum covil de
    ladrões onde tivesse familiares tão traiçoeiros como ele. Ou talvez estivesse
    apenas a levá-los aos círculos, à espera que o outro cavaleiro os apanhasse.
    Não tinham visto nenhum sinal do homem desde que deixaram para trás o
    castelo do Lorde Brune, mas isso não queria dizer que ele tivesse desistido
    da perseguição.
    Pode ser que tenha de o matar, disse a si própria uma noite enquanto
    andava de um lado para o outro no acampamento. A ideia deixou-a mal
    disposta. O seu velho mestre de armas sempre questionara se ela seria
    suficientemente dura para a batalha.
    Tem nos braços a força de um homem — dissera-lhe Sor Goodwin,
    mais do que uma vez — mas o seu coração é suave como o de qualquer
    donzela. Uma coisa é treinar no pátio com uma espada embotada na mão,
    outra é enfiar trinta centímetros de aço afiado nas tripas de um homem e ver
    a luz apagar-se nos seus olhos. — Para a endurecer, Sor Goodwin costumava
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    O Festim dos Corvos - Página 13 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:48 pm

    mandá-la ao carniceiro do pai para abater cordeiros e leitões. Os leitões
    guinchavam e os cordeiros gritavam como crianças assustadas. Quando
    acabava, Brienne estava cega com lágrimas e tinha a roupa tão
    ensanguentada que a deva à aia para que a queimasse. Mas Sor Goodwin
    ainda ficara com dúvidas. — Um leitão é um leitão. Com um homem é
    diferente. Quando eu era um escudeiro tão novo como você, tive um amigo
    que era forte, rápido e ágil, um campeão no pátio. Todos sabíamos que um
    dia seria um cavaleiro magnífico. Então a guerra chegou aos Degraus. Vi o
    meu amigo pôr o seu adversário de joelhos e tirar-lhe o machado da mão,
    mas na altura em que pôde acabar com ele, hesitou durante meio segundo.
    Na batalha, meio segundo é uma vida inteira. O homem puxou a adaga e
    descobriu uma fenda na armadura do meu amigo. A sua força, a sua rapidez,
    o seu valor, toda a sua perícia duramente conquistada... valeu menos do que
    um peido de saltimbanco, porque vacilou perante a matança. Lembre-se
    disso, menina.
    Me lembrarei, prometeu à sombra do homem, ali no pinhal. Sentouse
    numa pedra, desembainhou a espada e pôs-se a amolar-lhe o gume. Me
    lembrarei, e rezo para não vacilar.
    O dia seguinte amanheceu ventoso, frio e encoberto. Não chegaram
    a ver o sol nascer, mas quando o negrume se transformou em cinza Brienne
    soube que estava na altura de voltar a selar o cavalo. Com Dick a indicar o
    caminho, voltaram a penetrar nos pinheiros. Brienne seguiu-o de perto, com
    Podrick a fechar a retaguarda no seu pigarço.
    O castelo caiu sobre eles sem avisar. Num momento estavam nas
    profundezas da floresta, sem nada à vista ao longo de léguas e léguas a não
    ser pinheiros. Então deram a volta a um pedregulho, e uma brecha surgiu à
    frente. Uma milha mais adiante, a floresta terminou abruptamente. Em frente
    havia céu e mar... e um castelo antigo e arruinado, abandonado e coberto de
    vegetação na borda de uma falésia.
    — Os Murmúrios — disse Dick. — Escute. Dá pra ouvir as cabeças.
    A boca de Podrick escancarou-se.
    — Estou ouvindo.
    Brienne também as ouvia. Um murmúrio tênue e suave que parecia
    vir tanto do chão como do castelo. O som foi ficando mais forte à medida
    que se aproximavam da falésia. Era o mar, apercebeu-se ela de súbito. As
    ondas tinham roído buracos na falésia, lá em baixo, e ressoavam por grutas e
    túneis por baixo da terra.
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    O Festim dos Corvos - Página 13 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:48 pm

    — Não há cabeças nenhumas — disse. — O que está ouvindo a
    murmurar são as ondas.
    — As ondas não murmuram. São cabeças.
    O castelo fora feito de velhas pedras soltas e não tinha duas que
    fossem iguais. Musgo crescia, denso, em fendas entre as rochas, e havia
    árvores a crescer nas fundações. A maior parte dos castelos antigos possuía
    um bosque sagrado. Pelo aspecto, os Murmúrios pouco mais tinham. Brienne
    levou a égua a passo até à borda da falésia, onde a muralha exterior ruíra.
    Montículos de hera vermelha venenosa cresciam sobre a pilha de pedras
    partidas. Atou o cavalo a uma árvore e aproximou-se o mais que se atreveu
    do precipício. Quinze metros mais abaixo, as ondas turbilhonavam por
    dentro e por cima dos restos de uma torre desfeita. Por trás, vislumbrou a
    embocadura de uma grande caverna.
    — Isso é a antiga torre sinaleira — disse Dick quando se aproximou
    por trás dela. — Caiu tinha eu metade da idade aqui do Pods. Havia degraus
    até à angra, mas quando a arriba ruiu, tamem caíram. Os contrabandistas
    deixaram de vir aqui depois disso. Houve tempo que eles podiam entrar cos
    botes na gruta, mas não mais. Vê? — Pôs-lhe uma mão nas costas e apontou
    com a outra.
    A pele de Brienne arrepiou-se. Um empurrão, e vou fazer
    companhia à torre lá em baixo. Deu um passo para trás.
    — Tira as mãos de cima de mim.
    Crabb fez uma careta.
    — Eu estava só...
    — Não me interessa o que estava só. Onde fica o portão?
    — Lá do outro lado. — O homem hesitou. — Este seu bobo, não é
    homem de guardar rancor, ou é? — disse, nervoso. — Quer dizer, na noite
    passada pus-me a pensar que ele se calhar está zangado com o velho Dick,
    por via daquele mapa que lhe vendi e porque não lhe disse que os
    contrabandistas já não desembarcam aqui.
    — Com o ouro que vai receber, pode devolver o que quer que ele
    tenha pago pela tua ajuda. — Brienne não conseguia imaginar Dontos
    Hollard a constituir uma ameaça. — Isto é, se ele estiver mesmo aqui.
    Fizeram o circuito das muralhas. O castelo fora triangular, com
    torres quadradas em cada canto. Os portões estavam muito apodrecidos.
    Quando Brienne puxou por um, a madeira rachou-se e desfez-se em longas
    lascas úmidas, e metade do portão caiu sobre ela. Viu mais sombras verdes
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:49 pm

    lá dentro. A floresta abrira brechas nas muralhas, e engolira torre e parede
    exterior. Mas havia uma porta levadiça atrás do portão, com dentes
    profundamente afundados no solo mole e lamacento. O ferro estava
    vermelho de ferrugem, mas aguentou quando Brienne o sacudiu.
    — Há muito tempo que ninguém usa este portão.
    — Podia escalar a muralha — ofereceu-se Podrick. — Pela falésia.
    Onde a muralha caiu.
    — É demasiado perigoso. Aquelas pedras pareceram-me soltas, e
    aquela hera vermelha é venenosa. Tem de haver uma poterna.
    Encontraram-na no lado norte do castelo, meio escondida atrás de
    uma amoreira silvestre. As amoras tinham sido todas colhidas, e metade do
    arbusto fora cortado para abrir caminho até à porta. A visão dos ramos
    quebrados encheu Brienne de inquietação.
    — Alguém passou por ali, e não faz muito tempo.
    — O vosso bobo e as moças — disse Crabb. — Eu disse.
    Sansa? Brienne não conseguia acreditar. Até um bêbado encharcado
    em vinho como Dontos Hollard teria bom-senso suficiente para não a trazer
    para aquele sítio desolado. Algo nas ruínas a enchia de desconforto. Não
    encontraria ali a menina Stark... mas tinha de dar uma olhadela. Alguém
    esteve aqui, pensou. Alguém que precisava ficar escondido.
    — Vou entrar — disse. — Crabb, você vens comigo. Podrick, quero
    que fique vigiando os cavalos.
    — Quero ir também. Sou um escudeiro. Posso lutar.
    — É por isso que quero que fiques aqui. Pode haver foras da lei
    nestes bosques. Não nos atrevemos a deixar os cavalos desprotegidos.
    Podrick remexeu numa pedra com a bota.
    — Como quiser.
    Brienne abriu caminho através das amoras silvestres e puxou por um
    anel ferrugento de ferro. A poterna resistiu durante um momento, e depois
    abriu-se de repente, com as dobradiças a gritar em protesto. O som fez com
    que os pêlos na parte de trás do pescoço se lhe eriçassem. Desembainhou a
    espada. Apesar de vestida de cota de malha e couro fervido, sentiu-se nua.
    — Vá lá, senhora — incentivou-a Dick, o Ágil, atrás dela. — De que
    esta à espera? O Velho Crabb está morto há mil anos.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:49 pm

    E de que estava à espera? Brienne disse a si própria que estava a ser
    tola. O som era só o mar, ecoando constantemente pelas cavernas por baixo
    do castelo, subindo e descendo a cada onda. Realmente soava como
    murmúrios, porém, e por um momento quase conseguiu ver as cabeças,
    arrumadas nas suas prateleiras e resmungando umas com as outras.
    — Devia ter usado a espada — estava uma delas dizendo. — Devia
    ter usado a espada mágica.
    — Podrick — disse Brienne. — Tem uma espada e uma bainha
    enrolada no meu rolo de dormir. Traga os aqui.
    — Sim, sor. Senhora. Eu trago. — O rapaz partiu a correr.
    — Uma espada? —Dick coçou-se por trás da orelha. — Tem uma
    espada na mão. Pra que precisa de outra?
    — Esta é para você. — Brienne ofereceu-lhe o cabo.
    — Sério? — Crabb estendeu hesitantemente a mão, como se a
    lâmina lhe pudesse morder. — A donzela desconfiada está a dar uma espada
    ao velho Dick?
    — Espero que saiba como se usa.
    — Sou um Crabb. — Arrancou-lhe a espada da mão. — Tenho o
    mesmo sangue do velho Sor Clarence. — Golpeou o ar e sorriu-lhe. — Há
    quem diga que é a espada que faz o senhor.
    Quando Podrick Payne regressou, trazia a Cumpridora de Promessas
    com tanto cuidado como se fosse uma criança. Dick soltou um assobio ao
    ver a ornamentada bainha com a sua fileira de cabeças de leão, mas
    silenciou-se quando ela desembainhou a arma e experimentou um golpe. Até
    o som que faz é mais aguçado do que o de uma espada vulgar.
    — Comigo — disse a Crabb. Esgueirou-se, de lado, pela poterna,
    baixando a cabeça para passar por baixo do arco da porta.
    O pátio exterior abriu-se na sua frente, coberto de vegetação. À
    esquerda ficava o portão principal, e a casca arruinada daquilo que poderia
    ter sido um estábulo. Árvores novas espreitavam de metade das baias e
    cresciam através do colmo seco e castanho do telhado. À direita, viu degraus
    apodrecidos de madeira que desciam para a escuridão de uma masmorra ou
    um armazém subterrâneo. Onde estivera a torre de menagem, encontrava-se
    uma pilha de pedras derrubadas, cobertas de musgo verde e púrpura. O pátio
    era só ervas daninhas e agulhas de pinheiro. Havia pinheiros marciais por
    todo o lado, alinhados em solenes fileiras. Entre eles, erguia-se um estranho
    branco; um represeiro jovem e esguio com um tronco tão pálido como uma
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:49 pm

    donzela enclausurada. Folhas vermelhas escuras nasciam nos seus longos
    ramos. Mais adiante encontrava-se o vazio do céu e do mar, no local onde a
    muralha ruíra...
    ... e os restos de uma fogueira.
    Os murmúrios mordiscavam-lhe os ouvidos, insistentes. Brienne
    ajoelhou junto à fogueira. Pegou num pau enegrecido, cheirou-o, remexeu as
    cinzas. Alguém tentou manter-se quente ontem à noite. Ou então estavam a
    tentar enviar um sinal a um navio de passagem.
    — Oláááááááá — gritou Dick. — está aqui alguém?
    — Cale-se — disse-lhe Brienne.
    — Pode haver alguém escondido. Querendo dar uma olhadela à
    gente antes de se mostrar. — Dirigiu-se a onde os degraus desciam para o
    subsolo e espreitou a escuridão. — Olááááááááá — voltou a gritar. — está
    alguém aí em baixo?
    Brienne viu uma árvore jovem a balouçar. Um homem esgueirou-se
    do interior dos arbustos, de tal modo coberto de terra que parecia ter nascido
    do chão. Trazia uma espada quebrada na mão, mas foi o seu rosto que a
    levou a hesitar, os olhos pequenos e as narinas largas e achatadas.
    Conhecia aquele nariz. Conhecia aqueles olhos. Os amigos lhe
    chamavam de Pyg.
    Tudo pareceu acontecer num segundo. Um segundo homem
    apareceu em cima da borda do poço, sem fazer mais ruído do que uma
    serpente faria ao deslizar sobre uma pilha de folhas úmidas. Usava um meioelmo
    de ferro enrolado em seda vermelha enodoada, e tinha uma lança de
    arremesso curta e grossa na mão. Brienne também o conhecia. Atrás de si
    ouviu-se um restolhar no momento em que uma cabeça espreitou através das
    folhas vermelhas. Crabb estava por baixo do represeiro. Olhou para cima e
    viu a cara.
    — Está aqui — gritou para Brienne. — É o seu bobo.
    — Dick — chamou ela com urgência — a mim.
    Shagwell deixou-se cair do represeiro a zurrar uma gargalhada.
    Estava vestido de retalhos, mas de tal modo desbotados e manchados que
    exibiam mais castanho do que cinzento ou cor-de-rosa. No lugar do malho
    de um bobo, trazia um mangual triplo, com três bolas eriçadas de espigões
    acorrentadas a um cabo de madeira. Brandiu-o com força e por baixo, e um
    dos joelhos de Crabb explodiu numa nuvem de sangue e osso.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:49 pm

    — Isto é engraçado — vangloriou-se Shagwell quando Dick caiu. A
    espada que Brienne lhe dera voou de sua mão e desapareceu nas ervas
    daninhas. Ficou a contorcer-se no chão, gritando, e agarrado aos restos do
    joelho. — Oh, olha — disse Shagwell — é o Dick Contrabandista, o tipo que
    nos fez o mapa. Veio até tão longe para nos devolver o ouro?
    — Por favor — choramingou Dick — por favor, não, a minha
    perna...
    — Dói? Posso fazer parar.
    — Deixa-o em paz — disse Brienne.
    — NÃO! — guinchou Dick, erguendo mãos ensanguentadas para
    proteger a cabeça. Shagwell voltou a fazer rodopiar a bola de espigões em
    volta da cabeça e atirou-a contra o meio da cara de Crabb. Ouviu-se um
    repugnante ruído de esmagamento. No silêncio que se seguiu, Brienne
    conseguiu ouvir o som do seu coração.
    — Shags mau — disse o homem que saíra do poço. Quando viu a
    cara de Brienne, soltou uma gargalhada. — Você outra vez, mulher? O que
    foi, veio nos dar caça? Ou teve saudades das nossas caras amigáveis?
    Shagwell dançou de um pé para o outro e fez girar o seu malho.
    — Foi atrás de mim que ela veio. Sonha comigo todas as noites,
    quando enfia os dedos na racha. Ela me quer, rapazes, a grande cavalgadora
    tem saudades do alegre Shags! Vou fodê-la pelo cu acima e enchê-la de
    semente aos retalhos, até parir um euzinho.
    — Vai ter que usar um buraco diferente para isso, Shags — disse
    Timeon, com o seu sotaque arrastado de Dorne.
    — Então o melhor é usar os buracos todos. Só para ter a certeza. —
    Moveu-se para a sua direita enquanto Pyg a rodeava pela esquerda,
    forçando-a a recuar na direção da borda irregular da falésia. Passagem para
    três, recordou Brienne.
    — Vocês são três.
    Timeon encolheu os ombros.
    — Fomos todos cada um para seu lado, depois de deixarmos
    Harrenhal. Urswyck e a sua malta foi para sul, na direção de Vilavelha.
    Rorge achou que podia escapulir-se de Salinas. Eu e os meus rapazes
    dirigimo-nos a Lagoa da Donzela, mas não conseguimos aproximar-nos de
    um navio. — O dornês sopesou a lança. — Acabou com o Vargo com aquela
    dentada, sabia? A orelha ficou preta e começou a deitar pus. Rorge e
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:49 pm

    Urswyck queriam ir embora, mas o Bode diz que tínhamos de defender o seu
    castelo. Senhor de Harrenhal, diz ele que é, que ninguém o ia roubar. Disse
    aquilo todo baboso, como falava sempre. Ouvimos dizer que a Montanha o
    matou um bocadinho de cada vez. Um dia uma mão, um pé no seguinte,
    cortados com toda a limpeza. Ligavam os cotos para que o Hoat não
    morresse. Estava a guardar a pica para o fim, mas uma ave qualquer
    chamou-o a Porto Real, de modo que acabou com ele e foi-se embora.
    — Não estou aqui por vós. Estou à procura de... — quase disse da
    minha irmã. — de um bobo.
    — Eu sou um bobo — anunciou Shagwell em tom feliz.
    — O bobo errado — exclamou Brienne. — Aquele que eu quero
    encontrar está com uma menina bem nascida, a filha de Lorde Stark, de
    Winterfell.
    — Então é o Cão de Caça que procuras — disse Timeon. —
    Acontece que ele também não está aqui. Só nós.
    — Sandor Clegane? — disse Brienne. — Que quer dizer?
    — É ele quem tem a miúda Stark. Segundo ouvi dizer, ela andava a
    tentar chegar a Correrrio e ele raptou-a. Maldito cão.
    Correrrio, pensou Brienne. Ele dirigia-se a Correrrio. Para junto dos
    tios.
    — Como sabe?
    — Ouvi dizer a um dos tipos de Beric. O senhor do relâmpago
    também anda à procura dela. Mandou os seus homens para cima e para baixo
    ao longo do Tridente, a farejar-lhe o rasto. Encontramos três deles depois de
    Harrenhal, e arrancamos a história a um deles antes de morrer.
    — Pode ter mentido.
    — Pode, mas não mentiu. Mais tarde ouvimos contar como o Cão de
    Caça matou três dos homens do irmão numa estalagem junto ao
    entroncamento. A menina estava lá com ele. O estalajadeiro jurou antes de
    Rorge o matar, e as putas disseram a mesma coisa. Eram um grupinho bem
    feio. Não tão feio como você, nota, mas mesmo assim...
    Ele está tentando me distrair, apercebeu-se Brienne, tenta
    adormecer-me com a voz. Pyg aproximava-se devagar. Shagwell deu um
    salto em sua direção. Afastou-se deles, recuando. Vão fazer-me recuar até
    cair da falésia, se eu deixar.
    — Fique onde está — avisou-os.
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    O Festim dos Corvos - Página 13 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:49 pm

    — Acho que vou foder-te pelo nariz, puta — anunciou Shagwell. —
    Isso não será divertido?
    — Ele tem uma pica muito pequena — explicou Timeon. — Larga
    essa espada bonita, e pode ser que te tratemos bem, mulher. Precisamos de
    ouro para pagar aos contrabandistas, nada mais.
    — E se eu vos der ouro, vai nos deixar ir embora?
    — Deixamos. — Timeon sorriu. — Depois de fodermos a todos. Te
    pagaremos como uma puta a sério. Uma moeda de prata por cada fodida.
    Caso contrário, ficamos com o ouro e violamos-te na mesma, e fazemos o
    que a Montanha fez ao Lorde Vargo. O que é que prefere?
    — Isto. — Brienne atirou-se contra Pyg.
    Ele ergueu a sua lâmina quebrada para proteger a cara, mas enquanto
    ele se erguia, ela abaixou-se. A Cumpridora de Promessas mordeu através de
    couro, lã, pele e músculo, enfiando-se na coxa do mercenário. Pyg ripostou
    violentamente no momento em que perdia o apoio da perna. A sua espada
    quebrada raspou na cota de malha de Brienne antes dele cair de costas.
    Brienne espetou-lhe a espada na garganta, torceu a lâmina com força, e
    puxou-a para fora, rodopiando no preciso instante em que a lança de Timeon
    lhe passou a relampejar pela cara. Não vacilei, pensou, enquanto o sangue
    escorria, rubro, pela sua cara. Viu, Sor Goodwin? Quase nem sentiu o golpe.
    — É a sua vez — disse a Timeon, no momento em que o dornês
    puxava uma segunda lança, mais curta e mais larga do que a primeira. —
    Atira-a.
    — Para que possas esquivar-se e carregar sobre mim? Acabaria tão
    morto como Pyg. Não. A apanhe, Shags.
    A apanhe você — disse Shagwell. — Viu o que ela fez com o Pyg?
    Está doida com o sangue da lua. — O bobo encontrava-se atrás dela, Timeon
    à frente. Virasse-se como virasse, um deles estava nas suas costas.
    — Apanhe-a — instou Timeon — e deixo foder o cadáver.
    — Oh, você me adoras mesmo. — O mangual estava a rodopiar.
    Escolhe um, disse Brienne a si própria. Escolhe um e mata-o depressa.
    Então surgiu uma pedra, vinda de lugar nenhum, atingiu Shagwell na cabeça.
    Brienne não hesitou. Voou contra Timeon.
    Ele era melhor do que Pyg, mas tinha só uma curta lança de
    arremesso, ao passo que ela possuía uma lâmina de aço valiriano. A
    Cumpridora de Promessas estava viva nas suas mãos. Nunca fora tão rápida.
    A lâmina transformou-se numa mancha cinzenta. Timeon feriu-a no ombro
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:50 pm

    quando caiu sobre ele, mas ela cortou-lhe a orelha e metade da bochecha,
    cortou-lhe a ponta da lança, e enfiou-lhe trinta centímetros de aço ondulado
    na barriga através dos elos do lorigão de cota de malha que ele usava.
    Timeon ainda estava a tentar lutar quando ela puxou a espada de
    dentro do seu corpo, com os sulcos a escorrer, vermelhos de sangue. Atirou a
    mão ao cinto e puxou um punhal, o que levou Brienne a corta-la. Essa foi
    por Jaime.
    — Pela misericórdia da Mãe — arquejou o dornês, com sangue a
    sair-lhe da boca aos borbotões e a jorrar do seu pulso. — Acaba com isto.
    Manda-me de volta para Dorne, sua puta de merda.
    Foi o que ela fez.
    Shagwell estava de joelhos quando se virou, com um ar entontecido,
    enquanto tateava em busca do mangual. Quando se pôs em pé, cambaleante,
    outra pedra atingiu-o na orelha. Podrick trepara a muralha caída e estava em
    pé no meio da hera, de cenho franzido, com outra pedra na mão.
    — Eu disse que podia lutar! — gritou para baixo.
    Shagwell tentou afastar-se engatinhando.
    — Me rendo — gritou o bobo — me rendo. Não deve fazer mal ao
    querido Shagwell, sou demasiado engraçado para morrer.
    — Não é melhor do que os outros. Roubou, violou e assassinou.
    — Oh, é verdade, é verdade, não vou negar... mas sou divertido, com
    todos os meus gracejos e cabriolas. Faço os homens rir.
    — E as mulheres chorar.
    — E a culpa disso é minha? As mulheres não têm senso de humor.
    Brienne baixou a Cumpridora de Promessas.
    — Cava uma sepultura. Ali, por baixo do represeiro. — Apontou
    com a lâmina.
    — Não tenho pá.
    — Tem duas mãos. — Uma a mais do que deixou a Jaime.
    — Para quê o esforço? Deixe-os para os corvos.
    — O Timeon e o Pyg podem alimentar os corvos. Dick terá uma
    sepultura. Ele era um Crabb. Este é o lugar dele.
    O solo estava mole da chuva, mas mesmo assim o bobo precisou do
    resto do dia para cavar uma cova suficientemente profunda. A noite caía
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    O Festim dos Corvos - Página 13 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:50 pm

    quando ele terminou, com as mãos ensanguentadas e cheias de bolhas.
    Brienne embainhou a Cumpridora de Promessas, pegou \Dick Crabb e levouo
    para o buraco. Era difícil olhar para o seu rosto.
    — Lamento nunca ter confiado em você. Já não sei como fazê-lo.
    Quando ajoelhou para pousar o corpo, pensou: O bobo fará agora a
    sua tentativa, enquanto estiver de costas.
    Ouviu a sua respiração entrecortada meio segundo antes de Podrick
    gritar um aviso. Shagwell trazia um bocado irregular de rocha numa mão.
    Brienne tinha o punhal enfiado na manga.
    Um punhal vence quase sempre uma rocha.
    Afastou-lhe o braço e enfiou-lhe o aço nas tripas.
    — Ri — rosnou-lhe. Em vez disso, ele gemeu. — Ri — repetiu,
    agarrando-lhe na garganta com uma mão e apunhalando sua barriga com a
    outra. — Ri! — E continuou a dizer aquilo, uma e outra vez, até ficar com a
    mão vermelha até ao pulso e o fedor da morte do bobo estar prestes a sufocála.
    Mas Shagwell não chegou a rir. Os soluços que Brienne ouvia eram todos
    seus. Quando se apercebeu disso, deitou a faca fora, e estremeceu.
    Podrick ajudou-a a baixar o Dick para a sua cova. Quando
    terminaram, a lua já subia no céu. Brienne sacudiu a terra das mãos e atirou
    dois dragões para a sepultura.
    — Porque fez isso, senhora? Sor? — perguntou Pod.
    — Era a recompensa que lhe prometi por me encontrar o bobo.
    Uma gargalhada soou atrás deles. Brienne arrancou a Cumpridora de
    Promessas da bainha e rodopiou, esperando mais Saltimbancos Sangrentos.
    Mas era apenas Hyle Hunt empoleirado no topo da muralha em ruínas, de
    pernas cruzadas.
    — Se houver bordéis no inferno, o desgraçado irá te agradecer —
    gritou o cavaleiro para baixo. — Caso contrário, isso é um desperdício de
    bom ouro.
    — Eu cumpro as minhas promessas. Que está fazendo aqui?
    —Lorde Randyll me pediu para te seguir. Se por algum estranho
    acaso tropeçasse em Sansa Stark, ele disse-me para a levar de volta para
    Lagoa da Donzela. Nada tema, me foi ordenado que não te fizesse mal.
    Brienne fungou.
    — Como se pudesse fazer.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:50 pm

    — O que fará agora, senhora?
    — Tapá-lo.
    — Referia-me à menina. À Senhora Sansa.
    Brienne pensou por um momento.
    — Ela dirigia-se a Correrrio, se o que Timeon contou for verdade.
    Algures ao longo do caminho, foi capturada pelo Cão de Caça. Se o
    encontrar...
    —... ele matar-vos-á.
    — Ou então mato-o eu — disse ela, teimosamente. — Irá ajudar-me
    a tapar o pobre Crabb, sor?
    — Nenhum verdadeiro cavaleiro poderia dizer que não a uma tal
    beleza. — Sor Hyle desceu a muralha. Juntos, empurraram a terra para cima
    do Dick, enquanto a lua se ia erguendo no céu, e debaixo da terra as cabeças
    de reis esquecidos murmuravam segredos.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:55 pm

    A Fazedora de Rainhas 361


    Sob o sol ardente de Dorne, a riqueza era tanto medida em água como
    em ouro, de modo que cada poço era zelosamente guardado.
    Contudo, o poço em Pedramarela secara havia cem anos, e os seus
    guardiões tinham partido para algum lugar mais úmido, abandonando a sua
    modesta fortaleza, com as suas colunas caneladas e arcadas triplas. Mais
    tarde, as areias tinham chegado, para reclamar o que lhes pertencia.
    Arianne Martell chegou com Drey e Sylva no momento em que o sol
    se punha, com o ocidente transformado numa tapeçaria de ouro e púrpura e
    as nuvens a brilhar em tons de carmim. As ruínas pareciam também ter
    brilho; as colunas caídas projetavam uma luz rosada, sombras rubras
    rastejavam pelos assoalhos rachados de pedra, e as próprias areais iam
    passando de dourado a laranja e a púrpura à medida que a luz se desvanecia.
    Garin chegara algumas horas antes, e o cavaleiro chamado Estrela Negra no
    dia anterior.
    — Isso aqui é lindo — observou Drey enquanto ajudava Garin a dar
    água aos cavalos. Tinham trazido consigo sua própria água. Os corcéis de
    areia de Dorne eram rápidos e incansáveis, e continuavam a avançar longas
    léguas depois dos outros cavalos cederem, mas nem mesmo eles podiam
    passar sem água. — Como soube deste lugar?
    — O meu tio me trouxe aqui, com Tyene e Sarella. — A recordação
    fez Arianne sorrir. — Apanhou algumas víboras e mostrou a Tyene a
    maneira mais segura de obter o seu veneno. Sarella pôs-se a revirar pedras, a
    sacudir areia dos mosaicos, e quis saber tudo o que havia a saber acerca das
    pessoas que tinham vivido aqui.
    — E o que você fez, princesa? — perguntou a Sylva Malhada.
    Sentei-me junto ao poço e fingi que um ladrão tinha me trazido aqui
    para levar-me com ele, pensou, um homem alto e duro com olhos negro e
    cabelo recuado nas têmporas. A recordação deixou-a embaraçada.
    — Sonhei — disse — e quando o sol se pôs sentei-me de pernas
    cruzadas aos pés do meu tio e implorei por uma história.
    — O Príncipe Oberyn era um homem cheio de histórias. — Garin
    também estivera com eles naquele dia; era irmão de leite de Arianne, e os
    dois eram inseparáveis desde antes de aprenderem a andar. — Lembro-me
    dele ter contado a história do Príncipe Garin, aquele em honra do qual me
    deram o nome.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:55 pm

    — Garin, o Grande — disse Drey, — a maravilha de Roine.
    — Esse mesmo. Fez Valíria tremer.
    — Tremeram – disse Sor Gerol — e depois o mataram. Se eu
    levasse um quarto de um milhão de homens para a morte, me chamariam de
    Gerold, o Grande? — Fungou. — Acho que prefiro Estrela Negra. Pelo
    menos o nome é meu. — Desembainhou a sua espada, sentou-se na borda do
    poço seco e pôs-se a amolar a lâmina com uma pedra.
    Arianne observou-o com cuidado. É suficientemente bem-nascido
    para dar um consorte honrado, pensou. O pai questionaria o meu bom
    senso, mas os nossos filhos seriam tão belos como os senhores dos dragões.
    Se existia homem mais bem-apessoado em Dorne, ela não o conhecia. Sor
    Gerold Dayne tinha um nariz aquilino, malares elevados um maxilar forte.
    Mantinha o rosto fechado, mas o cabelo denso caía-lhe até o colarinho como
    um glacial de prata, dividido por uma faixa do negro da meia-noite. Mas tem
    uma boca cruel, e uma língua mais cruel ainda. Ali sentado contra a luz do
    sol moribundo, amolando o aço, os seus olhos pareciam negros, mas ela os
    vira de perto e sabia que eram púrpuros. De um púrpura escuro. Escuro e
    irado.
    Ele deve ter sentido o olhar dela em si, pois levantou os olhos da
    espada, encarou o olhar dela e sorriu. Arianne sentiu o calor subir-lhe ao
    rosto. Nunca deveria tê-lo trazido. Se me olhar deste jeito enquanto Arys
    estiver aqui, teremos sangue na areia. De quem, não saberia dizer. Por
    tradição, os homens da Guarda Real eram os melhores cavaleiros de todos os
    Sete Reinos... mas o Estrela Negra era o Estrela Negra.
    As noites de Dorne tornavam-se frias na areia. Garin arranjou-lhes
    madeira, ramos descorados até se tornarem brancos, provenientes de árvores
    que tinham murchado e morrido há cem anos. Drey acendeu uma fogueira,
    assobiando enquanto fazia saltar faíscas da pederneira.
    Depois da madeira ter pegado fogo, sentaram-se em volta das
    chamas e passaram um odre de vinho do verão de mão em mão... todos
    menos Estrela Negra, que preferiu beber limonada amarga. Garin estava bem
    disposto e entreteve-os com as últimas histórias de Vila Tabueira, na foz do
    Sangueverde onde os órfãos do rio vinham comercializar com as carracas,
    cocas e galés provenientes do outro lado do mar estreito. Se fosse possível
    crer nos marinheiros, o leste fervilhava de maravilhas e terrores: uma revolta
    de escravo em Astapor, dragões em Qarth, praga cinzenta em Yi Ti. Um
    novo rei corsário ascendera nas Ilhas Basilisco e atacara a Vila das Árvores
    Altas, e em Qohor seguidores dos sacerdotes vermelhos tinham-se feito um
    motim e tentado incendiar a Cabra Negra.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:57 pm

    — E a Companhia Dourada quebrou o contato com Myr,
    precisamente no momento em que os myranos se preparavam para declarar
    guerra a Lys.
    — Os lisenos compraram-nos — sugeriu Sylva.
    — Lisenos espertos — disse Drey. — Lisenos esperto e covardes.
    Arianne sabia que não era assim. Se Quentyn tiver a Companhia
    Dourada atrás de si... O seu grito era “Sob o ouro, o aço amargo”. Vai
    precisar de aço amargo e de mais do que isso, irmão, se pensa em me por de
    lado. Arianne era amada em Dorne, Quentyn pouco conhecido. Nenhuma
    companhia de mercenários podia mudar isso.
    Sor Gerold se ergueu.
    — Acho que vou mijar.
    — Olhe por onde pisa — avisou Drey. — Já faz algum tempo que o
    Príncipe Oberyn colheu o veneno das víboras desta zona.
    — Eu fui criado com veneno, Dalt. Qualquer víbora que me picar
    vai ser arrepender. Sor Gerold desapareceu através de uma arcada quebrada.
    Depois de ele ir embora, os outros trocaram olhares.
    — Perdoai-me, princesa — disse Garin em voz baixa — mas não
    gosto daquele homem.
    — É uma pena — disse Drey. — Acho que ele está meio apaixonado
    por você.
    — Precisamos dele — recordou-lhes Arianne. — Pode ser que
    venhamos a ter necessidade de sua espada, e certamente que precisaremos do
    seu castelo.
    — O Alto Ermitério não é o único castelo de Dorne — observou
    Sylva Malhada — e vocês tem outros cavaleiros que lhes querem bem. Drey
    é um cavaleiro.
    — Pois sou — afirmou este. — Tenho um cavalo maravilhoso e uma
    espada muito boa, e meu valor só é inferior a... bem, a vários homens, na
    verdade.
    — Melhor dizendo, várias centenas, sor — disse Garin.
    Arianne deixou-os na brincadeira. Drey e Sylva Malhada eram os
    seus amigos mais queridos, se não contasse com a prima Tyene, e Garin a
    acompanhava desde o tempo que ambos ainda mamavam na mãe dele, mas
    naquele momento não estava com disposição para gracejos. O sol tinha-se
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:58 pm

    posto, e o céu estava cheio de estrelas. Tantas. Encostou as costas em um
    pilar canelado e perguntou a si própria se o irmão estaria a olhar as mesmas
    estrelas naquela noite, estivesse onde estivesse. Vê a branca, Quentyn?
    Aquela é a estrela de Nymeria, a arder, luminosa, e aquela faixa leitosa
    atrás dela, aquilo são dez mil navios. Ela ardeu tanto como qualquer
    homem, e eu farei o mesmo. Não roubará meu direito de nascença!
    Quentyn era muito novo quando fora enviado para Paloferro; novo
    demais, segundo a mãe. Os Norvoshi não criavam os filhos fora de casa, e a
    Senhora Mellario nunca perdoara o Príncipe Doran por afastar seu filho.
    — Não gosto mais disso que você — Arianne ouvira o pai dizer. —
    Mas há uma dívida de sangue, e Quentyn é a única moeda que o Lorde
    Ormond aceitará.
    — Moeda? — gritara a mãe. — Ele é seu filho. Que tipo de pai usa a
    sua carne e o seu sangue para pagar dívidas?
    — O tipo principesco — respondera Doran Martell.
    O príncipe Doran ainda fingia que o irmão se encontrava com o
    Lorde de Yronwood, mas a mãe de Garin o vira em Vila Tabueira,
    disfarçado de mercador. Um dos seus companheiros tinha um olho vesgo, tal
    como Cletus Yronwood, o turbulento filho do Lorde Anders. Um meistre
    também viajava com eles, um meistre conhecedor de línguas. O meu irmão
    não é tão esperto como julga ser. Um homem esperto teria partido de
    Vilavelha, mesmo que isso significasse uma viagem mais longa. Em
    Vilavelha podia ter passado incógnito. Arianne possuía amigos entre os
    órfãos de Vila Tabueira, e alguns tinham ficado curiosos com o motivo que
    levaria um príncipe e um filho de senhor a viajar sob nomes falsos e a
    procurar passagem para o outro lado do mar estreito. Um deles trepara a uma
    janela, arrombara a fechadura do pequeno cofre de Quentyn, e encontrara os
    pergaminhos lá dentro.
    Arianne teria dado muito, e mais ainda, para saber que aquela
    viagem secreta pelo mar estreito fora obra de Quentyn e apenas sua... mas os
    pergaminhos que transportava iam selados com o sol e a lança de Dorne. O
    primo de Garin não se atreverera a quebrar o selo para os ler, mas...
    — Princesa. — Sor Gerold Dayne estava atrás dela, meio iluminado
    pela luz das estrelas e meio escondido pelas sombras.
    — Que tal foi a sua mijada? — perguntou maliciosamente Arianne.
    — A areia ficou devidamente grata. — Dayne pós um pé na cabeça
    de uma estátua que podia ter sido a Donzela até que as areias lhe destruíram
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:58 pm

    os traços do rosto. — Ocorreu-me enquanto mijava que este seu plano pode
    não trazer-lhe o que quer.
    — E o que é que eu quero, Sor?
    — A libertação das Serpentes de Areia. Vingança para Oberyn e
    Elia. Conheço a canção? Quer provar um pouco de sangue de leão.
    Isso, e o meu direito de nascença. Quero Lançassolar e o trono do
    meu pai. Quero Dorne.
    — Quero justiça.
    — Dê-lhe o nome que quiser. Coroar a menina Lannister é um gesto
    sem Substância. Ela nunca ocupará o Trono de Ferro. Nem terá a guerra que
    deseja. O leão não é provocado com essa facilidade.
    — O leão está morto. Quem sabe qual das crias a prefere?
    — Aquela que estiver na sua toca. — Sor Gerold puxou pela espada.
    Cintilou à luz das estrelas, afiada como mentiras. — É com isto que se
    começa uma guerra. Não com uma coroa de ouro, mas com uma lâmina de
    aço.
    Não sou nenhuma assassina de crianças.
    — Guarde isso. Myrcella está sob a minha proteção. E Sor Arys não
    permitirá que algum mal aconteça à sua preciosa princesa, sabe disso.
    — Não, senhora. O que eu sei é que os Dayne andam a matar
    Oakhearts há vários milhares de anos.
    A arrogância do homem deixou-a sem respiração.
    — Parece-me que os Oakheart andam a matar Daynes há tanto
    tempo como o contrário.
    — Todos nós temos as nossas tradições familiares. — Estrela Negra
    embainhou a espada. — A lua vai nascer, e vejo o seu modelo de perfeição
    aproximar-se.
    Os olhos dele eram penetrantes. O cavaleiro no grande palafrém
    cinzento revelou ser realmente Sor Arys, com o manto branco a esvoaçar
    ousadamente enquanto ele esporeava o cavalo pela areia fora. A Princesa
    Myrcella vinha atrás, em montaria dupla, enrolada num roupão com capuz
    que lhe escondia os caracóis dourados.
    No momento em que Sor Arys a ajudou a descer do cavalo, Drey
    caiu sobre um joelho na sua frente.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:58 pm

    — Vossa Graça.
    — Senhora minha suserana —Sylva Malhada ajoelhou ao lado dele.
    — Minha rainha, sou vosso. — Garin caiu sobre ambos os joelhos.
    Confusa, Myrcella agarrou-se ao braço de Arys Oakheart.
    — Porque é que me estão a chamar Graça? — perguntou Myrcella
    em voz lamentosa. — Sor Arys, que sítio é este, e quem são eles?
    Será que ele não lhe disse nada? Arianne avançou num rodopio de
    seda, sorrindo para por a criança à vontade.
    — São meus amigos verdadeiros e leais, Vossa Graça... e querem ser
    também seus amigos.
    — Princesa Arianne? — A menina atirou os braços em volta dela. —
    Porque é que me chamam rainha? Aconteceu algo de mau a Tommen?
    — Ele caiu sob o domínio de homens maus, Vossa Graça — disse
    Arianne — e temo que tenham conspirado com ele para lhe roubar o trono.
    — O trono? Está falando do Trono de Ferro? — A rapariga estava
    mais confusa do que nunca. — Ele não o roubou. Tommen é...
    — ...mais novo do que você, certo?
    — Eu sou um ano mais velha.
    — Isso quer dizer que o Trono de Ferro é seu por direito — disse
    Arianne. — O seu irmão é só um garotinho, não deve culpá-lo. Tem maus
    conselheiros... mas você tem amigos. Posso ter a honra de apresentar-lhe? —
    Pegou na mão da menina. — Vossa Graça, apresento-lhe Sor Andrey Dalt, o
    herdeiro de Limoeiros.
    — Os amigos chamam-me Drey — disse ele — e ficaria muito
    honrado se Vossa Graça fizesse o mesmo.
    Embora Drey tivesse um rosto aberto e um sorriso fácil, Myrcella
    olhou-o com prudência.
    — Até que o conheça, tenho de chamá-lo Sor.
    — Seja qual for o nome que Vossa Graça prefira, eu estou às suas
    ordens.
    Sylva pigarreou, e Arianne disse:
    — Posso apresentar-lhe a Senhora Sylva Santagar, minha rainha? A
    minha querida Sylva Malhada.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 1:59 pm

    — Porque lhe chamam assim? — Perguntou Myrcella.
    — Por causa das minhas sardas, Vossa Graça — respondeu Sylva.
    — Embora todos finjam que é por eu ser herdeira de Matamalhada.
    O seguinte era Garin, um tipo de membros soltos, trigueiro, com um
    longo nariz e um botão de jade numa orelha.
    — Este é o alegre Garin, dos órfãos, que faz me rir — disse Arianne
    — a mãe dele foi a minha ama de leite.
    — Lamento que esteja morta — disse Myrcella.
    — Não está, querida rainha. — Garin mostrou o dente de ouro que
    Arianne lhe comprara para substituir aquele que partira. — O que a minha
    senhora quer dizer é que eu pertenço aos órfãos do Sangueverde.
    Myrcella teria tempo bastante para aprender a história dos órfãos
    durante a Viagem pelo rio acima. Arianne levou a sua futura rainha até ao
    último membro do pequeno bando.
    — Por último, mas primeiro em valor, apresento-lhe Sor Gerold
    Dayne, um cavaleiro de Tombastela.
    Sor Gerold caiu sobre um joelho. O luar brilhou nos seus olhos
    escuros enquanto ele estudava friamente a menina.
    — Houve um Arthur Dayne — disse Myrcella. — Ele foi um
    cavaleiro da Guarda Real nos tempos do Rei Louco Aerys.
    — Era a Espada da Manhã. Está morto.
    — Agora você é a Estrela da Manhã?
    — Não. Os homens chamam-me Estrela Negra, e eu pertenço à
    noite.
    Arianne afastou dele a criança.
    — Deve estar com fome. Temos tâmaras, queijo e azeitonas, e
    limonada doce para beber. Mas não deve comer ou beber demais. Após um
    pequeno descanso, temos de continuar. Aqui na areia é sempre melhor viajar
    de noite, antes do sol subir no céu. É melhor para os cavalos.
    — E para os cavaleiros — disse a Sylva Malhada. — Venha, Vossa
    Graça, se aqueça. Me sentirei honrada se me deixardes os servir.
    Enquanto levava a princesa para junto da fogueira, Arianne sentiu
    Sor Gerold atrás de si.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 2:00 pm

    — A minha Casa existe há dez mil anos, desde a aurora dos tempos
    — protestou ele. — Porque é que o meu primo é o único Dayne de que as
    pessoas se lembram?
    — Ele foi um grande cavaleiro — interveio Sor Arys Oakheart.
    — Tinha uma grande espada — disse o Estrela Negra.
    — E um grande coração. — Sor Arys tomou Arianne pelo braço. —
    Princesa, gostaria de falar com você por um momento.
    — Venha. — Levou Sor Arys mais para dentro das ruínas. Por baixo
    do manto, o cavaleiro usava um gibão de pano de ouro com as três folhas
    verdes de carvalho da sua Casa nele bordadas. Na cabeça trazia um elmo de
    aço ligeiro encimado por um espigão dentilhado, coberto por voltas de um
    lenço amarelo, à moda dornesa. Podia ter passado por um cavaleiro
    qualquer, se não fosse o manto. Era de cintilante seda branca, pálido como o
    luar e imaterial como uma brisa. Um manto da Guarda Real para lá de
    qualquer dúvida, o galante tolo. — O que sabe a garota?
    — Bastante pouco. Antes de deixarmos Porto Real, o tio fez-lhe
    lembrar que eu era seu protetor e que quaisquer ordens que lhe desse se
    destinavam a mantê-la a salvo. Também ela os ouviu nas ruas a gritar por
    vingança. Sabia que isto não era jogo nenhum. A menina é valente, e sábia
    para além da idade. Fez tudo o que lhe pedi, e nunca levantou uma questão.
    — O cavaleiro tomou-lhe o braço, olhou em volta, baixou a voz. — Há
    outras notícias que deve ouvir. Tywin Lannister está morto.
    Aquilo era um choque.
    — Morto?
    — Assassinado pelo Duende. A rainha assumiu a regência.
    — Ah foi? — Uma mulher no Trono de Ferro? Arianne refletiu
    sobre aquilo por um momento e decidiu que tanto melhor. Se os senhores
    dos Sete se acostumassem ao governo da Rainha Cersei, seria muito mais
    fácil dobrar os joelhos à Rainha Myrcella. E Lorde Tywin fora um
    adversário perigoso; sem ele, os inimigos de Dome seriam muito mais
    fracos. Lannister matando Lannisters, que bom. — Que aconteceu ao anão?
    — Fugiu — disse Sor Arys. — Cersei oferece uma senhoria a quem
    quer que lhe entregue a sua cabeça. — Num pátio interior coberto de
    azulejos, meio enterrado pela areia solta, empurrou-a de encontro a uma
    coluna para beijá-la, e a mão subiu-lhe ao seio. Beijou-a longa e
    profundamente e tentou subir-lhe as saias, mas Arianne libertou-se dele,
    rindo.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 2:00 pm

    — Estou a ver que fazer rainhas o excita, sor, mas não temos tempo
    para isto. Mais tarde, prometo. — Tocou-o no rosto. — Encontrou algum
    problema?
    — Só Trystane. Queria sentar-se junto à cama de Myrcella e jogar
    cryvasse com ela.
    — Eu lhes disse que ele teve manchas vermelhas quando tinha
    quatro anos. Só se pode apanhá-las uma vez. Devia ter-lhe dito que Myrcella
    sofria de escamagris, isso teria mantido-o bem longe.
    — Ao rapaz, talvez, mas não ao Meistre de seu pai.
    — Caleotte — disse ela. — Ele tentou vê-la?
    — Depois de eu lhe descrever as manchas vermelhas que ela teria na
    cara, não. Disse que não se podia fazer nada até que a doença seguisse o seu
    caminho, e deu-me um boião de unguento para lhe diminuir a coceira.
    Nunca ninguém com menos de dez anos morrera de manchas
    vermelhas, mas a doença podia ser mortal nos adultos, e Meistre Caleotte
    nunca sofrera dela em criança. Arianne soubera disso quando sofrera das
    suas manchas, aos oito anos.
    — Ótimo — disse. — E a aia? É convincente?
    — À distância. O Duende escolheu-a com este propósito, entre
    muitas garotas de nascimento mais nobre. Myrcella ajudou-a a encaracolar o
    cabelo, e foi ela própria que lhe pintou as manchas na cara. São
    distantemente aparentadas. Lannisporto está cheio de Lannys, Lannetts,
    Lantells e Lannisters menores, e metade deles têm aquele cabelo amarelo.
    Vestida com o roupão de Myrcella com o unguento do meistre espalhado na
    cara até podia me enganar, a uma luz fraca. Foi bastante difícil arranjar um
    homem que tomasse o meu lugar. Dake é o que tem uma altura mais próxima
    da minha, mas é gordo demais, de modo que enfiei Rolder na minha
    armadura e disse-lhe para manter a viseira descida. O homem é sete
    centímetros mais baixo do que eu, mas talvez ninguém repare se não estiver
    nós dois lado a lado. Em todo o caso, não sairá dos aposentos de Myrcella.
    — Não precisamos de mais do que alguns dias. Depois, a princesa
    estará fora do alcance do meu pai.
    — Onde? — Puxou-a para si e esfregou-lhe o nariz no pescoço. —
    Está na hora de me contar o resto do seu plano, não acha?
    Ela riu, afastando-o.
    — Não, está na altura de continuarmos nos cavalos.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 2:00 pm

    A lua coroara a Donzela da Lua quando partiram das ruínas
    poeirentas de Pedramarela, avançando para sudoeste. Arianne e Sor Arys
    tomavam a dianteira, com Myrcella entre os dois, montada numa égua
    fogosa. Garin seguia logo atrás com a Sylva Malhada, enquanto os dois
    cavaleiros dorneses fechavam a retaguarda. Somos sete, pensou Arianne
    enquanto cavalgavam. Não pensara naquilo antes, mas parecia um bom
    presságio para a sua causa. Sete cavaleiros a caminho da glória. Um dia, os
    cantores nos transformaram em imortais. Drey quisera um grupo maior, mas
    isso poderia ter atraído atenções indesejadas, e cada homem adicional
    duplicava o risco de traição. Isso, pelo menos, o meu pai ensinou-me.
    Mesmo quando fora mais jovem e mais forte, Doran Martell fora um homem
    cauteloso muito dado a silêncios e a segredos. É tempo de pousar os seus
    fardos, mas não admitirei desfeitas à sua honra ou à sua pessoa. Ela o
    levaria para seus Jardins de Água, a fim de viver os anos que lhe restassem
    rodeado das gargalhadas de crianças e do cheiro de limas e laranjas. Sim, e
    Quentyn pode fazer-lhe companhia. Depois de coroar Myrcella e libertar as
    Serpentes de Areia, toda Dorne se reunirá sob os meus estandartes. Os
    Yronwood podiam declarar-se por Quentyn, mas sozinhos não constituíam
    ameaça. Se passassem para o lado de Tommen e dos Lannister, fariam com
    que o Estrela Negra os destruísse, das raízes aos ramos.
    — Estou cansada — protestou Myrcella, depois de passar várias
    horas sobre a sela. — Ainda falta muito? Onde vamos?
    — A Princesa Arianne vai levar Vossa Graça para um lugar onde
    estará a salvo — assegurou-lhe Sor Arys.
    — É uma longa viagem — disse Arianne - mas será mais fácil
    depois de chegarmos ao Sangueverde. Alguns dos membros do povo de
    Garin, os órfãos do rio, irão encontrar-se conosco lá. Vivem em barcos, e
    empurram-nos à vara para cima e para baixo ao longo do Sangueverde e dos
    afluentes, pescando e colhendo frutas, e fazendo qualquer trabalho que seja
    preciso fazer.
    — Sim, - gritou alegremente Garin - e cantamos, tocamos e
    dançamos sobre a água, e conhecemos muitas e muitas coisas sobre as artes
    da cura. A minha mãe é melhor parteira de Westeros, e o meu pai sabe curar
    verrugas.
    — Como pode ser órfão se tem pai e mãe? — perguntou a garota.
    — Eles são os roinares — explicou Arianne — e a Mãe deles era o
    rio Roine.
    Myrcella não compreendeu.
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 2:00 pm

    — Pensava que vocês eram os roinares. Os dorneses, quero dizer.
    — Somos em parte, Vossa Graça. Tenho em mim o sangue de
    Nymeria, bem como o de Mors Martell, o lorde dornês com quem ela casou.
    No dia do casamento, Nymeria pôs fogo nos seus navios, para que o seu
    povo compreendesse que não podia haver regresso. A maioria ficou feliz por
    ver aquelas chamas, pois as suas viagens tinham sido longas e terríveis até
    chegarem a Dorne, e muitos e mais ainda tinham sido perdidos para
    tempestades, doenças e escravatura. Houve uns poucos que choraram,
    porém. Não gostaram desta terra seca e vermelha nem do seu deus de sete
    deuses, e agarraram-se aos seus costumes antigos, construíram barcos com
    os cascos dos navios queimados, e transformaram-se nos órfãos do
    Sangueverde. A Mãe nas suas canções não é a nossa Mãe, mas sim a Mãe
    Roine, cujas águas os alimentaram desde a aurora dos tempos.
    — Tinha ouvido dizer que os roinares tinham um deus tartaruga
    qualquer - disse Sor Arys.
    — O Velho de Rio é um deus menor — disse Garin. — Também
    nasceu da Mãe Rio, e lutou contra o Rei Caranguejo para conquistar o
    domínio sobre todos os que vivem sob a corrente.
    — Oh — disse Myrcella.
    — Ouvi dizer que você também travou algumas grandes batalhas,
    Vossa Graça — disse Drey na sua voz mais alegre. — Diz-se que não
    mostrou qualquer misericórdia para com o nosso valente Príncipe Trystanne
    na mesa de cryvasse.
    — Ele põe os quadrados sempre da mesma maneira, com todas as
    montanhas à frente e os elefantes nos passos — disse Myrcella. — De modo
    que eu mando o meu dragão para comer os elefantes dele.
    — A sua aia também sabe jogar? — perguntou Drey.
    — Rosamund? — perguntou Myrcella. — Não. Tentei lhe ensinar,
    mas ela disse que as regras eram muito difíceis.
    — Ela também é uma Lannister? — Perguntou a Senhora Sylva.
    — É uma Lannister de Lanisporto, não uma Lannister de Rochedo
    Casterly. Tem o cabelo da cor do meu, mas é liso em vez de encaracolado.
    Rosamund realmente não me favorece, mas quando se veste com a minha
    roupa as pessoas que não nos conhecem julgam que ela sou eu.
    — Então já fez isto antes?
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    Mensagem  Admin Sáb Jun 23, 2012 2:00 pm

    — Oh, sim. Trocamos de lugar no Mar Ligeiro, a caminho de
    Bravos. A Septã Eglantine pôs-me tinta castanha no cabelo. Disse que
    faríamos isso como um jogo, mas a idéia era manter-me a salvo, para o caso
    do navio ser capturado pelo meu tio Stannis.
    A garota estava claramente cansada, de modo que Arianne resolveu
    parar. Voltaram a dar água aos cavalos, descansaram durante algum tempo, e
    comeram um pouco de queijo e fruta. Myrcella dividiu uma laranja com
    Sylva Malhada, enquanto Garin comeu azeitonas e cuspiu os caroços para
    cima de Drey.
    Arianne tivera esperança de chegar ao rio antes do nascer do sol,
    mas tinham voltado a cavalgar muito mais tarde do que planejara, e ainda
    estavam nas selas quando o céu do oriente ficou vermelho. Estrela Negra
    aproximou-se dela a meio galope.
    — Princesa — disse — eu seguiria a um ritmo mais elevado, a
    menos que afinal de contas queira matar a garota. Não temos tendas, e de dia
    as areias são cruéis.
    — Eu conheço as areias tão bem como você, sor — disse-lhe
    Arianne. Apesar disso, fez o que ele sugerira. Era duro para as montarias,
    mas seria melhor perder seis cavalos do que uma princesa.
    Em breve, o vento chegou em rajadas do oeste, quente, seco e cheio
    de areia. Arianne cobriu o rosto com o véu. Era feito de uma seda
    tremeluzente, verde-clara em cima e amarela em baixo, com as cores a
    fundindo uma na outra. Pequenas pérolas verdes davam-lhe peso, e
    cantavam baixinho quando mexia.
    — Sei porque é que a minha princesa usa um véu - disse Sor Arys no
    momento em que ela o prendia às têmporas do seu elmo de cobre. — Se
    assim não fosse, a sua beleza brilharia no céu mais do que o sol.
    Arianne teve de rir.
    — Não, a sua princesa usa um véu para manter a luminosidade
    afastada dos olhos e a areia afastada da boca. Deveria fazer o mesmo, sor. —
    Perguntou a si própria quanto tempo teria levado o seu cavaleiro branco a
    polir aquele laborioso galanteio. Sor Arys era uma companhia agradável na
    cama, mas ele e o espírito se conheciam.
    Os seus dorneses cobriram os rostos tal como ela, e Sylva Malhada
    ajudou a velar a pequena princesa contra o sol, mas Sor Arys permaneceu
    obstinado. Não demorou muito até o suor começar a escorrer pela cara e as
    faces tomarem um rubor rosado. Muito mais e ele cozinhará naquela roupa
    pesada, refletiu ela. Não seria o primeiro. Em séculos anteriores, muitas

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