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    O Festim dos Corvos

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    O Festim dos Corvos - Página 19 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:27 pm

    ráfia e cabanas miseráveis feitas de lama e bocados de madeira sujavam o
    imaculado mármore branco. Estavam até aninhados nos degraus, sob as altas
    portas do Grande Septo. Sor Osmund regressou a trote para junto dela. A seu
    lado seguia Sor Osfryd, montado num garanhão tão dourado como o seu
    manto. Osfryd era o Kettleblack do meio, mais calado do que os irmãos,
    mais inclinado a franzir a sobrancelha do que a sorrir. E também mais cruel,
    se as histórias forem verdadeiras. Talvez devesse tê-lo enviado para a
    Muralha.
    O Grande Meistre Pycelle quisera um homem mais velho, “mais
    experiente nos usos da guerra”, para comandar os homens de mantos
    dourados, e vários dos outros conselheiros tinham concordado com ele.
    — Sor Osfryd tem suficiente experiência — dissera-lhes, mas nem
    mesmo isso os calara. Ladram-me como uma matilha de cãezinhos
    irritantes. Já praticamente esgotara a paciência com Pycelle. O homem até
    tivera a temeridade de levantar objeções quando falara em mandar buscar um
    mestre de armas em Dorne, com o argumento de que isso poderia ofender os
    Tyrell.
    — Porque julgais que eu o estou a fazer? — perguntara-lhe
    desdenhosamente.
    — Perdão, Vossa Graça — disse Sor Osmund.
    — O meu irmão chamou mais homens de mantos dourados.
    Abriremos uma passagem, não tenha medo.
    — Não tenho tempo. Prosseguirei a pé.
    — Por favor, Vossa Graça. Taena pegou-lhe no braço. — Eles
    assustamıme. São centenas, e tão sujos.
    Cersei beijouılhe o rosto.
    — O leão não teme o pardal… mas é bom que os preocupem. Eu sei
    que gosta bastante de mim, senhora. Sor Osmund, tenha a bondade de me
    ajudar a descer. — Se soubesse que ia ter de caminhar, teria me vestido a
    rigor. Trazia um vestido branco fendido com pano de ouro, rendado mas
    recatado. Tinham-se passado vários anos desde a última vez que o envergara,
    e a rainha achava-o desconfortavelmente apertado na cintura.
    — Sor Osmund, Sor Meryn, acompanhem-me. Sor Osfryd, assegurese
    de que nada de mal aconteça à minha liteira. — Alguns dos pardais
    pareciam suficientemente descarnados e de olhos vazios para lhe comer os
    cavalos.
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    O Festim dos Corvos - Página 19 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:27 pm

    Enquanto abria caminho através da multidão esfarrapada, passando
    pelas suas fogueiras, carroças e rudes abrigos, a rainha deu por si a recordar
    outra multidão que um dia se reunira naquela praça. No dia em que casara
    com Robert Baratheon, milhares tinham aparecido para os aclamar. Todas as
    mulheres usavam as suas melhores roupas, e metade dos homens tinham
    crianças aos ombros. Quando emergira de dentro do septo, de mão dada com
    o jovem rei, a multidão soltara um rugido tão ruidoso que poderia ter sido
    ouvido em Lannisporto.
    — Eles gostam bastante de você, senhora — murmurara-lhe Robert
    ao ouvido. — Veja, todos os rostos estão a sorrir.
    Durante aquele curto momento, fora feliz no casamento… até calhar
    deitar um relance a Jaime. Não, lembrava-se de ter pensado, não são todos
    os rostos, senhor. Ninguém estava agora a sorrir. Os olhares que os pardais
    lhe deitavam eram mortiços, carrancudos, hostis. Abriam caminho, mas com
    relutância . Se fossem mesmo pardais, um grito os teria posto a voar. Uma
    centena de homens de mantos dourados com bordões, espadas e maças
    limparia esta gentalha bem depressa. Seria isso que Lorde Tywin teria feito.
    Ele teria cavalgado por cima deles, em vez de caminhar através da
    populaça. Quando viu o que tinham feito a Baelor, o Adorado, a rainha teve
    motivos para se arrepender do seu coração suave. A grande estátua de
    mármore, que levara cem anos a sorrir serenamente sobre a praça, estava
    enterrada até à cintura numa pilha de ossos e crânios. Alguns dos crânios
    mostravam bocados de carne ainda agarrada. Um corvo encontrava-se
    pousado em num desses crânios, desfrutando de um banquete seco e com
    uma consistência de couro. Havia moscas por todo o lado.
    — Que significa isto? — perguntou Cersei à multidão. — Pretendem
    enterrar o Abençoado Baelor numa montanha de carniça?
    Um homem perneta deu um passo em frente, apoiado numa muleta
    de madeira.
    — Vossa Graça, esses são os ossos de homens e mulheres santos,
    assassinados devido à sua fé. Septões, septãs, irmãos castanhos, pardos e
    verdes, irmãs brancas, azuis e cinzentas. Alguns foram enforcados, outros
    esventrados. Septos foram pilhados, donzelas e mães violadas por homens
    ímpios e adoradores de demônios. Até irmãs silenciosas foram molestadas.
    A Mãe no Céu chora em angústia. Trouxemos os seus ossos de todo o reino
    até aqui, para servir de testemunho à agonia da Santa Fé.
    Cersei sentia o peso dos olhos em cima de si.
    — O rei saberá dessas atrocidades — respondeu solenemente.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:27 pm

    — Tommen partilhará de sua indignação. Isto é obra de Stannis e da
    sua bruxa vermelha, e dos nortenhos selvagens que adoram árvores e lobos.
    Ergueu a voz.
    — Bom povo, os vossos mortos serão vingados!
    Alguns aclamaram, mas só alguns.
    — Não pedimos vingança pelos nossos mortos — disse o perneta —
    apenas proteção para os vivos. Para os septos e lugares santos.
    — O Trono de Ferro tem de defender a Fé — resmungou um
    corpulento labrego com uma estrela de sete pontas pintada na testa.
    — Um rei que não protege o seu povo não é rei nenhum. —
    Murmúrios de assentimento ergueram-se daqueles que o rodeavam. Um
    homem teve a temeridade de agarrar no pulso de Sor Meryn e dizer:
    — É tempo de todos os cavaleiros ungidos renunciarem aos seus
    senhores terrenos e defenderem a nossa Santa Fé. Junte-se a nós, sor, se
    amas os Sete.
    — Tire as mãos de cima de mim — disse Sor Meryn, libertando-se
    com uma sacudidela.
    — Estou ouvindo — disse Cersei. — O meu filho é jovem, mas ama
    bastante os Sete. Terão a sua proteção e a minha.
    O homem com a estrela na testa não se mostrou aplacado.
    — O Guerreiro iria nos defender — disse — não esse rapaz-rei
    gordo. Meryn Trant estendeu a mão para a espada, mas Cersei parou-o antes
    que a desembainhasse. Tinha apenas dois cavaleiros no meio de um mar de
    pardais. Via bordões e gadanhas, clavas e mocas, vários machados.
    — Não quero sangue derramado neste lugar sagrado, sor. — Porque
    serão todos os homens umas crianças tão grandes? Abate-o, e os outros irão
    desfazer-nos membro a membro.
    — Somos todos filhos da Mãe. Venha, Sua Alta Santidade nos
    espera.
    Mas ao abrir caminho na direção dos degraus do septo, um bando de
    homens armados saiu e bloqueou as portas. Usavam cota de malha e couro
    fervido, com um bocado de placa amolgada de aço aqui e ali. Alguns traziam
    lanças e outros espadas. Eram mais os que preferiam os machados, e tinham
    estrelas vermelhas cosidas nos seus sobretudos branqueados. Dois deles
    tiveram a insolência de cruzar as lanças e barrarılhe a passagem.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:28 pm

    — É assim que recebem a sua rainha? — perguntou-lhes. — Digamme,
    onde estão Raynard e Torbert?
    Não era hábito desses dois perderem uma oportunidade para a
    adular. Torbert fazia sempre alarde de se pôr de joelhos para lhe lavar os pés.
    — Não conheço os homens de quem fala — disse um dos homens
    com uma estrela vermelha no sobretudo — mas se pertencerem à Fé, sem
    dúvida que os Sete tiveram necessidade dos seus serviços.
    — O Septão Raynard e o Septão Torbert pertencem aos Mais
    Devotos — disse Cersei — e ficarão furiosos quando souberem que me
    obstruíram a passagem. Pretende negar-me a entrada no septo sagrado de
    Baelor?
    — Vossa Graça — disse um homem de barba grisalha com um
    ombro curvado. — Você é bem vinda aqui, mas os seus homens deverão
    deixar ficar os cintos das espadas. Não são permitidas armas lá dentro, por
    ordens do Alto Septão.
    — Cavaleiros da Guarda Real não põem de lado as suas espadas,
    nem mesmo na presença do rei.
    — Na casa do rei, deverá reinar a palavra do rei — respondeu o
    cavaleiro idoso — mas esta é a casa dos deuses.
    A cor subiu-lhe ao rosto. Bastaria dizer uma palavra a Meryn Trant e
    aquele grisalho de costas arqueadas iria encontrar-se com os seus deuses
    mais cedo do que talvez preferisse. Mas aqui não. Agora não.
    — Esperem por mim — disse secamente à Guarda Real. Sozinha,
    subiu os degraus. Os lanceiros descruzaram as lanças. Outros dois homens
    encostaram o seu peso às portas, e elas afastaram-se com um grande rangido.
    No Salão das Lâmpadas, Cersei foi encontrar uma vintena de septões
    de joelhos, mas não em oração. Tinham baldes de água e sabão, e estavam a
    esfregar o chão. As suas vestes de tecido grosseiro e sandálias levaram
    Cersei a toma-los por pardais, até que um deles ergueu a cabeça. Tinha a
    cara vermelha como uma beterraba, e bolhas rebentadas sangravam nas suas
    mãos.
    — Vossa Graça.
    — Septão Raynard? — A rainha quase não conseguia crer no que
    estava a ver. — O que faz de joelhos?
    — Está a limpar o chão. — O homem que falou era vários
    centímetros mais baixo do que a rainha e magro como um pau de vassoura.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:28 pm

    — O trabalho é uma forma de prece, muito do agrado do Ferreiro. — O
    homem pôs-se em pé, de escova na mão. — Vossa Graça. Temos estado à
    sua espera. A barba do homem era grisalha e castanha e cortada curta, o
    cabelo atado num nó apertado por trás da cabeça. Embora as vestes que
    envergava estivessem limpas, estavam também puídas e remendadas.
    Enrolara as mangas até aos cotovelos enquanto esfregara o chão, mas abaixo
    dos joelhos o pano estava encharcado em água. A cara era fortemente
    pontiaguda, com olhos encovados de um castanho de lama. Os pés dele estão
    nus, viu Cersei, consternada. E também eram hediondos, umas coisas duras e
    coriáceas, tornadas grossas por calos.
    — És a Sua Alta Santidade?
    — Somos.
    Pai, daí-me forças. A rainha sabia que devia ajoelhar, mas o chão
    estava molhado com sabão e água suja, e ela não desejava estragar o vestido.
    Deitou um relance aos velhos de joelhos.
    — Não vejo o meu amigo, o Septão Torbert.
    — O Septão Torbert foi confinado a uma cela de penitente, a pão e
    água. É um pecado que um homem seja tão gordo quando metade do reino
    passa fome.
    Cersei já aguentara o suficiente por um dia. Deixou-o ver a sua ira.
    — É assim que me cumprimenta? Com uma escova na mão, a pingar
    água? Sabeis quem eu sou?
    — Vossa Graça é a Rainha Regente dos Sete Reinos — disse o
    homem — mas na Estrela de Sete Pontas está escrito que tal como os
    homens se dobram perante os seus senhores e os senhores perante os seus
    reis, assim os reis e as rainhas devem dobrar-se perante os Sete Que São Um
    Só. — Estará ele a dizer-me para ajoelhar? Se assim fosse, não a conhecia
    muito bem.
    — O certo seria que tivésseis ido cumprimentar-me na escada, com
    as suas melhores vestes e a coroa de cristal na cabeça.
    — Não temos qualquer coroa, Vossa Graça.
    A sua sobrancelha franziu-se mais.
    — O senhor meu pai deu ao seu antecessor uma coroa de rara
    beleza, trabalhada em cristal e ouro tecido.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:28 pm

    — E por essa dádiva honramo-lo nas nossas preces — disse o Alto
    Septão — mas os pobres precisam mais de comida na barriga do que nós
    precisamos de ouro e cristal na cabeça. Essa coroa foi vendida. O mesmo
    aconteceu às outras que tínhamos nas caves, bem como a todos os nossos
    anéis e vestes de pano de ouro e prata. A lã manterá os homens igualmente
    quentes. Foi para isso que os Sete nos deram as ovelhas.
    Ele é completamente louco. Os Mais Devotos deviam estar também
    loucos, para elegerem aquela criatura… loucos ou aterrorizados pelos
    pedintes que lhes batiam à porta. Os informadores de Qyburn diziam que o
    Septão Luceon estava a nove votos da eleição quando aquelas portas tinham
    cedido, e uma torrente de pardais entrara no Grande Septo, com o seu líder
    aos ombros e machados nas mãos.
    Fitou o homenzinho com um olhar gelado.
    — Há algum lugar onde possamos falar com mais privacidade,
    Vossa Santidade?
    O Alto Septão entregou a escova a um dos Mais Devotos.
    — Se Vossa Graça nos quiser seguir… Levou-a através das portas
    interiores, entrando no septo propriamente dito. Os passos de ambos
    ecoaram no chão de mármore. Partículas de pó dançavam nos feixes de luz
    colorida que entravam em diagonal pelos vitrais da grande cúpula. Incenso
    adoçava o ar, e ao lado dos sete altares brilhavam velas como se fossem
    estrelas. Um milhar tremeluzia para a Mãe e quase outras tantas para a
    Donzela, mas era possível contar as velas do Estranho com duas mãos e
    ainda se ficaria com dedos por usar. Até aquele local os pardais tinham
    invadido. Uma dúzia de cavaleiros andantes mal vestidos estava ajoelhada
    perante o Guerreiro, suplicando-lhe que abençoasse as espadas que tinham
    empilhado aos seus pés. No altar da Mãe, um septão liderava as preces de
    uma centena de pardais, com vozes tão distantes como ondas a bater na
    costa. O Alto Septão levou Cersei até onde a gelha erguia a sua lanterna.
    Quando ajoelhou perante o altar, ela não teve outra hipótese que não fosse
    ajoelhar a seu lado. Misericordiosamente, aquele Alto Septão não era tão
    prolixo como o gordo fora. Suponho que deva sentir-me grata por isso. Sua
    Alta Santidade não fez qualquer movimento para se erguer quando terminou
    a prece. Parecia que teriam de conferenciar de joelhos. Um estratagema de
    homem pequeno, pensou, divertida.
    — Alta Santidade — disse — estes pardais estão a assustar a cidade.
    Quero que vão embora.
    — Para onde irão , Vossa Graça?
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:28 pm

    Há sete infernos, qualquer um servirá.
    — Para o lugar de onde vieram, imagino.
    — Eles vieram de todo o lado. Tal como o pardal é o mais humilde e
    comum dos pássaros, eles são os mais humildes e comuns dos homens. —
    Eles são comuns, pelo menos nisso concordamos.
    —Viu o que fizeram à estátua do Abençoado Baelor? Eles
    conspurcam a praça com os seus porcos, cabras e dejetos noturnos.
    — É mais fácil lavar dejetos noturnos do que sangue, Vossa Graça.
    Se a praça foi conspurcada, foi pela execução que aqui aconteceu. — Ele
    atreve-se a atirar-me Ned Stark à cara?
    — Todos a lamentamos. Joffrey era jovem, e não tão sensato como
    poderia ser. Lorde Stark devia ter sido decapitado noutro lugar, por respeito
    ao Abençoado Baelor… mas o homem era um traidor, que não o
    esqueçamos.
    — O Rei Baelor perdoou aqueles que conspiraram contra si. — O
    Rei Baelor aprisionou as suas próprias irmãs, cujo único crime era serem
    belas. Da primeira vez que Cersei ouvira contar essa história, dirigira-se ao
    berçário de Tyrion e beliscara o monstrinho até o pôr a chorar.
    Devia ter-lhe apertado o nariz e enfiado uma meia na sua boca.
    Forçou-se a sorrir.
    — O Rei Tommen também perdoará aos pardais, depois de eles
    regressarem a suas casas.
    — A maior parte deles perdeu a casa. Há sofrimento por todo o
    lado… e luto, e morte. Antes de vir para Porto Real, cuidava de meia centena
    de aldeolas, demasiado pequenas para terem o seu próprio septo. Caminhava
    de uma aldeia até à seguinte, celebrando casamentos, absolvendo pecadores
    dos seus pecados, batizando crianças recém nascidas. Essas aldeias já não
    existem, Vossa Graça. Ervas daninhas e espinheiros crescem onde os jardins
    em tempos floriram, e ossos juncam as bermas das estradas.
    — A guerra é uma coisa terrível. Essas atrocidades são obra dos
    nortenhos, e de Lorde Stannis e seus adoradores de demônios.
    — Alguns dos meus pardais falam de bandos de leões que os
    espoliaram… e do Cão de Caça, que era um homem juramentado a você. Em
    Salinas matou um septão idoso e atacou uma rapariga de doze anos, uma
    criança inocente prometida à Fé. Usou a armadura enquanto a violava, e a
    terna carne da menina foi rasgada e esmagada pelo ferro da cota de malha.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:29 pm

    Quando acabou, deu-a aos seus homens, que lhe cortaram o nariz e os
    mamilos.
    — Sua Graça não pode ser responsabilizada pelos crimes de todos os
    homens que um dia serviram a Casa Lannister. Sandor Clegane é um traidor
    e um bruto. Porque julga que o demiti do meu serviço? Ele agora luta pelo
    fora da lei Beric Dondarrion, não pelo Rei Tommen.
    — É como diz. E no entanto tenho que perguntar o seguinte: por
    onde andavam os cavaleiros do rei quando estas coisas estavam a acontecer?
    Não é verdade que Jaehaerys, o Conciliador, um dia jurou pelo próprio
    Trono de Ferro que a coroa protegeria e defenderia sempre a Fé?
    Cersei não fazia ideia do que Jaehaerys, o Conciliador, poderia ter
    jurado.
    — É verdade — concordou — e o Alto Septão abençoou-o e ungiu-o
    como rei. É tradicional que cada novo Alto Septão dê ao rei a sua bênção…
    e no entanto você se recusou a abençoar o Rei Tommen.
    — Vossa Graça está enganada. Nós não recusamos.
    — Não veio.
    — A hora ainda não está madura.
    É um sacerdote, ou um vendedor de hortaliças?
    — E o que poderei eu fazer para a tornar… mais madura? — Se ele
    se atrever a mencionar ouro, lidarei com este como lidei com o último, e
    encontrarei um piedoso miúdo de oito anos para usar a coroa de cristal.
    — O reino está cheio de reis. Para que a Fé exalte um acima dos
    demais temos de ter a certeza. Há trezentos anos, quando Aegon, o Dragão,
    desembarcou no sopé desta mesma colina, o Alto Septão trancou-se no
    interior do Septo Estrelado de Vilavelha e rezou durante sete dias e sete
    noites, sem ingerir nada além de pão e água. Quando saiu, anunciou que a Fé
    não se oporia a Aegon e às irmãs, pois a Velha erguera a sua lanterna e
    mostrara-lhe o caminho em frente. Se Vilavelha pegasse em armas contra o
    Dragão, Vilavelha arderia, e a Torre alta, a Cidadela e o Septo Estrelado
    seriam derrubados e destruídos. Lorde Hightower era um homem devoto.
    Quando ouviu a profecia, manteve as suas forças em casa e abriu os portões
    da cidade a Aegon quando ele chegou. E Sua Alta Santidade ungiu o
    Conquistador com os sete óleos. Eu devo fazer o que ele fez, há trezentos
    anos. Devo rezar e jejuar.
    — Durante sete dias e sete noites?
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:29 pm

    — Durante o tempo que for necessário.
    Cersei sentiu vontade de esbofetear a solene e pia cara do homem.
    Podia te ajudar a jejuar, pensou. Podia trancar-te em alguma torre e
    assegurar-me de que ninguém te traria comida até os deuses falarem.
    — Aqueles falsos reis abraçam falsos deuses — fez-lhe lembrar.
    — Só o Rei Tommen defende a Santa Fé.
    — E no entanto, os septos são queimados e saqueados por toda a
    parte. Até irmãs silenciosas foram violadas, gritando a sua angústia até ao
    céu. Vossa Graça viu os ossos e crânios dos nossos santos mortos?
    — Vi — teve de dizer. — Dai a Tommen a sua bênção, e poremos
    fim a essas afrontas.
    — E como farei tal coisa, Vossa Graça? Enviará um cavaleiro para
    percorrer as estradas com cada irmão mendicante? Irá nos dar homens para
    defender as nossas septãs contra os lobos e os leões?
    Vou fazer de conta que não falou de leões.
    — O reino está em guerra. Sua Graça tem necessidade de todos os
    homens. —Cersei não tencionava esbanjar as forças de Tommen para fazer
    de ama seca a pardais, ou para proteger as conas enrugadas de um milhar de
    septãs. Metade delas estão provavelmente a rezar por uma boa violação.
    — Os seus pardais têm cacetes e machados. Que eles defendam a si
    próprios.
    — As leis do Rei Maegor proíbem-no, como Vossa Graça deve
    saber. Foi por decreto seu que a Fé pousou as espadas.
    — Agora o rei é Tommen, não Maegor. — Que lhe importava o que
    Maegor, o Cruel, decretara trezentos anos antes? Em vez de tirar as espadas
    das mãos dos fiéis, devia tê-las usado para os seus próprios fins. Apontou
    para onde o Guerreiro se erguia por cima do seu altar de mármore vermelho.
    — O que é que ele tem na mão?
    — Uma espada.
    — Ele esqueceu-se de como usa-la?
    — As leis de Maegor...
    —... podem ser desfeitas. — Deixou aquilo pairar entre ambos,
    esperando que o Alto Septão engolisse a isca.
    Ele não a desiludiu.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:29 pm

    — A Fé Militante renascida… isso seria a resposta para trezentos
    anos de preces, Vossa Graça. O Guerreiro voltaria a erguer a sua espada
    brilhante e limparia este pecaminoso reino de todo o mal. Se Sua Graça me
    permitisse restaurar as antigas ordens abençoadas da Espada e da Estrela,
    todos os homens devotos dos Sete Reinos saberiam que ele é o nosso senhor
    legítimo e verdadeiro. — Aquilo era bom de ouvir, mas Cersei teve o
    cuidado de não parecer muito ávida.
    — Vossa Alta Santidade falou há pouco de perdão. Nestes tempos
    conturbados, o Rei Tommen ficaria muito grato se pudesse arranjar maneira
    de perdoar a dívida da coroa. Parece-me que devemos à Fé cerca de
    novecentos mil dragões.
    — Novecentos mil, seiscentos e setenta e quatro dragões. Ouro que
    poderia alimentar os famintos e reconstruir um milhar de septos.
    — É ouro o que deseja? — perguntou a rainha. — Ou será que
    prefere ver aquelas poeirentas leis de Maegor postas de lado?
    O Alto Septão refletiu naquilo por um momento.
    — Como quiser. Essa dívida será perdoada, e o Rei Tommen terá a
    sua bênção. Os Filhos do Guerreiro irão me escoltar até ele, brilhando na
    glória da sua Fé, enquanto os meus pardais partem para defender os dóceis e
    humildes do mundo, renascidos como Pobres Irmãos, como antigamente. —
    A rainha pôs-se em pé e alisou as saias.
    — Mandarei preparar os papéis, e Sua Graça irá assina-los e dar-lhes
    o selo real. — Se havia alguma parte de ser rei que Tommen adorava, era
    brincar com o seu selo.
    — Que os Sete protejam Sua Graça. Que tenha um longo reinado.
    O Alto Septão fez das mãos um campanário e ergueu os olhos para o
    céu.
    — Que os malvados tremam!
    Esta a ouvir isto, Lorde Stannis? Cersei não conseguiu impedir-se de
    sorrir. Nem mesmo o senhor seu pai poderia ter se saído melhor. De um
    golpe, livrara Porto Real da praga dos pardais, assegurara a bênção de
    Tommen, e diminuíra a dívida da coroa em quase um milhão de dragões.
    Tinha o coração a pairar bem alto quando permitiu que o Alto Septão a
    acompanhasse de regresso ao Salão das Lâmpadas. A Senhora Merryweather
    partilhou o deleite da rainha, embora nunca tivesse ouvido falar dos Filhos
    do Guerreiro ou dos Pobres Irmãos.
    — Datam de antes da Conquista de Aegon — explicou-lhe Cersei.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:29 pm

    — Os Filhos do Guerreiro eram uma ordem de cavaleiros que
    renunciavam às suas terras e ouro e juramentavam as espadas a Sua Alta
    Santidade. Os Pobres Irmãos… eram mais humildes, apesar de muito mais
    numerosos. Uma espécie de irmãos mendicantes, embora transportassem
    machados em vez de tigelas. Vagueavam pelas estradas, escoltando viajantes
    de septo em septo e de vila em vila. O seu símbolo era a estrela de sete
    pontas, vermelha sobre branco, de modo que o povo simples lhes chamava
    Estrelas. Os Filhos do Guerreiro usavam mantos arco-íris e armadura
    embutida de prata por cima de cilícios, e traziam cristais em forma de estrela
    nos botões do punho das espadas. Esses eram as Espadas. Homens santos,
    ascetas, fanáticos, feiticeiros, matadores de dragões, caçadores de
    demônios… havia muitas histórias acerca deles. Mas todos concordam que
    eram implacáveis no seu ódio por todos os inimigos da Santa Fé. — A
    Senhora Merryweather compreendeu de imediato.
    — Inimigos tais como Lorde Stannis e a sua feiticeira vermelha,
    talvez?
    — Ora, sim, por acaso — disse Cersei, rindo-se como uma menina.
    — Encetamos um jarro de hipocraz e bebemos ao fervor dos Filhos
    do Guerreiro no caminho para casa?
    — Ao fervor dos Filhos do Guerreiro e ao brilhantismo da Rainha
    Regente. A Cersei, a Primeira do Seu Nome!
    O hipocraz era tão doce e saboroso como o triunfo de Cersei, e a
    liteira da rainha pareceu quase flutuar enquanto atravessava a cidade de volta
    à Fortaleza Vermelha. Mas na base da Colina de Aegon, encontraram
    Margaery Tyrell e as primas, que regressavam de um passeio. Ela segue-me
    onde quer que eu vá, pensou Cersei, aborrecida, quando pôs os olhos na
    pequena rainha. Atrás de Margaery vinha uma longa comitiva de cortesãos,
    guardas e criados, muitos dos quais carregados com cestos de flores frescas.
    Cada uma das primas trazia um admirador a reboque; o espigado escudeiro
    Alyn Ambrose acompanhava Elinor, à qual se encontrava prometido, Sor
    Tallad vinha com a tímida Alla, e Mark Mullendore, com o seu único braço,
    seguia com Megga, rechonchuda e risonha. Os gêmeos Redwyne escoltavam
    duas das outras damas de Margaery, Meredith Crane e Janna Fossoway.
    Todas as mulheres traziam flores no cabelo. Jalabhar Xho também se juntara
    ao grupo, tal como Sor Lambert Turnberry com a sua pala, e o bem parecido
    cantor conhecido como Bardo Azul. E claro que um cavaleiro da Guarda
    Real tem de acompanhar a pequena rainha, e claro que é o Cavaleiro das
    Flores. Numa armadura de escamas brancas com embutidos de ouro, Sor
    Loras resplandecia. Embora já não tomasse a liberdade de treinar Tommen
    no manejo das armas, o rei ainda passava muito mais tempo do que devia na
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:30 pm

    sua companhia. De todas as vezes que o rapaz regressava de uma tarde
    passada com a sua pequena esposa, tinha alguma nova história a contar
    acerca de algo que Sor Loras dissera ou fizera. Margaery saudou-os quando
    as duas colunas se encontraram e se pôs ao lado da liteira da rainha. Tinha as
    bochechas rosadas, e os caracóis castanhos caiam-lhe livremente em volta
    dos ombros, agitados por cada sopro de vento.
    — Temos estado a colher flores de outono na mata do rei — disselhes.
    Eu sei onde estiva, pensou a rainha. Os seus informantes eram muito
    bons em mantê-la ao corrente dos movimentos de Margaery. É uma rapariga
    tão inquieta, a nossa pequena rainha. Raramente deixava que se passassem
    mais de dois dias sem que fosse passear a cavalo. Certos dias cavalgava ao
    longo da estrada de Rosby à caça de conchas e para comer junto ao mar.
    Outras vezes levava a comitiva para a outra margem do rio, para passar uma
    tarde a fazer falcoaria. A pequena rainha gostava também de sair de barco,
    velejando para cima e para baixo ao longo da Torrente da Água Negra sem
    nenhum objetivo em particular. Quando estava a sentir-se piedosa, deixava o
    castelo para ir rezar ao Septo de Baelor. Dava freguesia a uma dúzia de
    costureiras diferentes, era bem conhecida entre os ourives da cidade, e até
    visitara o mercado de peixe perto do Portão da Lama para dar uma olhadela
    à captura do dia. Onde quer que fosse, o povo adulava-a, e a Senhora
    Margaery fazia o que podia para alimentar o seu ardor. Andava sempre a dar
    esmolas a pedintes, a comprar tortas quentes nas carroças dos pasteleiros, e a
    refrear o cavalo para falar com mercadores comuns.
    Se dependesse dela, teria posto Tommen a fazer também todas essas
    coisas. Andava eternamente a convida-lo para a acompanhar e às suas
    galinhas nas suas aventuras, e o rapaz andava eternamente a suplicar à mãe
    licença para ir. A rainha dera o seu consentimento algumas vezes, quanto
    mais não fosse para permitir que Sor Osney passasse mais algumas horas na
    companhia de Margaery. E de muito isso serviu. Osney revelou-se um
    penoso desapontamento.
    — Lembra do dia em que a sua irmã zarpou para Dorne? —
    perguntara Cersei ao filho. — Recorda dos uivos da turba quando
    voltávamos para o castelo? Das pedras, das pragas?
    Mas o rei mostrara-se surdo ao bom senso, graças à sua pequena
    rainha.
    — Se nos misturarmos com os plebeus, eles gostarão mais de nós.
    — A turba gostou tanto do Alto Septão gordo que o desfez um
    membro de cada vez, e ele era um homem santo — fizera-lhe lembrar. Tudo
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:30 pm

    o que conseguira fora deixa-lo amuado consigo. Tal como Margaery quer,
    aposto. Tenta roubar-me todos os dias e de todas as maneiras. Joffrey teria
    visto para lá do seu sorriso de intriguista e a faria ficar consciente do seu
    lugar, mas Tommen era mais ingênuo. Ela sabia que Joff era forte demais
    para si, pensou Cersei, lembrando-se da moeda de ouro que Qyburn
    encontrara. Para a Casa Tyrell ter esperança de governar, ele tinha de ser
    tirado do caminho. Recordou-se de que Margaery e a sua hedionda avó
    tinham em tempos conspirado para casar Sansa Stark com o irmão aleijado
    da pequena rainha, Willas. Lorde Tywin antecipara-se, casando Sansa com
    Tyrion, mas a ligação estava lá. Estão todos juntos na intriga, compreendeu
    com um sobressalto. Os Tyrell subornaram os carcereiros para libertar
    Tyrion, e levaram-no à pressa pela estrada das rosas abaixo para ir se
    juntar à sua desprezível noiva. Por esta altura estão os dois a salvo em
    Jardim de Cima, escondidos por trás de uma muralha de rosas.
    — Devia ter vindo conosco, Vossa Graça — tagarelou a pequena
    intriguista enquanto subiam a encosta da Colina de Aegon. — Podíamos ter
    passado umas horas tão agradáveis juntas. As árvores estão vestidas de
    dourado, vermelho e laranja, e há flores por todo o lado. E castanhas
    também. Assamos algumas no caminho de regresso.
    — Não tenho tempo para cavalgar pelos bosques e colher flores —
    disse Cersei. — Tenho um reino a governar.
    — Só um, Vossa Graça? Quem governa os outros seis? — Margaery
    soltou uma alegre gargalhadinha. — Espero que perdoe o meu gracejo. Eu
    conheço o fardo que suporta. Devia deixar-me partilhar a carga. Deve haver
    algumas coisas que eu possa fazer para te ajudar. Acabaria com todo este
    falatório sobre você e eu rivalizarmos pelo rei.
    — É isso o que se diz? — Cersei sorriu. — Que tontice. Nunca a
    olhei como uma rival, nem por um momento.
    — Agrada-me tanto ouvir isso. — A rapariga não parecia perceber
    que fora golpeada. — Você e Tommen tende de vir conosco da próxima vez.
    Eu sei que Sua Graça adoraria. O Bardo Azul tocou para nós, e Sor Tallad
    nos mostrou como lutar com um bastão, como o povo luta. Os bosques são
    tão lindos no outono.
    — O meu falecido esposo também adorava a floresta. — Nos anos
    iniciais do seu matrimônio, Robert andava eternamente a implorar para que
    Cersei fosse à caça com ele, mas ela sempre pedira dispensa. As viagens de
    caça dele permitiam-lhe passar tempo com Jaime. Dias de ouro e noites de
    prata. A dança que os dois tinham dançado fora decerto perigosa. Dentro da
    Fortaleza Vermelha havia olhos e ouvidos por todo o lado e nunca se podia
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:30 pm

    ter a certeza de quando Robert regressaria. De algum modo, o perigo só
    servira para fazer com que o tempo passado juntos fosse ainda mais
    emocionante. — Mesmo assim, a beleza pode por vezes esconder um perigo
    mortal — preveniu a pequena rainha. — Robert perdeu a vida na floresta.
    Margaery sorriu a Sor Loras; um sorriso doce e fraternal, cheio de
    carinho.
    —Vossa Graça é gentil por temer por mim, mas o meu irmão me
    mantém bem protegida.
    Vá caçar, dissera Cersei a Robert meia centena de vezes. O meu
    irmão me mantém bem protegida. Recordou o que Taena lhe dissera horas
    antes e uma gargalhada saltou-lhe dos lábios.
    — Vossa Graça tem um riso tão lindo. — A Senhora Margaery
    deitou-lhe um sorriso zombeteiro. — Podemos saber qual é a piada?
    — Saberá — disse a rainha. — Garanto a você que saberá.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 12:29 pm

    O Pirata

    Os tambores marcavam um ritmo de batalha enquanto o Vitória de
    Ferro se precipitava em frente, rompendo com o esporão as agitadas
    águas verdes.
    O navio menor, à sua frente, estava virando de bordo, chicoteando o
    mar com os remos. Rosas agitavam-se nos seus estandartes; à proa e à popa
    com uma rosa branca num escudete vermelho, no topo do mastro uma
    dourada num campo tão verde como relva. O Vitória de Ferro varreu-lhe o
    flanco com tanta força que metade do destacamento de abordagem perdeu o
    equilíbrio. Remos partiram-se e se fizeram em lascas, doce música para os
    ouvidos do capitão.
    Saltou sobre o talabardão, caindo convés abaixo, com o manto
    dourado ondeando atrás de si. As rosas brancas recuaram como os homens
    faziam sempre que viam Victarion Greyjoy armado e couraçado, de rosto
    escondido atrás do elmo em forma de lula gigante. Seguravam espadas,
    lanças e machados, mas nove em dez não trazia armadura, e o décimo tinha
    apenas um saião de escamas cosidas umas às outras. Estes não são homens
    de ferro, pensou Victarion. Ainda têm medo de se afogar.
    — Apanhem-no! — Gritou um homem. — Ele está sozinho!
    — VENHAM! — Rugiu em resposta. — Venham me matar, se
    conseguirem!
    Os guerreiros das rosas convergiram de todos os lados, com aço
    cinzento nas mãos e terror por trás dos olhos. O seu medo estava tão maduro
    que Victarion conseguia saboreá-lo. Golpeou à esquerda e à direita,
    decepando o braço do primeiro homem pelo cotovelo, abrindo uma grande
    fenda no ombro do segundo. O terceiro enterrou o machado no escudo de
    pinheiro de Victarion. Empurrou-o contra a cara do idiota, derrubou-o, e o
    matou quando tentou voltar a pôr-se de pé. Enquanto lutava por libertar o
    machado das costelas do morto, uma lança picou-o entre as omoplatas. Foi
    como se alguém lhe tivesse dado uma palmada nas costas. Victarion
    rodopiou e atirou o machado contra a cabeça do lanceiro, sentindo o impacto
    no braço quando o aço cortou com estrondo elmo, cabelo e crânio.
    O homem cambaleou durante meio segundo, até o capitão de ferro
    libertar o aço e empurrar o cadáver que partiu cambaleando pelo convés
    afora, sem força nos membros, parecendo mais bêbado do que morto. Por
    essa altura, os seus nascidos no ferro tinham-no seguido até o convés do
    dracar quebrado. Ouviu o Wulfe-Uma-Orelha soltar um uivo quando se
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:36 pm

    lançou ao trabalho, vislumbrou Ragnor Pyke com a sua cota de malha
    enferrujada, viu Nute, o Barbeiro, fazendo um machado de arremesso
    rodopiar pelo ar e ir atingir um homem no peito. Victarion matou outro
    homem, e depois mais um. Teria matado um terceiro, mas Ragnor abateu-o
    primeiro.
    — Bom golpe — berrou-lhe Victarion.
    Quando se virou em busca da próxima vítima do seu machado, viu o
    outro capitão do outro lado do convés. Tinha o sobretudo branco manchado
    de sangue e tripas, mas Victarion conseguia distinguir o brasão que trazia ao
    peito, a rosa branca dentro do seu escudete vermelho. O homem ostentava o
    mesmo símbolo no escudo, num campo branco com uma bordadura ameiada
    de vermelho.
    — Você! — Gritou o capitão de ferro através da carnificina. —
    Você, o da rosa! Seria você o senhor de Escudosul?
    O outro ergueu a viseira para mostrar um rosto sem barba.
    — O seu filho e herdeiro, Sor Talbert Serry. E quem é você, lula?
    — A sua morte! — Victarion investiu contra ele.
    Serry saltou para defrontá-lo. A sua espada era de bom aço forjado
    em um castelo, e o jovem cavaleiro a fazia cantar. O seu primeiro golpe foi
    baixo, e Victarion afastou-o com o machado. O segundo atingiu o capitão de
    ferro no elmo antes de ter tempo de erguer o escudo. Victarion respondeu
    com um golpe lateral com o machado. O escudo de Serry interpôs-se.
    Voaram lascas de madeira, e a rosa branca fendeu-se de cima a baixo com
    um belo e penetrante crac. A espada do jovem cavaleiro bateu-lhe na coxa,
    uma, duas, três vezes, gritando contra o aço. Este rapaz é rápido,
    compreendeu o capitão de ferro. Atingiu a cara de Serry com o escudo, e o
    fez cambalear para trás, de encontro ao talabardão. Victarion ergueu o
    machado e pôs todo o seu peso no golpe, para rasgar o rapaz do pescoço às
    virilhas, mas Serry rodopiou para longe. A cabeça do machado esmagou-se
    contra a amurada, fazendo voar lascas, e ficou presa quando tentou libertá-la.
    O convés moveu-se sob os seus pés e o homem de ferro caiu sobre um
    joelho.
    Sor Talbert jogou fora o escudo quebrado e lançou um corte vertical
    com a espada. O escudo de Victarion tinha feito metade da rotação quando
    ele tropeçara. Apanhou a lâmina de Serry com um punho de ferro. Aço
    articulado foi esmagado, e uma punhalada de dor o fez soltar um grunhido,
    mas Victarion agüentou.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:36 pm

    — Eu também sou rápido, rapaz — disse enquanto arrancava a
    espada das mãos do cavaleiro e a atirava ao mar.
    Os olhos de Sor Talbert esbugalharam-se.
    — A minha espada…
    Victarion atingiu o rapaz na garganta com um punho ensanguentado.
    — Vai buscá-la — disse, forçando-o a cair de costas, por cima da
    amurada para dentro da água manchada de sangue. Com aquilo conseguiu
    uma pausa para soltar o machado. As rosas brancas estavam recaindo
    perante a maré de ferro. Alguns tentavam fugir para dentro do navio,
    enquanto outros gritavam por trégua. Victarion sentia sangue quente
    escorrendo pelos seus dedos, por baixo da cota de malha, do couro e do aço
    articulado, mas isso não era nada. Do outro lado do mastro, um espesso nó
    de inimigos continuava lutando, resistindo, ombro a ombro, num anel.
    Aqueles pelo menos são homens. Preferem morrer a se render.
    Victarion iria conceder a alguns esse desejo. Bateu no escudo com o
    machado e abateu sobre eles.
    O Deus Afogado não esculpira Victarion Greyjoy para lutar com
    palavras em assembleias de homens livres, nem para combater contra
    inimigos furtivos e dissimulados em países intermináveis. Era para aquilo
    que foi posto na terra; para avançar vestido de aço com um machado
    manchado de sangue na mão, oferecendo a morte a cada golpe.
    Atacaram-no pela frente e pelas costas, mas, pelo dano que lhe
    causaram as espadas bem podiam ter sido chibatas de salgueiro. Não havia
    lâmina capaz de atravessar o aço pesado de Victarion Greyjoy, e ele não
    dava aos inimigos tempo suficiente para encontrarem os pontos fracos nas
    juntas, onde apenas cota de malha e couro o protegiam. Quer três homens o
    assaltassem, ou quatro, ou cinco; não fazia diferença. Matava-os um de cada
    vez, confiando no aço para protegê-lo dos outros. Quando um inimigo caía,
    virava a sua fúria para o seguinte. O último homem que enfrentou devia ter
    sido um ferreiro; os ombros pareciam os de um touro, e um deles era muito
    mais musculoso do que o outro. A sua armadura era uma brigantina
    tachonada e um boné de couro fervido. O único golpe que deu completou a
    destruição do escudo de Victarion, mas a estocada que este atirou em
    resposta lhe abriu a cabeça em duas.
    Seria bom se pudesse lidar com o Olho de Corvo com esta
    simplicidade.
    Quando voltou a libertar o machado, o crânio do ferreiro pareceu
    arrebentar. Osso, sangue e cérebro saltaram para todo o lado, e o cadáver
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:36 pm

    caiu para frente, contra as suas pernas. Tarde demais para suplicar agora
    por tréguas, pensou Victarion enquanto se desembaraçava do morto. A essa
    altura, o convés encontrava-se escorregadio sob os seus pés, e os mortos e
    moribundos jaziam em pilhas por todos os lados. Jogou escudo fora e
    encheu os pulmões de ar.
    — Senhor capitão — ouviu o Barbeiro dizer a seu lado. — O dia é
    nosso.
    A toda a volta, o mar estava cheio de navios. Alguns ardiam, outros
    se afundavam, outros tinham sido feitos em lascas. Entre os cascos, a água
    estava espessa como guisado, cheia de cadáveres, ramos quebrados e
    homens agarrados aos destroços. À distância, meia dúzia dos dracares dos
    homens do sul corriam de volta ao Vago. Que vão, pensou Victarion, que
    contem a história. Depois de um homem virar as costas e fugir da batalha,
    deixava de ser um homem.
    Os seus olhos ardiam do suor que neles entrara durante a luta. Dois
    dos seus remadores ajudaram-no a desprender o elmo da lula gigante para
    que pudesse tirá-lo. Victarion limpou a testa.
    — Aquele cavaleiro — resmungou. — O cavaleiro da rosa branca.
    Algum de vocês o puxou para fora? O filho de um senhor valeria um resgate
    considerável; do pai, se o Lord Serry tivesse sobrevivido àquele dia. Do seu
    suserano em Jardim de Cima talvez.
    Mas nenhum dos seus homens tinha visto o que acontecera ao
    cavaleiro depois de ir borda afora. O mais provável era que o homem tivesse
    se afogado.
    — Que se banqueteie tão bem como lutou, nos salões aquáticos do
    Deus Afogado. — Embora os homens das Ilhas Escudo chamassem a si
    mesmos marinheiros, cruzavam os mares aterrorizados e seguiam levemente
    vestidos para a batalha, com medo do afogamento. O jovem Serry fora
    diferente. Um homem corajoso pensou Victarion. Quase um nascido no
    ferro.
    Entregou o navio capturado a Ragnor Pyke, nomeou uma dúzia de
    homens para tripulá-lo, e subiu de volta para o seu Vitória de Ferro.
    — Despe os cativos de armas e armaduras e cure os seus ferimentos,
    — disse a Nute, o Barbeiro. — Atire os moribundos ao mar. Se algum pedir
    misericórdia, corte-lhe a garganta primeiro. — Só sentia desprezo por
    homens assim; era melhor afogar-se em água do mar do que em sangue. —
    Quero uma contagem dos navios que ganhamos e de todos os cavaleiros e
    fidalgos que capturamos. Também quero os seus estandartes. — Um dia os
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:36 pm

    penduraria no seu salão, para que quando se tornasse velho e frágil, pudesse
    recordar-se de todos os inimigos que matara quando era jovem e forte.
    — Será feito — Nute fez um sorriso. — É uma bela vitória.
    Sim, pensou. Uma grande vitória para o Olho de Corvo e os seus
    feiticeiros.
    Os outros capitães voltariam a gritar o nome do irmão quando as
    notícias chegassem a Escudo Escudorroble. Euron seduzira-os com a sua
    língua fluente e olho sorridente e prendera-os à sua causa com o saque de
    meia centena de terras distantes; ouro e prata, armaduras ornamentadas,
    espadas curvas com botões de punho dourados, punhais de aço valiriano,
    peles listradas de tigres e de gatos malhados, mantícoras de jade e antigas
    esfinges valirianas, arcas de noz moscada, cravinho e açafrão, presas de
    marfim e chifres de unicórnio, penas verdes, cor de laranja e amarelas vindas
    do Mar do Verão, rolos de boa seda e cintilante samito… E, no entanto isso
    tudo era quase nada, comparado com isto. Agora, deu lhes conquista, e são
    seus de uma vez por todas, pensou o capitão. O sabor que tinha na língua era
    amargo. Esta vitória foi minha, não dele. Onde estava ele? Em Escudo de
    Carvalho, dormindo num castelo. Roubou-me a esposa e me roubou o trono,
    e agora me rouba a glória.
    A obediência era natural para Victarion Greyjoy; nascera nela.
    Crescendo até à idade adulta à sombra dos irmãos, seguira obedientemente
    Balon em tudo o que ele fizera. Mais tarde, quando os filhos de Balon
    nasceram, foi aos poucos aceitando a ideia de um dia também ajoelhar
    perante eles, quando um tomasse o lugar do pai na Cadeira da Pedra do Mar.
    Mas o Deus Afogado chamara Balon e os filhos para os seus salões
    aquáticos, e Victarion não conseguia chamar “rei” a Euron sem sentir o
    gosto da bílis na garganta. O vento estava tornando-se mais fresco, e sentia
    uma sede furiosa.
    Depois de uma batalha desejava sempre vinho. Entregou o convés a
    Nute e desceu. Na sua apertada cabine de ré, foi encontrar a mulher morena,
    úmida e pronta; a batalha talvez tivesse também a ela aquecido o sangue.
    Tomou-a por duas vezes, em rápida sucessão. Quando terminaram,
    havia sangue espalhado pelos seus seios, coxas e barriga, mas era sangue
    dele, proveniente do golpe que tinha na palma da mão. A morena lavou-o
    com vinagre fervido.
    — O plano era bom, admito — disse Victarion quando ela se
    ajoelhou ao seu lado. — O Vago está agora aberto para nós, como estava
    antigamente. — O rio era indolente, largo, lento e traiçoeiro com recifes e
    bancos de areia. A maior parte das embarcações marítimas não se atrevia a
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:36 pm

    navegar para lá de Jardim de Cima, mas os dracares, com os seus baixos
    calados, podiam subir até Pontamarga. Nos tempos antigos, os nascidos no
    ferro tinham velejado ousadamente pela estrada do rio e feito pilhagens ao
    longo de todo o Vago e dos seus afluentes… até que os reis da mão verde
    armaram os pescadores das quatro pequenas ilhas ao largo da foz do Vago e
    os nomearam seus escudos.
    Tinham-se passado dois mil anos, mas nas torres de vigia ao longo
    das suas costas escarpadas os grisalhos ainda mantinham a antiga vigília. Ao
    primeiro vislumbre de dracares, os velhos acendiam as suas fogueiras
    sinalizadoras, e o chamado saltava de monte em monte e de ilha em ilha.
    Medo! Inimigos! Atacantes! Atacantes! Quando os pescadores viam as
    fogueiras ardendo nos montes altos, punham de lado as redes e os arados e
    pegavam nas espadas e machados. Os seus senhores saíam em corrida dos
    castelos, servidos por cavaleiros e homens de armas. Cornetas de guerra
    ecoavam sobre as águas, vindos de Escudoverde e Escudogris, de
    Escudorroble e Escudossul, e os seus dracares deslizavam das enseadas de
    pedra coberta de musgo ao longo das costas, com os remos relampejando
    enquanto atravessavam em nuvens os estreitos e iam selar o Vago e
    perseguir e assolar os atacantes rio acima até à sua destruição.
    Euron mandara Torwold Browntooth e o Remador Vermelho para o
    Vago com uma dúzia de dracares rápidos, para que os senhores das Ilhas
    Escudo partissem em perseguição. Quando a frota principal chegara, só
    restava uma mão cheia de guerreiros defendendo as ilhas propriamente ditas.
    Os nascidos no ferro tinham vindo na maré do fim da tarde, para que
    o clarão do poente os mantivesse escondidos dos grisalhos nas torres de
    vigia até ser tarde demais. Tinham o vento pelas costas, como estivera ao
    longo de toda a viagem desde Velha Wyk. Murmurava-se na frota que os
    feiticeiros de Euron tinham mais do que muito a ver com isso, que o Olho de
    Corvo apaziguava o Deus da Tempestade com sacrifícios de sangue. De que
    outra forma se atreveria a velejar até tão longe para oeste, em vez de seguir a
    linha da costa como era costume? Os nascidos no ferro encalharam os seus
    dracares nas praias de cascalho e jorraram para o crepúsculo púrpura com
    aço cintilando nas mãos. A essa altura, as fogueiras já ardiam nos locais
    elevados, mas poucos tinham ficado para trás para pegar em armas.
    Escudogris, Escudo verde e Escudosul caíram antes de o Sol nascer. Escudo
    de Carvalho resistiu mais meio dia. E quando os homens dos Quatro Escudos
    desistiram da perseguição movida a Torwold e ao Remador Vermelho e
    viraram para jusante, foram encontrar a Frota de Ferro à sua espera na foz do
    Vago.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:37 pm

    — Tudo aconteceu como Euron disse — disse Victarion à morena
    enquanto ela lhe ligava a mão com linho. — Os seus feiticeiros devem tê-lo
    visto. — O irmão tinha três a bordo do Silêncio, confidenciara Quellon
    Humble num murmúrio. — Mas ainda precisa de mim para travar as suas
    batalhas — insistiu Victarion. — Os feiticeiros podem ser muito bons, mas é
    o sangue e o aço que vence as guerras. — O vinagre fez o ferimento doer
    mais do que nunca. Afastou a mulher com um empurrão e fechou o punho,
    carrancudo. — Traga-me vinho.
    Bebeu na escuridão, matutando no irmão. Se não der o golpe com a
    minha própria mão, serei na mesma um fratricida? Não havia homem que
    Victarion temesse, mas a maldição do Deus Afogado fazia-o hesitar. Se for
    outro a abatê-lo às minhas ordens, o seu sangue manchará também as
    minhas mãos? Aeron Cabelo Molhado saberia a resposta, mas o sacerdote
    estava em algum lugar nas Ilhas de Ferro, ainda com esperança de amotinar
    os nascidos no ferro contra o seu rei recém coroado. Nute, o Barbeiro, é
    capaz de barbear um homem com um machado arremessado de vinte metros
    de distância. E nenhum dos mestiços de Euron conseguiria resistir a Wulfe
    Uma Orelha ou a Andrik, o Sério. Qualquer deles poderia fazer. Mas sabia
    que o que um homem pode fazer e o que um homem quer fazer eram duas
    coisas diferentes.
    — As blasfêmias de Euron farão cair à fúria do Deus Afogado sobre
    todos nós — profetizara Aeron, ainda em Velha Wyk. — Temos de detê-lo,
    irmão. Ainda somos do sangue de Balon, não somos?
    — Ele também é — dissera Victarion. — Não gosto disto mais do
    que você, mas Euron é o rei. A sua assembleia de homens livres elegeu-o, e
    foi você mesmo quem lhe pôs na cabeça a coroa de madeira trazida pelo
    mar!
    — Eu coloquei a coroa na cabeça — dissera o sacerdote, com algas a
    pingar no cabelo. — E de bom grado voltaria a arrancá-la e te coroaria no
    seu lugar. Só você tem força suficiente para lutar contra ele.
    — Foi o Deus Afogado que o elevou — protestara Victarion. — Que
    seja o Deus Afogado a derrubá-lo.
    Aeron deitara-lhe um olhar sinistro, o olhar que tinha fama de tornar
    imprópria a água de poços e deixar estéreis as mulheres.
    — Não foi o deus que falou. Sabe-se que Euron tem feiticeiros e
    magos malignos naquele seu navio vermelho. Eles atiraram algum feitiço
    sobre nós, para não conseguirmos ouvir o mar. Os capitães e os reis estavam
    bêbados com toda aquela conversa de dragões.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:37 pm

    — Bêbados, ou com medo daquele corno. Ouviu o som que ele fez.
    Mas não importa. Euron é o nosso rei.
    — Meu não — declarara o sacerdote. — O Deus Afogado ajuda os
    valentes, não aqueles que se aninham dentro dos navios quando a tempestade
    chega. Se não quer se mexer para remover o Olho de Corvo da Cadeira da
    Pedra do Mar, tenho de ser eu a pôr as mãos à obra.
    — Como? Não tem navios e não tem espadas.
    — Tenho a minha voz — respondeu o sacerdote. — E o deus está
    comigo. É minha a força do mar, uma força à qual o Olho de Corvo não
    pode esperar resistir. As ondas podem quebrar-se na montanha, mas
    continuam a vir onda atrás de onda, e no fim só restarão pedregulhos onde
    esteve a montanha. E em breve até os pedregulhos serão varridos para longe,
    para o chão sob o mar para toda a eternidade.
    — Pedregulhos? — Resmungara Victarion. — Está louco se pensa
    em derrubar o Olho de Corvo com conversas sobre ondas e pedregulhos.
    — Os nascidos no ferro serão as ondas — dissera o Cabelo
    Molhado. — Não os grandes e senhores, mas o povo simples, os que lavram
    a terra e os que pescam no mar. Os capitães e os reis fizeram subir Euron,
    mas o povo o derrubará. Irei a Grande Wyk, a Harlaw, a Montrasgo, à
    própria Pyke. As minhas palavras serão ouvidas em cada vila e aldeia.
    Nenhum homem sem deus pode sentar-se na Cadeira da Pedra do Mar! —
    Abanara a cabeça peluda e penetrara a passos largos na noite. Quando o sol
    se ergueu no dia seguinte, Aeron Greyjoy desaparecera da Velha Wyk. Nem
    mesmo os seus afogados sabiam para onde. Dizia-se que o Olho de Corvo se
    limitara a rir quando o disseram.
    Embora o sacerdote tivesse desaparecido, os seus terríveis avisos
    tinham ficado. Victarion deu-se a lembrar-se também das palavras de Baelor
    Blacktyde. “Balon era louco, Aeron é mais louco ainda, e Euron é o mais
    louco de todos.” O jovem senhor tentara zarpar para casa após a assembléia
    de homens livres, recusando-se a aceitar Euron como suserano. Mas a Frota
    de Ferro fechara a baía, pois o hábito da obediência estava profundamente
    enraizado em Victarion Greyjoy, e Euron usava a coroa de madeira trazida
    pelo mar. O Voador da Noite fora apreendido, e o Lord Blacktyde entregue
    agrilhoado ao rei. Os mudos e mestiços de Euron tinham-no cortado em sete
    partes, para alimentar os sete deuses das terras verdes que ele adorara. Como
    recompensa pelo seu leal serviço, o recém coroado rei dera a Victarion a
    morena, roubada de algum mercador de escravos a caminho de Lys.
    — Não quero nenhuma das suas sobras — dissera desdenhosamente
    ao irmão, mas quando o Olho de Corvo dissera que a mulher seria morta se
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:37 pm

    não a aceitasse, fraquejara. A língua dela tinha sido arrancada, mas tirando
    essa parte o restante estava intacto, e era também bela, com uma pele tão
    castanha como teca oleada. Mas por vezes, quando a olhava, dava-se
    lembrando da primeira mulher que o irmão lhe dera, para fazer dele um
    homem.
    Victarion quis voltar a usar a morena, mas achou-se incapaz.
    — Vai me buscar outro odre de vinho — disse. E depois saia.
    Quando ela regressou com um odre de um tinto amargo, o capitão
    levou-o para o convés, onde podia respirar o ar limpo do mar. Bebeu metade
    do odre e despejou o resto no mar para todos os homens que tinham morrido.
    O Vitória de Ferro permaneceu durante horas ao largo da foz do
    Vago. Enquanto a maior parte da Frota de Ferro se punha a caminho de
    Escudorroble, Victarion manteve o Luto, o Lorde Dagon, o Vento de Ferro e
    a Desgraça da Donzela ao seu redor como retaguarda. Içaram sobreviventes
    do mar, e viram o Mão Dura afundar lentamente, arrastada para o fundo pelo
    destroço que abalroara. Quando o navio desapareceu sob as águas, Victarion
    tinha a contagem que pediu. Perdeu seis navios, e capturou trinta e oito.
    — Servirá — disse a Nute. — Aos remos. Regressamos à Vila do
    Lorde Hewett.
    Os remadores esforçaram as costas em direção a Escudorroble, e o
    capitão de ferro voltou a ir para baixo.
    — Podia matá-lo — disse à morena. — Embora seja um grande
    pecado matar um rei, e um pecado pior matar um irmão. — Franziu as
    sobrancelhas. — Asha teria me dado a sua voz. — Como ela podia ter
    esperado conquistar os capitães e os reis com as suas pinhas e nabos? O
    sangue de Balon corre-lhe nas veias, mas não deixa de ser uma mulher.
    Fugiu após a assembleia dos homens livres. Na noite em que a coroa de
    madeira trazida pelo mar foi colocada na cabeça de Euron, ela e a sua
    tripulação tinham desaparecido. Uma pequena parte de Victarion sentia-se
    satisfeita com isso. Se a mulher mantiver a cabeça no lugar, casará com
    algum lorde nortenho e viverá com ele no seu castelo, longe do mar e de
    Euron Olho de Corvo.
    — A Vila do Lorde Hewett, Senhor Capitão! — Gritou um
    tripulante.
    Victarion ergueu-se. O vinho abafara o latejar na sua mão. Talvez a
    levasse ao meistre de Hewett para que a visse, se o homem não tivesse sido
    morto. Regressou ao convés no momento em que dobravam um
    promontório.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:37 pm

    O modo como o castelo do Lorde Hewett se erguia por cima do
    porto fez-lhe lembrar Fidalporto, embora aquela vila fosse duas vezes maior.
    Uma vintena de dracares patrulhava as águas para lá da enseada,
    com a lula gigante dourada balançando em suas velas. Centenas e outros
    navios encontravam-se encalhados ao longo das praias de cascalho e içados
    para os pontões que rodeavam o porto. Num cais de pedra viam-se três
    grandes cocas e uma dúzia de outros menores, embarcando saque e
    provisões.
    Victarion deu ordens para o Vitória de Ferro largar âncora.
    — Mande preparar um bote.
    A vila parecia estranhamente parada quando se aproximaram. A
    maior parte das lojas e casas tinham sido saqueadas, como as suas portas
    arrombadas e portadas quebradas testemunhavam, mas só o septo foi
    incendiado. As ruas estavam apinhadas de cadáveres, todos eles com um
    pequeno bando de gralhas pretas prestando-lhes assistência. Um bando de
    taciturnos sobreviventes deslocava-se entre eles, afastando as aves negras e
    atirando os mortos para um carro a fim de serem enterrados. A ideia encheu
    Victarion de repugnância. Nenhum verdadeiro filho do mar quereria
    apodrecer debaixo da terra. Como encontraria os salões aquáticos do Deus
    Afogado, para beber e banquetear-se por toda a eternidade?
    O Silêncio encontrava-se entre os navios por que passaram. O olhar
    de Victarion foi atraído para a sua figura de proa em ferro, a donzela sem
    boca com o cabelo soprado pelo vento e braço estendido. Os seus olhos de
    madrepérola pareceram segui-lo. Ela tinha uma boca como qualquer outra
    mulher, até o Olho de Corvo costurá-la.
    Ao se aproximarem da costa, reparou numa fila de mulheres e
    crianças que eram pastoreadas para o convés de uma das grandes cocas.
    Algumas tinham as mãos atadas atrás das costas, e todas usavam laços de
    corda de cânhamo em torno do pescoço.
    — Quem são? — Perguntou aos homens que ajudaram a amarrar o
    seu bote.
    — Viúvas e órfãos. Vão ser vendidas como escravas.
    — Vendidas? — Não havia escravos nas Ilhas de Ferro, havia
    apenas servos. Um servo estava obrigado a servir, mas não era um bem. Os
    seus filhos nasciam livres, desde que fossem entregues ao Deus Afogado. E
    os servos nunca eram comprados ou vendidos em troca de ouro. Se um
    homem não pagasse o preço de ferro por servos, não tinha nenhum. —
    Deveriam ser servas, ou esposas de sal — protestou Victarion.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:37 pm

    — É por decreto do rei — disse o homem.
    — Os fortes sempre tiraram aos fracos — disse Nute, o Barbeiro. —
    Servas ou escravas, não tem importância. Os seus homens não foram capazes
    de defendê-las, portanto agora são nossas, para fazermos com elas o que
    quisermos.
    O Costume Antigo não é assim, podia ter dito, mas não houve tempo.
    A sua vitória precedera-o, e os homens estavam a se reunindo à sua volta
    para lhe dar os parabéns. Victarion deixou-os adulá-lo, até que um se pôs a
    elogiar a ousadia de Euron.
    — É ousado velejar longe de vista de terra, para que nenhuma
    notícia da nossa aproximação chegasse a estas ilhas antes de nós —
    resmungou. — Mas atravessar metade do mundo para ir caçar dragões, isso é
    outra coisa. — Não esperou resposta, e abriu caminho através da
    aglomeração e dirigiu-se à fortaleza.
    O castelo do Lorde Hewett era pequeno, mas forte, com
    paredes espessas e portões de carvalho com rebites que evocavam as antigas
    armas da sua Casa, um escudete de carvalho com rebites de ferro sobre um
    fundo ondulado de azul e branco. Mas era a lula gigante de Greyjoy que
    flutuava agora no topo das suas torres de telhados verdes, e foram encontrar
    os grandes portões queimados e partidos. Nas ameias caminhavam homens
    de ferro com lanças e machados, e também alguns dos mestiços de Euron.
    No pátio, Victarion encontrou Gorold Goodbrother e o velho
    Drumm, conversando em voz baixa com Rodrik Harlaw. Nute, o Barbeiro,
    soltou um grito ao vê-los.
    — Leitor! — Gritou. — Por que a cara de preocupação? Os seus
    receios não serviram de nada. O dia é nosso e é nossa a recompensa!
    A boca de Lorde Rodrik franziu-se.
    — Fala destes rochedos? Os quatro juntos não chegam a fazer uma
    Harlaw. Conquistamos algumas pedras, árvores e bugigangas, e a inimizade
    da Casa Tyrell.
    — As rosas? — Nute soltou uma gargalhada. — Que rosa pode
    causar dano às lulas gigantes das profundezas? Tiramos-lhes os escudos, e os
    fizemos todos em pedaços. O que os protegerá agora?
    — Jardim de Cima. — Respondeu o Leitor. — Em breve, todo o
    poderio da Campina será reunido contra nós, Barbeiro, e então pode ser que
    fique sabendo que há rosas com espinhos de aço.

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