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    O Festim dos Corvos

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    O Festim dos Corvos - Página 20 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:37 pm

    Drumm anuiu com a cabeça, com uma mão no cabo da sua Rubra
    Chuva.
    — Lord Tarly usa a espada Veneno do Coração, forjada de aço
    valiriano, e está sempre na vanguarda Tyrell.
    A ira de Victarion estalou.
    — Que venha. Tornarei minha a espada dele, tal como o vosso
    antepassado tomou a Rubra Chuva. Que venham todos, e que tragam
    também os Lannister. Um leão pode ser bastante feroz em terra, mas no mar
    é a lula gigante que tem o poder supremo. — Daria metade dos dentes pela
    hipótese de experimentar o machado contra o Regicida ou o Cavaleiro das
    Flores. Era esse o tipo de batalha que compreendia. O regicida era
    amaldiçoado aos olhos dos deuses e dos homens, mas o guerreiro era
    honrado e reverenciado.
    — Não tenha medo, Senhor Capitão. — Disse o Leitor. — Todos
    eles virão. Sua Graça deseja-o. Por que outro motivo nos teria ordenado que
    deixássemos voar os corvos de Hewett?
    — Você lê demais e não luta o suficiente — disse Nute. — O seu
    sangue é leite. — Mas o Leitor fingiu que não ouviu.
    Um festim tempestuoso desenrolava-se quando Victarion entrou no
    salão. Filhos do ferro enchiam as mesas bebendo, gritando e empurrando-se
    uns aos outros, vangloriando-se dos homens que tinham matado, dos feitos
    que tinham realizado, daquilo que tinham conquistado. Muitos estavam
    ornamentados com objetos pilhados. Lucas Mao Esquerda Codd e Quellon
    Humble tinham arrancado tapeçarias das paredes para servirem de mantos.
    Germund Botley usava um fio de pérolas e granadas sobre a sua dourada
    placa de peito Lannister. Andrik, o Sério, andava por ali a cambaleando com
    uma mulher debaixo de cada braço; embora continuasse sério, tinha anéis em
    todos os dedos. Em vez de travessas esculpidas em velho pão bolorento, os
    capitães comiam de bandejas de prata maciça.
    O rosto de Nute, o Barbeiro, escureceu de fúria enquanto olhava em
    volta.
    — O Olho de Corvo envia-nos para enfrentar os dracares, enquanto
    os seus homens tomam os castelos e as aldeias e arrecadam todo o saque e as
    mulheres. Que foi que deixou para nós?
    — Nós temos a glória.
    — A glória é boa — disse Nute. — Mas o ouro é melhor.
    Victarion encolheu os ombros.
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    O Festim dos Corvos - Página 20 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:38 pm

    — O Olho de Corvo diz que teremos Westeros inteira. A Árvore,
    Vilavelha, Jardim de Cima… será ali que encontrará o seu ouro. Mas basta
    de conversas. Tenho fome.
    Por direito de sangue, Victarion podia ter exigido um lugar no
    estrado, mas não queria comer com Euron e as suas criaturas. Em vez disso,
    escolheu um lugar junto a Ralf, o Coxo, capitão do Lorde Quellon.
    — Uma grande vitória, Senhor Capitão. — Disse o Coxo. — Uma
    vitória merecedora de uma senhoria. Você deveria ficar com uma ilha.
    Lorde Victarion. Sim, e porque não? Podia não ser a Cadeira da
    Pedra do Mar, mas seria alguma coisa. Hotho Harlaw estava do outro lado da
    mesa chupando carne de um osso. Jogou-o fora com um peteleco e dobrouse
    para a frente.
    — O Cavaleiro vai ficar com Escudogris. O meu primo. Sabia?
    — Não. — Victarion olhou para o outro lado do salão, para onde Sor
    Harras Harlaw bebia vinho de uma taça dourada; um homem alto, de rosto
    comprido e austero. — Porque daria Euron uma ilha para aquele?
    Hotho ergueu a sua taça de vinho vazia e uma pálida jovem com um
    vestido de veludo azul e renda dourada voltou a enchê-la.
    — O Cavaleiro tomou Vila Severa sozinho. Plantou o estandarte
    junto ao castelo e desafiou os Grimm a enfrentá-lo. Um o fez, depois outro, e
    outro a seguir. Matou-os a todos… Bem, quase, dois renderam-se. Quando o
    sétimo homem caiu, o septão do Lorde Grimm decidiu que os deuses tinham
    falado e entregou o castelo. — Hotho soltou uma gargalhada. — Ele vai ser
    Senhor de Escudogris, e que lhe faça bom proveito. Com ele longe, sou eu o
    herdeiro do Leitor. — Bateu no peito com a taça de vinho. — Hotho, o
    Corcunda, Senhor de Harlaw.
    — Sete você diz. — Victarion perguntou a si próprio como
    Anoitecer se aguentaria contra o seu machado. Nunca lutara contra um
    homem armado com uma lâmina de aço valiriano, embora tivesse sovado
    muitas vezes o jovem Harras Harlaw quando ambos eram jovens. Em rapaz,
    Harlaw fora um grande amigo do filho mais velho de Balon, Rodrik, que
    morrera à sombra das muralhas de Guardamar. O banquete era bom. O vinho
    era dos melhores, e havia boi assado, mal passado e em sangue, e também
    pato recheado e baldes de caranguejo fresco. O Senhor Comandante não
    deixou de reparar que as servas usavam finas lãs e luxuosos veludos.
    Tomou-as por ajudantes de cozinha cativas com as roupas da Senhora
    Hewett e das suas damas, até que Hoth lhe disse que eram a Senhora Hewett
    e as suas damas. Eram oito: sua senhoria, ainda bem aparentada embora
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:38 pm

    tivesse ganhado alguma robustez, e sete mulheres mais jovens com idades
    entre os vinte e cinco e os dez anos, suas filhas e noras.
    Lord Hewett, em pessoa, estava sentado no seu lugar habitual sobre
    o estrado, vestido com todos os seus enfeites heráldicos. Os braços e as
    pernas tinham sido atados à cadeira, e um enorme rabanete branco fora
    enfiado entre os seus dentes para que não pudesse falar… embora pudesse
    ver e ouvir. Olho de Corvo ocupara o lugar de honra à mão direita de sua
    senhoria. Tinha uma moça bonita e roliça de dezessete ou dezoito anos no
    colo, descalça e desgrenhada, com os braços em volta do seu pescoço.
    — Quem é aquela? — Perguntou Victarion aos homens que o
    rodeavam.
    — A bastarda de sua senhoria — disse Hotho com uma gargalhada.
    — Antes de Euron tomar o castelo, era obrigada a servir os outros à mesa e
    fazer as refeições com os criados.
    Euron levou os lábios azuis ao pescoço da rapariga, e ela soltou um
    risinho e sussurrou-lhe qualquer coisa ao ouvido. Sorrindo, ele voltou a
    beijar-lhe a garganta. A pele branca da rapariga estava coberta de marcas
    vermelhas onde a boca dele estivera; formavam um colar rosado em volta do
    seu pescoço e ombros. Outro sussurro ao ouvido, e desta vez o Olho de
    Corvo riu alto, após o que bateu com a taça de vinho na mesa, pedindo
    silêncio.
    — Boas senhoras! — Gritou para as suas criadas bem nascidas. —
    Falia está preocupada com os vossos belos vestidos. Não quer vê-los
    manchados de gordura, vinho e apalpadelas de dedos sujos, visto que lhe
    prometi que podia escolher a sua roupa entre os seus guarda-roupas depois
    do banquete. Portanto o melhor é que vocês tirem-nos.
    Um rugido de gargalhadas varreu o grande salão, e a cara do Lorde
    Hewett ficou tão vermelha que Victarion julgou que a sua cabeça se
    arrebentaria.
    As mulheres não tiveram alternativa senão obedecer. A mais nova
    chorou um pouco, mas a mãe a confortou e a ajudou a desfazer os nós pelas
    costas abaixo. Depois, continuaram a servir como antes, movendo-se entre as
    mesas com jarros cheios de vinho para encher todas as taças vazias, só que
    agora o faziam nuas.
    Ele envergonha Hewett como em tempos me envergonhou, pensou o
    capitão, recordando-se do modo como a esposa soluçara enquanto ele a
    espancava. Sabia que os habitantes dos Quatro Escudos se casavam
    frequentemente entre si, tal como os filhos do ferro. Uma daquelas criadas
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:38 pm

    nuas podia perfeitamente ser esposa de Sor Talbert Serry. Uma coisa era
    matar um inimigo, outra era desonrá-lo. Victarion fez um punho. Tinha a
    mão ensanguentada onde o ferimento empapara o linho.
    No estrado, Euron empurrou a sua cadela para o lado e pulou em
    cima da mesa. Os capitães puseram-se a bater com as taças na mesa e a bater
    os pés no chão.
    — EURON! Gritavam. EURON! EURON! EURON! — Era de novo
    a assembleia de homens livres.
    — Jurei lhes dar Westeros. — Disse o Olho de Corvo quando o
    tumulto diminuiu. — E aqui vocês têm um pouco para saborear. Um bocado,
    nada mais do que isso… Mas nos banquetearemos antes do cair da noite! —
    Os archotes ao longo das paredes soltavam um brilho vivo, e ele também,
    lábios azuis, olho azul e tudo. — O que a lula gigante agarra não larga. Estas
    ilhas foram em tempos nossas, e agora são de novo… Mas precisamos de
    homens fortes para defendê-las. Portanto erga-se, Sor Harras Harlaw, Senhor
    de Escudogris. — O Cavaleiro pôs-se de pé, com uma mão apoiada no botão
    de pedra da lua do Anoitecer. — Erga-se, Andrik, o Sério, Senhor de
    Escudossul. — Andrik empurrou as suas mulheres para o lado e se levantou
    de um salto, como uma montanha que se erguesse súbita do mar. — Erga-se,
    Maron Volmark, Senhor de Escudoverde. — Um rapazinho sem barba de
    dezesseis anos, Volmark pôs-se hesitantemente em pé, parecendo um senhor
    dos coelhos. — E erga-se, Nute, o Barbeiro, Senhor de Escudorroble.
    Os olhos de Nute puseram-se cautelosos, como se ele temesse estar a
    ser alvo de um gracejo cruel.
    — Um lorde? — Grasnou.
    Victarion esperara que Olho de Corvo entregasse as senhorias às
    suas criaturas, ao Mão de Pedra, ao Remador Vermelho e ao Lucas Mao
    Esquerda. Um rei tem de ser pródigo, tentou dizer a si próprio, mas outra
    voz sussurrou: Os presentes de Euron estão envenenados. Quando revirou a
    ideia na cabeça, viu-o com clareza. O Cavaleiro era o herdeiro escolhido
    pelo Leitor, e Andrik, o Sério, o forte braço direito de Dunstan Drumm.
    Volmark é um rapaz inexperiente, mas tem em si o sangue do Harren Negro
    por via materna. E o Barbeiro…
    Victarion agarrou-o pelo antebraço.
    — Recuse!
    Nute olhou-o como se tivesse enlouquecido.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:38 pm

    — Recusar? Terras e uma senhoria? Você me fará um senhor? —
    Libertou o braço com um puxão e pôs-se de pé, gozando os vivas.
    E agora rouba-me os homens, pensou Victarion.
    O Rei Euron chamou pela Senhora Hewett para que lhe trouxesse
    uma nova taça de vinho e ergueu-a bem alto acima da cabeça.
    — Capitães e reis! Ergam suas taças aos Senhores dos Quatro
    Escudos! — Victarion bebeu com os outros. Não há vinho mais doce do que
    o vinho roubado de um inimigo. Alguém lhe disse isso um dia. O pai, ou o
    irmão Balon. Um dia beberei o teu vinho, Olho de Corvo, e lhe roubarei
    tudo o que lhe é querido. Mas haveria alguma coisa que fosse querida a
    Euron?
    — Amanhã nos prepararemos novamente para zarpar. Estava o rei
    dizendo. —Encham as barricas de novo com água da nascente, levem todas
    as sacas de cereais e barris de carne de vaca e tantas ovelhas e cabras que
    possamos transportar. Os feridos que ainda estiverem suficientemente
    vigorosos para puxar por um remo, remarão. Os outros ficarão aqui, para
    ajudar a manter estas ilhas nas mãos dos seus novos senhores. Torwold e o
    Remador Vermelho regressarão em breve com mais provisões. Os nossos
    conveses irão feder a porcos e galinhas na viagem para leste, mas
    regressaremos com dragões.
    — Quando? — A voz era a do Lorde Rodrik. — Quando
    regressaremos, Vossa Graça? Dentro de um ano? Três anos? Cinco? Os seus
    dragões estão a um mundo de distância, e o outono chegou. — O Leitor
    avançou, enumerando todos os perigos. — Galés defendem os Estreitos
    Redwyne. A costa dornesa é seca e estéril, quatrocentas léguas de
    redemoinhos, falésias e baixios escondidos, quase desprovida de um
    desembarcadouro seguro seja onde for. Depois, nos esperam os Degraus,
    com as suas tempestades e os seus ninhos de piratas lisenos e miranos. Se
    um milhar de navios se fizer à vela, trezentos poderão chegar ao outro lado
    do mar estreito… E então, o quê? Lys não nos dará as boas vindas, e
    Volantis tampouco. Onde encontraremos água doce e alimentos? A primeira
    tempestade nos dispersará por metade da terra.
    Um sorriso brincou nos lábios azuis de Euron.
    — Eu sou a tempestade, senhor. A primeira tempestade e a última.
    Levei o Silêncio em viagens mais longas do que esta, e em viagens muito
    mais perigosas. Você se esqueceu? Naveguei pelo Mar Fumegante e vi
    Valíria.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:38 pm

    Todos os presentes sabiam que a Destruição ainda reinava em
    Valíria. Ali, o próprio mar fervia e fumegava, e a terra fora invadida por
    demônios. Dizia-se que qualquer marinheiro que sequer vislumbrasse as
    montanhas de fogo de Valíria a se erguendo acima das ondas morreria
    rapidamente de uma morte terrível, e no entanto Olho de Corvo estivera lá e
    regressara.
    — Ah vistes? — Perguntou o Leitor, tão suavemente.
    O sorriso azul de Euron eclipsou-se.
    — Leitor. — Disse, no meio do silêncio — faria você melhor se
    mantivesse o nariz nos seus livros.
    Victarion conseguia sentir o constrangimento no salão. Pôs-se em
    pé.
    — Irmão — trovejou. — Não respondeste às perguntas de Harlaw.
    Euron encolheu os ombros.
    — O preço dos escravos esta subindo. Venderemos os nossos
    escravos em Lys e Volantis. Isso e o saque que capturamos aqui nos dará
    ouro suficiente para comprar provisões.
    — Agora somos traficantes de escravos? — Perguntou o Leitor. —
    E para quê? Dragões que nenhum dos presentes viu? Deveremos perseguir a
    fantasia de um marinheiro bêbado qualquer até ao longínquo fim da terra?
    As suas palavras geraram resmungos de assentimento.
    — A Baía dos Escravos é longe demais — gritou Ralf, o Coxo.
    — E perto demais de Valíria! — Gritou Quellon Humble. Fralegg, o
    Forte, disse:
    — Jardim de Cima é perto. Procuremos por dragões ali, digo eu. Da
    espécie dourada!
    Alvyn Sharp disse:
    — Para quê navegar pelo mundo quando temos o Vago à nossa
    frente? — O Ralf Vermelho Stonehouse pôs-se de pé num salto.
    — Vilavelha é mais rica, e a Árvore ainda mais. A frota Redwyne
    anda para longe. Só temos de estender a mão para colher a mais madura fruta
    de Westeros.
    — Fruta? — O olho do rei parecia mais negro do que azul. — Só um
    covarde rouba um fruto quando pode tomar o pomar.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:38 pm

    — É a Árvore que queremos. — Disse o Ralf Vermelho, e outros
    homens acompanharam-no no grito. Olho de Corvo deixou-se varrer pelos
    gritos. Então saltou da mesa, agarrou a sua cadela pelo braço, e arrastou-a
    para fora do salão.
    Fugiu como um cão. O controle de Euron sobre a Cadeira da Pedra
    do Mar pareceu de súbito não estar tão firme como estivera momentos antes.
    Eles não o seguirão até à Baía dos Escravos. Talvez não sejam tão cães e
    tolos como eu temi. Aquilo era uma ideia tão alegre que Victarion teve de
    empurrá-la para baixo. Esvaziou uma taça com o Barbeiro, para lhe mostrar
    que não lhe tinha má vontade pela senhoria, mesmo tendo vindo da mão de
    Euron.
    Lá fora, o sol se pôs. A escuridão reuniu-se para lá das paredes, mas
    dentro delas os archotes ardiam com um brilho alaranjado, e o fumo que
    deitavam concentrava-se sob as vigas do telhado como uma sombra cinzenta.
    Bêbados puseram-se a dançar a dança dos dedos. A certa altura, o
    Lucas Mao Esquerda Codd decidiu que desejava uma das filhas do Lorde
    Hewett, e possuiu-a sobre a mesa enquanto as irmãs gritavam e soluçavam.
    Victarion sentiu uma pancada no ombro. Um dos filhos mestiços de
    Euron estava na sua frente, um rapaz de dez anos com um cabelo lanoso e a
    pele da cor da lama.
    — O meu pai quer falar com você.
    Victarion ergueu-se, pouco firme. Era um homem grande, com uma
    vasta capacidade para o vinho, mas mesmo assim bebera demasiado.
    Espanquei-a até à morte com as minhas próprias mãos, pensou, mas o Olho
    de Corvo matou-a quando se enfiou nela. Eu não tive alternativa. Seguiu o
    pequeno bastardo para fora do salão e pela espiral de uma escada em pedra
    acima. Os sons da violação e da festança foram diminuindo à medida que
    subiam, até restar apenas o suave raspar das botas em pedra.
    Olho de Corvo ocupara o quarto do Lorde Hewett com a sua filha
    bastarda. Quando Victarion entrou, a rapariga estava estendida nua na cama,
    a ressonar baixinho. Euron se encontrava de pé junto à janela, bebendo de
    uma taça de prata. Usava o manto de zibelina que tirara de Blacktyde, a pala
    de couro e nada mais.
    — Quando era rapaz, sonhei que podia voar. — Anunciou. —
    Quando acordei, não podia… Ou pelo menos foi o que o meistre disse. Mas
    e se ele mentiu?
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:39 pm

    Victarion sentia o cheiro do mar que entrava pela janela aberta,
    embora o quarto fedesse a vinho, sangue e sexo. O frio ar salgado ajudou a
    limpar-lhe a cabeça.
    — Que você quer dizer com isso? — Euron virou-se para encará-lo,
    com os magoados lábios azuis encurvados em um meio sorriso. — Talvez
    possamos voar. Todos nós. Como saberemos a menos que saltemos de uma
    torre alta qualquer?
    O vento entrava em rajadas pela janela e sacudia-lhe o manto de
    zibelina. Havia algo de obsceno e perturbador na sua nudez.
    — Não há homem nenhum que realmente saiba o que pode fazer a
    menos que se atreva a saltar.
    — Está ali a janela. Salta. — Victarion não tinha paciência para
    aquilo. A mão ferida estava a incomodá-lo. — O que é que você quer?
    — O mundo. — A luz da lareira cintilou no olho de Euron. O seu
    olho sorridente. — Aceita uma taça do vinho do Lorde Hewett? Não há
    vinho cuja doçura chegue aos calcanhares daquele que é tirado de um
    adversário derrotado.
    — Não. — Victarion afastou o olhar. — Cubra-se.
    Euron sentou-se e deu um torção ao manto, de modo a cobrir-lhe as
    virilhas.
    — Tinha me esquecido de como os meus filhos do ferro são uma
    gente pequena e barulhenta. Quero lhes trazer dragões, e eles gritam por
    uvas.
    — As uvas são reais. Um homem pode empanturrar-se de uvas. O
    seu sumo é doce, e fazem vinho. O que fazem os dragões?
    — Angústia. — Olho de Corvo bebericou da sua taça de prata. —
    Uma vez tive um ovo de dragão nesta mão, irmão. Um feiticeiro de Myr
    jurou que conseguia faze-lo eclodir se lhe desse um ano e todo o ouro que
    me pedisse. Quando me cansei das suas desculpas, matei-o. Enquanto o
    homem observava as entranhas a deslizando-se por entre os dedos, disse:
    “Mas não se passou um ano.” Soltou uma gargalhada. Cragorn morreu,
    sabe?
    — Quem?
    — O homem que soprou o meu corno de dragão. Quando o meistre o
    abriu, tinha os pulmões carbonizados, negros como fuligem.
    Victarion estremeceu.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:39 pm

    — Mostra-me esse ovo de dragão.
    — Atirei-o ao mar durante um dos meus humores negros. — Euron
    encolheu os ombros. — Ocorreu-me que o Leitor não se enganava. Uma
    frota grande demais nunca poderá manter-se unida ao longo de uma tal
    distância. A viagem é longa demais, e demasiado perigosa. Só os nossos
    melhores navios e tripulações podem esperar viajar até à Baía dos Escravos e
    voltar. A Frota de Ferro.
    A Frota de Ferro é minha, pensou Victarion. Nada disse.
    Olho de Corvo encheu duas taças com um estranho vinho negro que
    fluía espesso como mel.
    — Bebe comigo, irmão. Prove isso. — Ofereceu uma das taças a
    Victarion.
    O capitão pegou na taça que Euron não oferecera, cheirou
    desconfiadamente o seu conteúdo. Visto de perto, o líquido parecia mais azul
    do que negro. Era espesso e de aspecto oleoso, e cheirava a carne podre.
    Experimentou um pequeno gole, e cuspiu-o imediatamente.
    — Que porcaria. Quer me envenenar?
    — Quero te abrir os olhos. — Euron bebeu profundamente da sua
    taça e sorriu. — Sombra da tarde, o vinho dos magos. Encontrei um barril
    quando capturei uma certa galeota vinda de Qarth, que trazia também
    cravinho e noz moscada, quarenta fardos de seda verde, e quatro magos que
    contaram uma curiosa história. Um deles ousou me ameaçar, de modo que o
    matei e o dei a comer aos outros três. A princípio recusaram-se a comer da
    carne do amigo, mas quando ficaram suficientemente esfomeados mudaram
    de idéias. Os homens são carne.
    Balon era louco, Aeron é mais louco, e Euron é o mais louco de
    todos. Victarion estava virando-se para se ir embora quando Olho de Corvo
    disse:
    — Um rei tem de ter uma esposa, para lhe dar herdeiros. Irmão,
    tenho necessidade de ti. Irá à Baía dos Escravos trazer o meu amor?
    Em tempos também eu tive um amor. As mãos de Victarion se
    enrolaram em punhos, e uma gota de sangue caiu ao chão com um pequeno
    ruído. Devia te espancar até te deixar em sangue e te dar de comer aos
    caranguejos, como fiz com ela.
    — Você tem filhos — disse ao irmão.
    — Mestiços ilegítimos, nascidos de rameiras e carpideiras.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:39 pm

    — São frutos do teu corpo.
    — Também o conteúdo do meu penico o é. Nenhum deles é digno
    de se sentar na Cadeira de Pedra do Mar, muito menos no Trono de Ferro.
    Não, para fazer um herdeiro que o mereça, preciso de uma mulher diferente.
    Quando a lula gigante casa com o dragão, irmão, que o mundo se acautele.
    — Que dragão? — Disse Victarion, franzindo o sobrolho.
    — A última da sua linhagem. Dizem que é a mais bela mulher do
    mundo. O cabelo é louro prateado, e os olhos ametistas… mas não precisa de
    aceitar a minha palavra, irmão. Vai até à Baía dos Escravos, contemple a sua
    beleza, e traga-a até mim.
    — Porque haveria de fazê-lo? — Quis saber Victarion.
    — Por amor. Por dever. Porque o seu rei te ordena. — Euron soltou
    um risinho abafado. — E pela Cadeira de Pedra do Mar. É sua, assim que eu
    reclame para mim o Trono de Ferro. Me sucederá como eu sucedi a Balon…
    E os teus filhos legítimos te sucederão um dia.
    Os meus filhos. Mas para ter um filho legítimo, um homem tinha
    primeiro de ter uma esposa. Victarion não tinha sorte com as esposas. Os
    presentes de Euron estão envenenados, recordou, mas ainda assim…
    — A opção é sua, irmão. Vive como servo ou morre como rei. Se
    atreverá a voar? Se não der o salto, nunca saberá.
    O olho sorridente de Euron estava brilhante de troça.
    — Ou será que estou pedindo demasiadamente de ti? Velejar para lá
    de Valíria é coisa de meter medo.
    — Eu seria capaz de levar a Frota de Ferro até o inferno, se fosse
    necessário. — Quando Victarion abriu a mão, a palma estava rubra de
    sangue. — Sim, irei até à Baía dos Escravos. Descobrirei essa mulher dragão
    e a trarei de volta.
    Mas não para você. Me roubou a mulher e a espoliou, portanto eu
    ficarei com a sua. A mais bela mulher do mundo, para mim.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:41 pm

    Jaime 533


    Os campos junto das muralhas de Darry estavam de novo sendo
    trabalhados.
    As plantações queimadas tinham sido aradas, e os
    batedores de Sor Addam avistaram mulheres nos regos
    arrancando ervas daninhas enquanto uma parelha de bois rasgava novos
    sulcos nos limites de um bosque próximo.
    Uma dúzia de homens barbudos com machados mantinha-se de
    guarda enquanto o trabalho avançava.
    Quando Jaime e a sua tropa chegaram ao castelo, todos tinham
    fugido para dentro das muralhas. Foi encontrar Darry fechada, tal como
    Harrenhal estivera.
    Gelidamente acolhido pelo meu próprio sangue.
    — Faz soar a corneta. — Ordenou. Sor Kennos de Kayce pegou no
    Corno de Herrock que trazia a tiracolo e soou. Enquanto esperava por uma
    resposta vinda do castelo, Jaime observou o estandarte que flutuava, em
    castanho e carmim, por sobre a seteira do primo. Aparentemente, Lancel
    decidira esquartelar o leão dos Lannister com o lavrador de Darry.
    Viu naquilo a mão do tio, tal como na escolha da noiva para Lancel.
    A Casa Darry governava aquelas terras desde que os Andalos derrubaram os
    Primeiros Homens. Não havia dúvida de que Sor Kevan compreendera que o
    filho teria menos problemas se os camponeses o vissem como uma
    continuação da antiga linhagem, obtendo aquelas terras por direito de
    casamento e não por decreto real. Kevan devia ser a Mão de Tommen. Harys
    Swyft é uma cavalgadura, e a minha irmã é estúpida se pensa que não.
    Os portões do castelo abriram-se lentamente.
    — O meu primo não terá espaço para instalar mil homens, — disse
    Jaime ao Varrão Forte.
    — Acamparemos a sombra da muralha ocidental. — Quero fossos e
    estacas no perímetro. Ainda há bandos de foras da lei por estes lados.
    — Teriam de ser loucos para atacar uma força tão poderosa como a
    nossa.
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    O Festim dos Corvos - Página 20 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:41 pm

    — Loucos ou esfomeados. — Até ter uma ideia mais concreta sobre
    esses foras da lei e da sua força, Jaime não se sentia inclinado a correr riscos
    com as defesas.
    — Fossos e estacas, — voltou a dizer, antes de esporear Honra na
    direção do portão. Sor Dermot seguiu a seu lado com o veado e leão real, e
    Sor Hugo Vance com o estandarte branco da Guarda Real.
    Jaime atribuíra ao Ronnet Vermelho a tarefa de levar Wylis
    Manderly para Lagoa da Donzela, para não ter de continuar a vigia‑lo.
    Pia seguia com os escudeiros de Jaime, no castrado que Peck lhe
    arranjara.
    — É como um castelo de brinquedo, — se ouviu dizendo.
    Ela não conheceu nenhum lar além de Harrenhal, refletiu. Todos os
    castelos no reino lhe parecerão pequenos, exceto o Rochedo.
    Josmyn Peckleton estava pensando a mesma coisa.
    — Não pode avaliá-lo por Harrenhal. O Harren Negro construiu-o
    grande demais. — Pia escutou-o com a solenidade de uma menininha de
    cinco anos recebendo lições da septã.
    Não passa disso, uma menininha num corpo de mulher, cheia de
    cicatrizes e assustada.
    Mas Peck estava cativado por ela. Jaime suspeitava que o rapaz
    nunca conhecera uma mulher, e Pia ainda era bastante bonita, desde que
    mantivesse a boca fechada.
    Não há mal se ele dormir com ela, suponho, desde que ela tenha
    vontade.
    Um dos homens da Montanha tentara violar a menina em Harrenhal,
    e pareceu honestamente perplexo quando Jaime ordenou a Ilyn Payne que
    lhe cortasse a cabeça.
    — Já a tive antes, umas cem vezes. — Não parou de dizer enquanto
    o obrigavam a ajoelhar-se. —Um cento de vezes, senhor. Todos a tivemos.
    — Quando Sor Ilyn presenteou Pia com a cabeça do homem, ela sorriu
    através dos seus dentes arruinados.
    Darry mudara várias vezes de lado durante a luta, e o seu castelo
    fora uma vez queimado e pelo menos duas saqueado, mas, aparentemente,
    Lancel demorou pouco tempo a pôr as coisas no lugar.
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    O Festim dos Corvos - Página 20 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:41 pm

    Os portões do castelo estavam instalados de novo, pranchas rudes de
    carvalho reforçadas com tachões de ferro. Um novo estábulo estava sendo
    construído no local onde o antigo fora passado pelo archote. Os degraus que
    levavam à torre de mensagem tinham sido substituídos, bem como os marcos
    em muitas das janelas. Pedras enegrecidas mostravam os locais onde as
    chamas as tinham lambido, mas o tempo e a chuva extinguiriam essas
    marcas.
    Dentro das muralhas, besteiros percorriam a murada, alguns com
    mantos carmim e elmos coroados por leões, outros com o azul e cinzento da
    Casa Frey. Quando Jaime atravessou o pátio trotando, galinhas fugiram por
    debaixo dos cascos de Honra, ovelhas baliram e camponeses o fitaram com
    olhos carrancudos.
    Camponeses armados.
    Não lhe passou despercebido. Alguns tinham foices, outros porretes,
    outros enxadões de tal forma aguçados que exibiam pontas cruéis. Também
    machados estavam em evidência, e vislumbrou vários homens barbudos com
    estrelas vermelhas de sete pontas cosidas em túnicas esfarrapadas e imundas.
    Mais dos malditos pardais. De onde veio toda esta gente?
    Do tio Kevan, não viu sinal. Nem de Lancel. Só um meistre veio ao
    seu encontro, com uma veste cinzenta esvoaçando em volta das suas pernas
    descarnadas.
    — Senhor Comandante, Darry está honrado por esta… visita
    inesperada. Perdoe-nos pela falta de preparativos. Tínhamos sido levados a
    crer que se dirigia para Correrrio.
    — Darry ficava no caminho, — mentiu Jaime.
    Correrrio pode esperar.
    E se por acaso o cerco terminasse antes de chegar ao castelo, seria
    poupado à necessidade de pegar em armas contra a Casa Tully.
    Desmontando, entregou Honra a um moço de estrebaria.
    — Encontrarei o meu tio aqui? — Não forneceu um nome. Sor
    Kevan era o único tio que lhe restava, o último filho sobrevivente de Tytos
    Lannister.
    — Não, senhor. Sor Kevan retirou-se após a boda. — O meistre
    puxou pelo colar de corrente, como se tivesse tornado demasiado apertado
    para o seu pescoço.
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    O Festim dos Corvos - Página 20 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:41 pm

    — Eu sei que Lorde Lancel ficará contente por vos ver e… E a todos
    os seus galantes cavaleiros. Embora me magoe confessar que Darry não
    pode alimentar tantos homens.
    — Nós temos as nossas próprias provisões. Você é?...
    — O Meistre Ottomore, se agradar ao senhor. A Senhora Amerei
    desejava dar-lhe as boas vindas em pessoa, mas está tratando dos
    preparativos para um banquete em sua honra. É sua esperança que sua
    senhoria e os seus cavaleiros e capitães nos faça companhia à mesa esta
    noite.
    — Uma refeição quente será muito bem vinda. Os dias estão frios e
    úmidos. — Jaime passou os olhos pelo pátio, pelas caras barbudas dos
    pardais.
    Demasiados. E também os Frey são demasiados.
    — Onde poderei encontrar Herrock?
    — Recebemos relatos sobre foras da lei na outra margem do
    Tridente. — Sor Harwyn levou cinco cavaleiros e vinte arqueiros e foi lidar
    com eles.
    — E Lorde Lancel?
    — Está nas suas preces. Sua senhoria nos ordenou para nunca o
    incomodar quando está rezando.
    Ele e Sor Bonifer se darão bem.
    — Muito bem. — Mais tarde haveria tempo suficiente para falar
    com o primo. — Me leve até os meus aposentos e ordene que um banho me
    seja preparado.
    — Se aprouver ao senhor, o instalaremos na Torre do Lavrador. Eu o
    levo até lá.
    — Eu conheço o caminho. — Jaime não era estranho àquele castelo.
    Ele e Cersei tinham estado ali hospedados por duas vezes, uma a caminho de
    Winterfell com Robert, a outra na viagem de regresso a Porto Real.
    Embora fosse pequeno para um castelo, era maior do que uma
    estalagem, e tinha boa caça ao longo do rio. Robert Baratheon nunca se
    mostrara relutante em impor-se à hospitalidade dos seus súditos. A torre era
    muito semelhante a aquilo que dela recordava.
    — As paredes continuam despidas. — Observou Jaime enquanto o
    meistre o levava ao longo de uma galeria.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:41 pm

    — Lorde Lancel espera um dia cobri-las com tapeçarias, — disse
    Ottomore. — Cenas de piedade e devoção.
    Piedade e devoção.
    Foi com dificuldade que evitou rir. As paredes também tinham
    estado nuas na sua primeira visita. Tyrion indicara os quadrados de pedra
    mais escura onde tapeçarias tinham estado penduradas.
    Sor Raymun podia removê-las, mas não as marcas que elas
    deixavam. Mais tarde, o Duende fizera deslizar uma mão cheia de veados
    para as mãos de um dos criados de Darry em troca da chave da cave onde as
    tapeçarias em falta encontravam-se escondidas. Mostrou-as a Jaime à luz de
    uma vela, sorrindo; retratos tecidos de todos os reis Targaryen, do primeiro
    Aegon até ao segundo Aenys.
    — Se contar a Robert, ele talvez faça de mim Senhor de Darry, —
    dissera o anão entre gargalhadas.
    O Meistre Ottomore levou Jaime até ao topo da torre.
    — Espero que fique confortável aqui, senhor. Há uma latrina, para
    quando a natureza chama. A sua janela dá para o bosque sagrado. O quarto
    está ligado ao da senhora, com uma cela de criado entre ambos.
    — Estes eram os aposentos do próprio Lorde Darry.
    — Sim, senhor.
    — O meu primo é muito generoso. Não pretendia pôr Lancel fora do
    seu próprio quarto.
    — Lorde Lancel tem dormido no septo.
    Dormir com a Mãe e a Donzela, quando tem uma esposa quente
    mesmo para lá daquela porta?
    Jaime não soube se haveria de rir ou de chorar. Talvez ande a rezar
    para que a pica endureça. Em Porto Real consta que os ferimentos de
    Lancel o tinham deixado incapaz.
    Mesmo assim, devia ter senso suficiente para tentar.
    A posse das novas terras pelo primo não estaria segura até gerar um
    filho à sua esposa Darry. Jaime começava a se arrepender do impulso que o
    trouxera ali. Agradeceu a Ottomore, fez-lhe lembrar o banho e mandou que
    Peck o acompanhasse à porta. O quarto do senhor mudara desde a sua última
    visita, e não para melhor. Velhas esteiras apodrecidas cobriam o chão no
    lugar do bom tapete de Myr que estivera lá antes, e toda a mobília era nova e
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:41 pm

    mal feita. A cama de Sor Raymund Darry fora suficientemente grande para
    seis pessoas, com cortinas de veludo castanho e postes de carvalho
    esculpidos com trepadeiras e folhas; a de Lancel era um granuloso catre de
    palha, colocada abaixo da janela, onde a primeira luz da aurora o acordaria
    decerto. Sem dúvida que a outra cama teria sido queimada, esmagada ou
    roubada, mas mesmo assim…
    Quando a banheira chegou, o Pequeno Lew tirou as botas de Jaime e
    o ajudou a remover a sua mão de ouro. Peck e Garrett carregaram água, e Pia
    arranjou qualquer coisa limpa para ensopar. A menina olhou-o de relance,
    timidamente, enquanto lhe tirava o gibão às sacudidelas. Jaime ficou
    desconfortavelmente consciente das curvas de ancas e seios por baixo do
    vestido castanho de tecido grosseiro que ela trazia. Recordou-se das coisas
    que Pia lhe segredara em Harrenhal, na noite em que Qyburn a enviara à sua
    cama. Às vezes quando estou com um homem, dissera, fecho os olhos e finjo
    que é você que está em cima de mim.
    Sentiu-se grato quando o banho ficou suficientemente profundo para
    lhe esconder a ereção. Quando se abaixou para dentro da água fumegante,
    recordou outro banho, aquele que partilhara com Brienne. Estivera febril e
    enfraquecido devido à perda de sangue, e o calor o entontecera tanto que
    dera por si a dizer coisas que era melhor deixar por dizer. Desta vez não
    tinha semelhante desculpa.
    Lembra-te dos teus votos. Pia é mais digna da cama de Tyrion do
    que da tua.
    — Vai me buscar sabão e uma escova rija, disse a Peck. Pia, deixenos.
    — Sim, senhor. Obrigada, senhor.
    Ela cobria a boca quando falava, para esconder os dentes quebrados.
    — Deseja-a? — Perguntou Jaime a Peck depois de a menina sair.
    O escudeiro ficou vermelho como uma beterraba.
    — Se ela te quiser, tome-a. Decerto te ensinará algumas coisas que
    vai achar úteis na noite de núpcias, e não é provável que arranje um bastardo
    com ela.
    Pia abriu as pernas para metade do exército do pai e nunca
    engravidou; o mais certo era que a puta fosse estéril.
    — Mas se deitar com ela, seja bondoso.
    — Bondoso senhor? Como… como poderei eu…?
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:42 pm

    — Palavras doces. Toques gentis. Não quer casar com ela, mas
    enquanto estiver na cama trate-a como trataria a sua noiva.
    O rapaz anuiu.
    — Senhor, eu… para onde posso levá-la? Nunca há lugar para…
    para…
    — Ficar sozinho? — Jaime fez um sorriso. —Passaremos várias
    horas jantando. A palha parece cheia de grumos, mas há de servir.
    Os olhos de Peck esbugalharam-se.
    — A cama de sua senhoria?
    — Quando acabar há de se sentir também um senhor, se Pia souber o
    que fazer.
    E alguém devia dar algum uso àquele miserável colchão de palha.
    Quando desceu para o banquete naquela noite, Jaime Lannister
    usava um gibão de rico veludo fendido com pano de ouro, e uma corrente de
    ouro salpicada de diamantes negros. Também prendera a mão de ouro, que
    foi polida até mostrar um belo lustre brilhante. Aquele não era lugar
    apropriado para usar o branco. O dever esperava-o em Correrrio; o que o
    trouxera ali fora uma necessidade mais sombria. O Grande Salão de Darry
    era grande só por cortesia. Mesas de montar preenchiam-no de parede a
    parede e as vigas do teto estavam negras de fumo. Jaime sentou-se no
    estrado, à direita da cadeira vazia de Lancel.
    — O meu primo não irá juntar-se a nós para o jantar? — Perguntou
    ao se sentar.
    — O meu senhor prefere jejuar, — disse a esposa de Lancel, a
    Senhora Amerei. — Está doente de desgosto pelo pobre Alto Septão.
    Era uma moça robusta de pernas longas e peitos cheios, com cerca
    de dezoito anos; uma moça saudável, pelo aspecto, embora a sua cara
    chupada e sem queixo fizesse lembrar a Jaime o seu falecido e não
    lamentado primo Cleos, que sempre tivera certo aspecto de doninha.
    Jejuar? Ainda é um idiota maior do que eu suspeitava.
    O primo devia andar ocupado a gerar na sua viúva um pequeno
    herdeiro com cara de doninha, em vez de se matar de fome. Perguntou a si
    próprio o que Sor Kevan poderia ter dito acerca do novo fervor do filho.
    Poderia ter sido esse o motivo da partida abrupta do tio?
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:42 pm

    Sobre tigelas de sopa de feijão e toucinho, a Senhora Amerei contou
    a Jaime como o seu primeiro marido fora morto por Sor Gregor Clegane
    quando os Frey ainda lutavam por Robb Stark.
    — Supliquei-lhe para não ir, mas o meu Pate era, oh, tão corajoso, e
    jurou que seria ele o homem que mataria aquele monstro. Queria arranjar um
    grande renome para si.
    Todos querem.
    — Quando eu era escudeiro disse a mim mesmo que seria eu o
    homem que mataria o Cavaleiro Sorridente.
    — O Cavaleiro Sorridente? Ela parecia confusa. Quem foi esse?
    A Montanha da minha juventude. Com metade do tamanho e o
    dobro da loucura.
    — Um fora da lei, há muito morto. Ninguém com quem vossa
    senhoria deveria se preocupar.
    O lábio de Amerei tremeu. Lágrimas rolaram-lhe dos olhos
    castanhos.
    — Perdoe a minha filha, disse uma mulher mais velha.
    A Senhora Amerei trouxera consigo uma vintena de Freys para
    Darry; um irmão, um tio, um tio em segundo grau, vários primos… e a mãe,
    que nascera Darry. Ainda chora pelo pai.
    — Foras da lei mataram-no, — soluçou a Senhora Amerei. —O pai
    só tinha ido resgatar o Petyr Espinha. Ele levou-lhes o ouro que pediam, mas
    penduraram-no.
    — Enforcaram, Ami. O teu pai não era uma tapeçaria. —A Senhora
    Mariya voltou a virar-se para Jaime. — Creio que o conheça, Sor.
    — Servimos juntos, em tempos, como escudeiros, em Paço de
    Codorniz. — Não chegaria ao ponto de afirmar terem sido amigos. Quando
    Jaime chegara, Merrett Frey era o rufião do castelo, dominando todos os
    rapazes mais novos.
    Então tentou intimidar a mim.
    — Ele era… muito forte. — Foi o único elogio que lhe ocorreu.
    Merrett fora lento, desajeitado e estúpido, mas era forte.
    — Lutaram juntos contra a Irmandade da Mata de Rei, — fungou a
    Senhora Amerei.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:42 pm

    — O pai costumava me contar histórias.
    O seu pai costumava se gabar e mentir, você quer dizer.
    — Lutamos. — As principais contribuições do Frey para a luta
    tinham consistido em contrair sífilis com uma seguidora de acampamentos e
    ser capturado pela Cerva Branca. A rainha fora da lei queimara lhe o rabo
    com o seu símbolo antes de devolvê-lo, após resgate, a Sumner Crakehall.
    Merrett passara uma quinzena sem ser capaz de se sentar, embora Jaime
    duvidasse de que o ferro em brasa fosse tão desagradável como as panelas de
    merda que os colegas escudeiros o tinham obrigado a comer quando
    regressara.
    Os rapazes são as criaturas mais cruéis à face da terra.
    Pôs a mão de ouro em volta da taça de vinho e ergueu-a.
    — À memória de Merrett, — disse. Era mais fácil beber ao homem
    do que falar dele.
    Depois do brinde, a Senhora Amerei parou de chorar e a conversa a
    mesa mudou para os lobos. Sor Danwell Frey afirmou que havia mais
    animais na região do que até o avô conseguia recordar.
    — Perderam todo o medo do homem. Alcateias atacaram a nossa
    tropa logística durante a viagem desde as Gêmeas. Os nossos arqueiros
    tiveram de encher de penas uma dúzia antes dos outros fugirem. Sor Addam
    Marbrand confessou que a sua tropa enfrentara problemas semelhantes no
    trajeto desde Porto Real.
    Jaime concentrou-se na comida que tinha em frente, arrancando
    nacos de pão com a mão esquerda e atrapalhando-se com a taça de vinho
    com a direita. Observou Addam Marbrand encantando a menina que tinha ao
    lado, observou Steffon Swyft simulando a batalha de Porto Real com pão,
    nozes e cenouras. Sor Kennos pôs uma criada ao colo, insistindo para que a
    moça lhe tocasse o membro, enquanto Sor Dermot alegrava alguns
    escudeiros com histórias sobre cavaleiros vagueando pela mata de chuva.
    Mais ao fundo da mesa, Hugo Vance fechara os olhos.
    Matutando sobre os mistérios da vida, pensou Jaime. Ou isso, ou a
    cochilar entre um prato e o seguinte.
    Voltou a virar-se para a Senhora Mariya.
    — Os foras da lei que mataram o vosso esposo… foi o bando do
    Lorde Beric?
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:42 pm

    — Foi o que pensávamos a princípio. — Embora o cabelo da
    Senhora Mariya estivesse malhado de grisalho, ainda era uma mulher de
    aspecto agradável.
    — Os assassinos se dispersaram quando saíram de Pedravelhas.
    Lorde Vypren seguiu um bando até Feirajusta, mas lhes perdeu ali o rastro.
    O Walder Negro levou cães de caça e caçadores para o Atoleiro da Bruxa
    atrás dos outros. Os camponeses negaram os ter visto, mas quando foram
    interrogados intensamente cantaram uma história diferente. Falaram de um
    homem com um olho só e outro que usava um manto amarelo… E de uma
    mulher, coberta por manto e capuz.
    — Uma mulher? — Julgaria que a Cerva Branca tivesse ensinado
    Merrett a manter-se longe de mulheres foras-da-lei.
    — Também havia uma mulher na Irmandade da Mata de Rei.
    — Eu sei. — E como não, sugeria o seu tom de voz, se ela deixou a
    sua marca no meu marido? — A Cerva Branca era jovem e bela, segundo
    dizem. Esta mulher encapuzada não é nem uma coisa, nem outra. Os
    camponeses queriam nos fazer crer que a sua cara estava rasgada e cheia de
    cicatrizes, e que os seus olhos eram terríveis de contemplar. Dizem que
    liderava os foras-da-lei.
    — Liderava-os? — Jaime achava difícil acreditar naquilo.
    — Beric Dondarrion e o sacerdote vermelho…
    —… Não foram vistos. — A Senhora Mariya parecia ter a certeza.
    — Dondarrion está morto, — disse o Varrao Forte.
    — A Montanha enfiou-lhe uma faca no olho, temos conosco homens
    que viram.
    — Essa é uma história, disse Addam Marbrand. Outros dirão que
    lorde Beric não pode ser morto.
    — Sor Harwyn diz que essas histórias são mentiras. — A Senhora
    Amerei enrolou uma trança no dedo. — Ele me prometeu a cabeça do Lorde
    Beric. É muito galante. — Estava corando por baixo das lágrimas.
    Jaime recordou a cabeça que dera a Pia. Quase conseguia ouvir o
    risinho do seu irmão mais novo. O que aconteceu a dar flores às mulheres?
    Poderia ter perguntado Tyrion. Teria também algumas palavras selecionadas
    para Harwyn Plumm, embora galante não tivesse sido uma delas.
    Os irmãos Plumm eram grandes e carnudos com pescoços grossos e
    caras vermelhas; ruidosos e vigorosos, rápidos no riso, rápidos na ira,
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:42 pm

    rápidos no perdão. Harwyn era diferente de Plumm; de olhos duros e
    taciturno, rancoroso… E mortal com o martelo na mão. Era um bom homem
    para comandar uma guarnição, mas não um homem para ser amado.
    Se bem que… Jaime fitou a Senhora Amerei.
    Os criados estavam trazendo o prato de peixe, um Lúcio cozido
    numa crosta de ervas e nozes moídas. A senhora de Lancel provou, aprovou
    e ordenou que a primeira porção fosse servida a Jaime. Enquanto lhe
    punham o peixe na frente, ela se debruçou sobre o lugar do marido para
    tocar- lhe na mão de ouro.
    — Você poderia matar Lorde Beric, Sor Jaime. Matastes o Cavaleiro
    Sorridente. Por favor, senhor, lhe suplico, fique e ajude-nos com Lorde Beric
    e o Cão de Caça.
    Os seus dedos pálidos acariciaram os dedos de ouro de Jaime.
    Pensará ela que eu sinto aquilo?
    — Foi a Espada da Manhã quem matou o Cavaleiro Sorridente,
    senhora. Sor Arthur Dayne, um cavaleiro melhor do que eu. —Jaime
    recolheu os seus dedos de ouro e voltou a virar-se para a Senhora Mariya.
    — O Walder Negro seguiu essa mulher encapuzada e os seus
    homens até onde?
    — Os cães voltaram a lhes apanhar o cheiro a norte do Atoleiro da
    Bruxa, — disse a mulher mais velha.
    — Ele jura que não estava mais de meio dia atrás deles quando
    desapareceram no Gargalo.
    — Que apodreçam ali, — declarou alegremente Sor Kennos. — Se
    os deuses forem bons, irão ser engolidos por areias movediças ou devorados
    por lagartos-leões.
    — Ou acolhidos por papa-rãs, — disse Sor Danwell Frey. — Eu não
    acharia os cranogmanos incapazes de abrigar foras-da-lei.
    — Bem gostaria que fossem só eles, — disse a Senhora Mariya. —
    Alguns dos senhores do rio andam também de mãos dadas com os homens
    do Lorde Beric.
    — Os plebeus também, — fungou a filha. — Sor Harwyn diz que os
    escondem e alimentam, e quando pergunta para onde foram, mentem.
    Mentem aos seus próprios senhores!
    — Mande-lhes cortar as línguas, — sugeriu o Varrão Forte.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:43 pm

    — Boa sorte em obter respostas depois disso, —disse Jaime. — Se
    querem a ajuda deles, terão de fazer com que os amem. Foi assim que Arthur
    Dayne fez, quando avançou contra a Irmandade da Mata de Rei. Pagou aos
    plebeus por aquilo que comeu, levou as suas queixas ao Rei Aerys, expandiu
    as pastagens em volta das suas aldeias, até lhes conquistou o direito de
    derrubar certo número de árvores todos os anos e abater alguns dos veados
    do rei durante o outono. O povo da floresta se virou para Toyne para
    defendê-lo, mas Sor Arthur fez mais por eles do que a Irmandade alguma
    vez podia almejar fazer, e os conquistou para o seu lado. Depois disso, o
    resto foi fácil.
    — O Senhor Comandante fala com sabedoria, — disse a Senhora
    Mariya.
    — Nunca nos livraremos destes foras-da-lei até que os plebeus
    comecem a amar tanto Lancel como em tempos amaram o meu pai e avô.
    Jaime deitou um relance ao lugar vazio do primo.
    Mas Lancel nunca conquistará o amor deles com rezas.
    A Senhora Amerei fez beicinho.
    — Sor Jaime, lhe suplico, não nos abandone. O meu senhor precisa
    de você, e eu também. Estes tempos são tão temíveis. Há noites em que
    quase não consigo dormir, com medo.
    — O meu lugar é junto do rei, senhora.
    — Eu ficarei. — Se ofereceu o Varrão Forte. — Depois de nos
    despacharmos em Correrrio, ficarei em pulgas por outra luta. Não que seja
    provável que Beric Dondarrion me dê luta. Lembro-me do homem de
    torneios passados. Era um moço bem apessoado com um manto bonito.
    Franzino e inexperiente.
    — Isso foi antes de morrer, — disse o jovem Sor Arwood Frey. — O
    povo diz que a morte o mudou. Pode matá-lo, mas ele não fica morto. Como
    se luta com um homem assim? E também há o Cão de Caça. Ele matou vinte
    homens em Salinas.
    O Varrão Forte soltou uma gargalhada roufenha.
    — Vinte estalajadeiros gordos, talvez. Vinte criados a se mijarem
    nos grilhões. Vinte irmãos mendicantes com tigelas. Mas não vinte
    cavaleiros.
    Não a mim.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:43 pm

    — Há um cavaleiro em Salinas, insistiu Sor Arwood. Ele se
    escondeu atrás das suas muralhas enquanto Clegane e os seus cães
    enlouquecidos assolavam a vila. Você não viu as coisas que ele fez, sor. Eu
    vi. Quando as notícias chegaram às Gêmeas, avancei com Harys Haigh, o
    irmão Donnel e meia centena de homens, arqueiros e homens de armas.
    Pensávamos que aquilo fora obra do Lorde Beric, e esperávamos encontrarlhe
    o rastro. Tudo o que resta de Salinas é o castelo, e o velho Sor Quincy,
    tão assustado que não quis abrir os portões, e falou conosco das ameias, aos
    gritos. O resto são ossos e cinzas. Uma vila inteira. O Cão de Caça passou os
    edifícios pelo archote e o povo pela espada, e foi-se embora a rir. As
    mulheres… Não acreditaria no que ele fez a algumas das mulheres. Não
    falarei disso à mesa. Dá-me enjoos de o ver.
    — Eu chorei quando ouvi contar, — disse a Senhora Amerei.
    Jaime bebericou do vinho.
    — Como pode ter certeza de ter sido o Cão de Caça? — Aquilo que
    estavam descrevendo parecia mais trabalho de Gregor do que de Sandor.
    Sandor fora duro e brutal é certo, mas o irmão mais velho é que era o
    verdadeiro monstro da Casa Clegane.
    — Ele foi visto — disse Sor Arwood. Aquele seu elmo não é fácil de
    confundir, ou de esquecer, e houve alguns que sobreviveram para contar a
    história. A moça que ele violou, alguns rapazes que se esconderam, uma
    mulher que encontramos presa por baixo de uma viga enegrecida, os
    pescadores que observaram a carnificina dos seus barcos…
    — Não lhe chame de carnificina, — disse a Senhora Mariya em voz
    baixa. — Isso é um insulto aos honestos carniceiros de todo o lado. Salinas
    foi obra de um animal feroz em pele humana.
    Estes tempos são para feras, refletiu Jaime, para leões, lobos e cães
    raivosos, para corvos e gralhas pretas.
    — Uma obra maligna. — O Varrão Forte voltou a encher a taça.
    — Senhora Mariya, Senhora Amerei, a sua angústia me comoveu.
    Dou a minha palavra, assim que Correrrio cair regressarei para perseguir o
    Cão de Caça e mata-lo em seu nome. Os cães não me assustam.
    Este devia assustar.
    Ambos os homens eram grandes e poderosos, mas Sandor Clegane
    era muito mais rápido, e lutava com uma selvageria que Lyle Crakehall não
    podia esperar igualar.
    Mas a Senhora Amerei estava entusiasmada.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:44 pm

    — É um verdadeiro cavaleiro, Sor Lyle, por ajudar uma dama em
    dificuldades.
    Pelo menos não chamou a si própria “donzela”. Jaime estendeu a
    mão para a taça e derrubou-a. A toalha de mesa em linho bebeu o vinho. Os
    seus companheiros fingiram não reparar na mancha vermelha que se
    espalhava.
    Cortesia de mesa de honra, disse a si próprio, mas sabia mesmo a
    piedade. Ergueu-se de súbito.
    — Senhora. Peço que me dê licença.
    A Senhora Amerei pareceu magoada.
    — Quer nos deixar? Ainda há veado, e capões recheados com
    cogumelos.
    — Muito bons, sem dúvida, mas não seria capaz de dar nem mais
    uma dentada. Tenho de falar com o meu primo. — Com uma mesura, Jaime
    os deixou entregues à sua comida.
    Também no pátio havia homens comendo. Os pardais tinham se
    reunido em volta de uma dúzia de fogueiras para aquecer as mãos contra o
    frio do ocaso e vigiar gordas salsichas que chiavam e pingavam sobre as
    chamas. Não podiam ser menos de cem. Bocas inúteis. Jaime perguntou a si
    próprio quantas salsichas o primo pusera de parte e como tencionava
    alimentar os pardais depois dos seus homens irem embora. Quando chegar o
    inverno estarão comendo ratazanas, a menos que consigam uma colheita.
    Com o outono tão avançado, as hipóteses de mais uma colheita não eram
    boas.
    Encontrou o septo depois do pátio interno do castelo; um edifício
    sem janelas, de sete lados e parcialmente construído em madeira, com portas
    de madeira entalhada e um telhado de telha. Três pardais encontravam-se
    sentados nos degraus. Quando Jaime se aproximou, ergueram-se.
    — Onde está indo, senhor? — perguntou um deles. Era o menor dos
    três, mas tinha a barba maior.
    — Lá dentro.
    — Sua senhoria está lá, rezando.
    — Sua senhoria é meu primo.
    — Bem, nesse caso, senhor, — disse outro pardal, um homem
    enorme e calvo com uma estrela de sete pontas pintada por cima de um olho.
    — Não quer incomodar o seu primo nas suas preces.
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    Mensagem  Admin Sex Jun 29, 2012 1:44 pm

    — Lorde Lancel está pedindo orientação ao Pai no Céu, — disse o
    terceiro pardal, o que não tinha barba. Um rapaz, pensara Jaime, mas a voz
    dela a identificava como uma mulher, vestida de trapos sem forma e um
    saiote ferrugento.
    — Está rezando pela alma do Alto Septão e de todos os outros que
    morreram.
    — Amanhã continuarão mortos, — disse Jaime. — O Pai no Céu
    tem mais tempo do que eu. Sabe quem sou?
    — Um lorde qualquer, — disse o grandalhão com o olho estrelado.
    — Um aleijado qualquer, — disse o pequeno com a grande barba.
    — O Regicida, — disse a mulher. Mas nós não somos reis, somos só
    Pobres Companheiros, e você não poderá entrar, a menos que sua senhoria
    diga que pode. Equilibrou uma maça com espigões, e o homem pequeno
    ergueu um machado.
    As portas atrás deles se abriram.
    — Deixa o meu primo passar em paz, amigos. — Disse Lancel em
    voz baixa. — Tenho estado à espera dele.
    Os pardais deram um passo para o lado. Lancel parecia ainda mais
    magro do que em Porto Real. Estava descalço, e vestido com uma túnica
    simples de lã não tingida que o fazia se assemelhar mais a um pedinte do que
    a um lorde. Rapara o cocuruto da cabeça até o deixar liso, mas a barba
    cresceu um pouco. Chamar a barba de penugem de pêssego teria sido
    insultuoso para o pêssego. Combinava estranhamente com o cabelo branco
    que lhe rodeava as orelhas.
    — Primo, — disse Jaime quando ficaram sós dentro do septo. —
    Perdeu o raio do juízo?
    — Prefiro dizer que encontrei a minha fé.
    — Onde está o teu pai?
    — Foi embora. Discutimos. — Lancel ajoelhou perante o altar do
    seu outro Pai.
    — Quer rezar comigo, Jaime?
    — Se eu rezar bem o Pai me dará uma mão nova?
    — Não. Mas o Guerreiro lhe dará coragem, o Ferreiro lhe
    emprestará a força, e a Velha lhe dará sabedoria.

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