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    O Festim dos Corvos

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    O Festim dos Corvos - Página 18 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:20 pm

    riu-se e deixou que os nomes pegassem. Glória usava arreios do carmim
    Lannister. Honra estava ajaezado com o branco da Guarda Real. Josmyn
    Peckledon segurou nas rédeas do palafrém quando Sor Jaime montou. O
    escudeiro era magro como uma lança, com longos braços e pernas, um
    cabelo oleoso de um castanho de rato, e bochechas cobertas por uma suave
    penugem de pêssego. O seu manto ostentava o carmim Lannister, mas
    sobretudo mostrava as dez moletas púrpuras da sua Casa, dispostas em fundo
    de amarelo.
    — Senhor — perguntou o rapaz — quer a sua nova mão?
    — Use-a, Jaime — instou Sor Kennos de Kayce. — Acene aos
    plebeus e dê a eles algo para contar aos filhos.
    — Penso que não — Jaime não queria mostrar à multidão uma
    mentira dourada. Que vejam o coto. Que vejam o aleijado. — Mas fique à
    vontade para compensar a minha falta, Sor Kennos. Acene com ambas as
    mãos e sacuda os pés, se te agradar. — Pegou nas rédeas com a mão
    esquerda e deu meia volta ao cavalo. — Payne — chamou enquanto os
    outros formavam — seguirá a meu lado.
    Sor Ilyn Payne abriu caminho até junto de Jaime, parecendo um
    pedinte num baile. A sua cota de malha estava velha e enferrujada, e era
    usada sobre uma jaqueta manchada de couro fervido. Nem o homem nem a
    sua montaria ostentavam símbolos heráldicos; o escudo estava tão amolgado
    e fendido que era difícil dizer de que cor teria sido a tinta que em tempos o
    cobrira. Com a sua cara severa e olhos vazios e encovados, Sor Ilyn podia ter
    passado pela própria morte… e fora o que fizera, durante anos.
    Mas já não. Sor Ilyn constituíra metade do preço de Jaime por
    engolir a ordem do seu rei rapaz como um bom Menino Comandante. A
    outra metade fora Sor Addam Marbrand.
    — Preciso deles — dissera à irmã, e Cersei não resistira. O mais
    certo é estar satisfeita por se livrar deles. Sor Addam era amigo de infância
    de Jaime, e o carrasco silencioso fora um homem de seu pai, se é que era
    homem de alguém. Payne fora capitão da guarda da Mão quando alguém o
    ouvira numa vanglória de que era Lorde Tywin quem governava os Sete
    Reinos e dizia ao Rei Aerys o que fazer. Aerys Targaryen cortou a língua por
    isso.
    — Abram os portões — disse Jaime, e o Varrao-Forte, com a sua
    voz trovejante, gritou:
    — ABRAM OS PORTÕES!
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    O Festim dos Corvos - Página 18 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:20 pm

    Quando Mace Tyrell se pôs em marcha através do Portão da Lama
    ao som de tambores e violas, milhares de pessoas encheram as ruas para
    aclamá-lo. Rapazinhos tinham-se juntado à marcha, caminhando ao lado dos
    soldados Tyrell com cabeças erguidas e elevando bem as pernas, enquanto as
    irmãs desses rapazes atiravam beijos das janelas.
    Mas naquele dia era diferente. Algumas rameiras gritavam convites
    à passagem dos homens, e um vendedor de pastéis de carne oferecia a
    mercadoria. Na Praça do Sapateiro estavam dois pardais velhos perante
    várias centenas de plebeus, clamando pela danação de homens sem deus e
    adoradores de demônios. A multidão abriu alas para deixar passar a coluna.
    Tanto pardais como os sapateiros observaram com olhos carregados.
    — Gostam do cheiro das rosas, mas não sentem amizade pelos leões
    — observou Jaime. — A minha irmã faria bem em tomar nota disso. — Sor
    Ilyn não lhe deu resposta. O companheiro perfeito para uma longa
    cavalgada. Vou apreciar a sua companhia. A maior parte das suas tropas o
    esperava para lá das muralhas da cidade; Sor Addam Marbrand com os seus
    batedores, Sor Steffon Swyft e o comboio logístico, a Santa Centena do
    velho Sor Bonifer, o Bom, os arqueiros a cavalo de Sarsfield, o Meistre
    Gulian com quatro gaiolas cheias de corvos, duas centenas de cavaleiros
    pesados sob o comando de Sor Flement Brax. Somando tudo, não era uma
    grande hoste; menos de mil homens ao todo. Um grande número era a última
    coisa necessária em Correrrio. Um exército Lannister já investia sobre o
    castelo, bem como uma força ainda maior dos Frey; a última ave que tinham
    recebido sugeria que os sitiantes estavam tendo dificuldades em manteremse
    alimentados. Brynden Tully deixara o terreno limpo antes de se retirar
    para o interior das suas muralhas. Não que precisasse de grande limpeza.
    Pelo que Jaime vira das terras fluviais, quase não havia campo de cultivo que
    permanecesse por queimar, vila por saquear e donzela por espoliar. E agora
    a minha querida irmã mandou-me acabar o trabalho que Amory Lorch e
    Gregor Clegane começaram.
    Aquilo deixou um sabor amargo na boca. Tão perto de Porto Real, a
    estrada do rei era tão segura como qualquer estrada podia ser em tempos
    como aqueles, mas mesmo assim Jaime enviou Marbrand e os seus batedores
    em frente.
    — Robb Stark apanhou- me desprevenido no Bosque dos Murmúrios
    — disse. — Isso nunca mais voltará a acontecer.
    — Tem a minha palavra quanto a isso. — Marbrand parecia
    visivelmente aliviado por estar de novo a cavalo, usando o manto de um
    cinzento fumarento da sua Casa em vez da lã dourada da Patrulha da Cidade.
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    O Festim dos Corvos - Página 18 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:20 pm

    — Se algum inimigo se aproximar mais do que uma dúzia de léguas, ficará
    sabendo sobre ele de antemão.
    Jaime ordenara severamente que nenhum homem devia se afastar da
    coluna sem a sua licença. Se assim não fosse, sabia que teria jovens
    fidalgotes aborrecidos a fazer corridas pelos campos, espalhando gado e
    espezinhando as culturas. Ainda se viam vacas e ovelhas perto da cidade;
    maçãs nas árvores e bagas nos arbustos, searas de cevada, aveia e trigo de
    inverno, carroças e carros de bois na estrada. Mais adiante, as coisas não
    seriam tão rosadas. Avançando à frente da hoste com Sor Ilyn silencioso a
    seu lado, Jaime se sentiu quase satisfeito. O sol estava quente nas suas costas
    e o vento afagava o seu cabelo como os dedos de uma mulher. Quando Lew
    Pequeno Piper se aproximou a galope com um elmo cheio de amoras
    silvestres, Jaime comeu uma mão cheia e disse ao rapaz para partilhar o
    restante com os outros escudeiros e Sor Ilyn Payne.
    Payne parecia tão confortável no seu silêncio como na sua cota de
    malha ferrugenta e couro fervido. O ruído dos cascos do seu castrado e o
    chocalhar da espada na bainha sempre que se movia na sela eram os únicos
    sons que emitia. Embora a sua cara marcada pelas bexigas fosse severa e os
    seus olhos frios como gelo num lago de inverno, Jaime sentia que o homem
    estava satisfeito por ter vindo. Dei-lhe uma escolha, recordou a si próprio.
    Ele podia ter dito que não e continuar como magistrado do rei.
    A nomeação de Sor Ilyn fora um presente de casamento de Robert
    Baratheon para o pai da sua noiva, uma benesse para compensar Payne pela
    língua que perdera ao serviço da Casa Lannister. Ele dava um magnífico
    carrasco. Nunca estragara uma execução, e raramente precisava de um
    segundo golpe. E havia algo no seu silêncio que inspirava terror. Raramente
    tinha um magistrado do rei parecido ser tão adequado ao seu cargo.
    Quando Jaime decidiu levá-lo consigo, procurara os aposentos de
    Sor Ilyn, na ponta do Passeio do Traidor. O andar superior da torre
    atarracada e semicircular estava dividido em celas para prisioneiros que
    precisassem de algum grau de conforto, cavaleiros cativos ou fidalgos à
    espera de resgate ou troca. A entrada para as masmorras propriamente ditas
    ficava ao nível do chão, atrás de uma porta de ferro martelado e de uma
    segunda porta de madeira cinzenta e lascada. Nos andares intermédios
    ficavam quartos guardados para o uso do Carcereiro-Chefe, para o Senhor
    Confessor e para o Magistrado do Rei. O Magistrado era um carrasco, mas
    por tradição estava também encarregado das masmorras e dos homens que
    nelas trabalhavam.
    E Sor Ilyn Payne era singularmente pouco adequado para essa tarefa.
    Como não sabia ler nem escrever, e não podia falar, Sor Ilyn deixara o
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:20 pm

    governo das masmorras aos seus subordinados, fossem eles quem fossem.
    Porém, o reino não tinha um Senhor Confessor desde o segundo Daeron, e o
    último Carcereiro-Chefe fora um mercador de tecidos que comprara o cargo
    ao Mindinho durante o reinado de Robert. Sem dúvida que teve um bom
    lucro com ele durante alguns anos, até cometer o erro de conspirar com mais
    alguns palermas ricos para entregar o trono a Stannis. Chamavam a si
    próprios “Homens Chifrudos”, e Joff pregou neles hastes à cabeça antes de
    atirá-los por cima das muralhas da cidade. Portanto recaíra em Rennifer
    Longwaters, o chefe dos carcereiros de costas torcidas que afirmava com
    entediante abundância de pormenores ter em si uma “gota de dragão”, a
    tarefa de destrancar as portas das masmorras para Jaime entrar e conduzi-lo
    pelos estreitos degraus que subiam por dentro das paredes até ao local onde
    Ilyn Payne vivera durante quinze anos.
    Os aposentos fediam a comida apodrecida, e as esteiras estavam
    cobertas de bicharada. Quando Jaime entrou, quase pisou numa ratazana. A
    espada longa de Payne repousava sobre uma mesa de montar, ao lado de
    uma pedra de amolar e de um oleado sebento. O aço se mostrava imaculado,
    com o gume a cintilar, azul, à luz pálida, mas noutros pontos havia pilhas de
    roupa suja espalhadas pelo chão, e os bocados de cota de malha e armadura
    espalhados por aqui e por ali estavam rubros de ferrugem. Jaime não
    conseguiu contar os jarros de vinho quebrados. O homem não tem interesse
    por nada além de matar, pensou, no momento em que Sor Ilyn emergia de
    um quarto que fedia a penicos a transbordar. — Sua Graça me pediu que
    reconquistasse as terras fluviais — disse-lhe Jaime. — Gostaria de tê-lo
    comigo… caso consiga aguentar a ideia de desistir de tudo isto.
    A sua resposta foi o silêncio, e um longo olhar sem pestanejar. Mas
    no momento em que se preparava para se virar e ir embora, Payne fez um
    aceno. E aqui vem ele. Jaime deitou um relance ao seu companheiro. Talvez
    ainda haja esperança para ambos. Nessa noite acamparam à sombra do
    castelo dos Hayford, que se erguia no cume de uma colina. Enquanto o sol
    descia, uma centena de tendas brotou na base da colina, ao longo das
    margens do ribeiro que corria junto a ela. Foi o próprio Jaime quem
    posicionou as sentinelas. Não esperava problemas tão perto da cidade, mas o
    tio Stafford também se julgara em segurança em Cruzaboi. Era melhor não
    correr riscos.
    Quando o convite para jantar com o castelão da Senhora Hayford
    desceu do castelo, Jaime levou consigo Sor Ilyn, bem como Sor Addam
    Marbrand, Sor Bonifer Hasty, o Ronnet Connington, o Vermelho, o Varrão-
    Forte e uma dúzia de outros cavaleiros e fidalgos.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:21 pm

    — Suponho que devia usar a mão — disse a Peck antes de iniciar a
    subida.
    O rapaz foi imediatamente buscá-la. A mão era esculpida em ouro,
    muito semelhante a uma mão verdadeira, com unhas de madrepérola
    embutidas nela e os dedos e polegar meio fechados, a fim de poder com eles
    rodear a haste de um cálice. Não posso lutar, mas posso beber, refletiu Jaime
    enquanto o rapaz apertava as correias que lhe prendiam a mão ao coto. —
    Deste dia em diante, os homens o chamarão de mão de ouro, senhor —
    assegurara-lhe o armeiro da primeira vez que a encaixara no pulso de Jaime.
    Engana-se. Serei Regicida até morrer.
    A mão de ouro foi motivo de muitos comentários de admiração
    durante o jantar, pelo menos até Jaime derrubar um cálice de vinho. Então
    foi dominado pelo mau gênio.
    — Se admiram tanto assim esta maldita coisa, cortem a mão com a
    espada e poderão ficar com ela — disse a Flement Brax. Depois daquilo não
    houve mais conversas acerca da mão, e logrou beber em paz um pouco de
    vinho.
    A senhora do castelo era uma Lannister pelo casamento, uma bebê
    rechonchuda que fora casada com Tyrek, primo de Jaime, antes de completar
    um ano. A Senhora Ermesande foi trazida para a aprovação do grupo, como
    era próprio, toda entrouxada num pequeno vestido de pano de ouro com o
    fretado verde e a pala ondeada verde da Casa Hayford desenhados com
    minúsculas contas de jade. Mas logo a moça começou a guinchar, e então ela
    foi rapidamente levada para a cama pela ama de leite.
    — Não houve notícias do nosso Senhor Tyrek? — perguntou o seu
    castelão enquanto era servido um prato de truta.
    — Nenhuma. — Tyrek Lannister desaparecera durante os tumultos
    em Porto Real, enquanto Jaime estava cativo em Correrrio. O rapaz teria
    catorze anos por aquela altura, assumindo que ainda estava vivo.
    — Eu próprio liderei uma busca, por ordens do Lorde Tywin —
    interveio Addam Marbrand enquanto tirava as espinhas ao seu peixe — mas
    não descobri mais do que Bywater antes de mim. O rapaz foi visto pela
    última vez a cavalo, quando a pressão da turba quebrou a linha de homens de
    mantos dourados. Depois disso… bem, o seu palafrém foi encontrado, mas o
    cavaleiro não. O mais certo é terem-no derrubado e morto. Mas se assim foi,
    onde está o corpo? A multidão deixou os outros cadáveres no local, porque
    não o dele?
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:21 pm

    — Ele teria sido mais valioso vivo — sugeriu o Varrão Forte. —
    Qualquer Lannister traria um robusto resgate.
    — Sem dúvida — concordou Marbrand — e, no entanto, nunca
    houve um pedido de resgate. O rapaz simplesmente desapareceu.
    — O rapaz está morto. — Jaime bebera três taças de vinho e a sua
    mão dourada parecia tornar-se mais pesada e desajeitada a olhos vistos. Um
    gancho me serviria igualmente bem. — Se descobriram quem mataram, sem
    dúvida o atiraram ao rio com medo da ira do meu pai. Em Porto Real
    conhecem o sabor que ela tinha. O Lorde Tywin sempre pagou as suas
    dívidas.
    — Sempre — concordou o Varrão Forte, e isso foi o fim da
    conversa.
    Mas mais tarde, sozinho no quarto de torre que lhe fora oferecido
    para a noite, Jaime deu por si com dúvidas. Tyrek servira o Rei Robert como
    escudeiro, ao lado de Lancel. O conhecimento podia ser mais valioso do que
    o ouro, mais mortífero do que um punhal. Foi em Varys que então pensou,
    sorrindo e cheirando a lavanda. O eunuco tinha agentes e informantes por
    toda a cidade. Seria coisa simples arranjar as coisas de forma que Tyrek
    fosse capturado durante a confusão… desde que soubesse de antemão que
    era provável haver um tumulto. E Varys sabia de tudo, ou pelo menos era
    nisso que gostava de nos fazer acreditar. Mas não deu qualquer aviso a
    Cersei acerca desse tumulto. Nem desceu aos navios para se despedir de
    Myrcella.
    Abriu as portadas. A noite estava ficando fria, e uma lua cornuda
    cavalgava no céu. A sua mão brilhava baça, à luz que ela deitava. Não serve
    para esganar eunucos, mas é suficientemente pesada para transformar
    aquele sorriso viscoso numa bela ruína vermelha. Queria bater em alguém.
    Jaime foi encontrar Sor Ilyn amolando a espada. — Está na hora —
    disse ao homem. O carrasco ergueu-se e o seguiu, arrastando as botas de
    couro rachado pelos íngremes degraus de pedra enquanto desciam a escada.
    Um pequeno pátio se abriu junto ao armeiro. Jaime encontrou aí dois
    escudos, dois meios elmos e um par de espadas embotadas de torneio.
    Entregou uma a Payne e pegou na outra com a mão esquerda enquanto
    enfiava a direita nas presilhas do escudo. Os seus dedos de ouro eram
    suficientemente curvos para enganchar, mas não podiam agarrar, de modo
    que o seu controlo sobre o escudo era pouco firme.
    — Você foi um cavaleiro em algum tempo sor — disse Jaime. — Eu
    também. Vejamos o que somos agora.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:21 pm

    Sor Ilyn ergueu a lâmina em resposta, e Jaime se atirou
    imediatamente ao ataque. Payne estava tão enferrujado como a sua cota de
    malha, e não era tão forte como Brienne, mas parou todos os golpes com a
    sua lâmina, ou interpôs o escudo. Dançaram sob o crescente de lua enquanto
    as espadas embotadas cantavam a sua canção de aço. O cavaleiro silencioso
    se contentou por algum tempo em deixar que Jaime liderasse a dança, mas
    por fim começou a responder a cada golpe com um seu. Assim que passou
    ao ataque, atingiu Jaime na coxa, no ombro, no antebraço. Fez ressoar a
    cabeça dele por três vezes com golpes atirados ao elmo. Com uma estocada
    arrancou o escudo do braço direito, e quase rebentou as correias que
    prendiam a mão de ouro ao coto. Quando baixaram as espadas, Jaime estava
    cheio de nódoas negras e dolorido, mas o vinho fora queimado e tinha a
    cabeça limpa.
    — Voltaremos a dançar — prometeu a Sor Ilyn. — Amanhã, e no
    dia seguinte. Dançaremos todos os dias, até que eu seja tão bom com a mão
    esquerda como fui com a direita.
    Sor Ilyn abriu a boca e soltou um som seco. Uma gargalhada,
    compreendeu Jaime. Algo retorceu nas suas tripas. Ao chegar à manhã,
    nenhum dos outros teve a ousadia de fazer menção às suas nódoas negras.
    Ao que parecia, ninguém ouvira o som das espadas na noite. Mas quando
    voltaram a descer dos cavalos para acampar, Lew Pequeno Piper deu voz à
    pergunta que cavaleiros e fidalgos não se atreviam a colocar. Jaime sorriu.
    — Na Casa Hayford existem moças cheias de luxúria. Isto são
    mordidas de amor, rapaz.
    Outro dia luminoso e ventoso foi seguido por um enevoado, e depois
    houve três dias de chuva. O vento e a água não tinham importância. A
    coluna manteve o ritmo, para norte ao longo da estrada do rei, e todas as
    noites Jaime encontrava algum local recatado para arranjar mais mordidas de
    amor. Lutaram dentro de um estábulo observados por uma mula zarolha, e
    na adega de uma estalagem entre os barris de vinho e cerveja. Lutaram na
    concha enegrecida de um grande celeiro de pedra, numa ilha arborizada num
    ribeiro pouco profundo, e num campo aberto enquanto a chuva tamborilava
    suavemente nos seus elmos escudos.
    Jaime arranjava desculpas para os seus devaneios noturnos,
    mas não era insensato ao ponto de pensar que os outros acreditavam nelas.
    Addam Marbrand sabia certamente o que ele andava fazendo, e alguns dos
    seus outros capitães deviam suspeitar. Mas nenhum falou do assunto ao
    alcance dos seus ouvidos… e como à única testemunha faltava uma língua,
    não tinha de temer que alguém ficasse sabendo exatamente quão inepto se
    tornara o Regicida com a espada.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:21 pm

    Em breve se viam sinais da guerra por todo o lado. Ervas daninhas,
    espinheiros e matagais cresciam tão altos como a cabeça de um cavalo em
    campos onde o trigo de outono devia estar madurando, a estrada do rei
    estava despojada de viajantes, e lobos governavam o fatigado mundo do
    crepúsculo à alvorada. A maior parte dos animais era suficientemente
    cautelosa para manter a distância, mas um dos batedores de Marbrand viu o
    cavalo ser perseguido e morto quando desmontou para urinar.
    — Nenhum animal teria tamanha ousadia — declarou Sor Bonifer, o
    Bom, com tristeza na cara austera. — Isto são demônios em pele de lobos,
    enviados para nos castigar pelos nossos pecados.
    — Então este deve ter sido um cavalo invulgarmente pecador —
    disse Jaime, em pé junto ao que restava do pobre animal. Deu ordens para
    que o resto da carcaça fosse cortada e salgada; poderiam vir a precisar da
    carne.
    Num lugar chamado Corno de Porca encontraram um velho e rijo
    cavaleiro chamado Sor Roger Hogg, que defendia teimosamente a sua torre
    com seis homens de armas, quatro besteiros e uma vintena de camponeses.
    Sor Roger era tão grande e hirsuto como um porco de engorda e Sor Kennos
    sugeriu que podia ser algum Crakehall perdido, visto que o símbolo deles era
    um varrão malhado. O Varrão Forte pareceu acreditar e passou uma intensa
    hora interrogando Sor Roger acerca dos seus ancestrais.
    Jaime estava mais interessado no que Hogg tinha a dizer sobre os
    lobos.
    — Tivemos alguns problemas com um bando daqueles lobos da
    estrela branca — disse-lhe o velho cavaleiro. — Vieram por aí a farejar o seu
    rasto, senhor, mas nós corremos com eles, e enterramos três lá em baixo ao
    pé dos nabos. Antes deles houve um grupo de malditos leões, com a vossa
    licença. Aquele que os liderava tinha uma mantícora no escudo.
    — Sor Amory Lorch — esclareceu Jaime. — O senhor meu pai
    ordenou-lhe que assolasse as terras fluviais.
    — Às quais nós não pertencemos — disse resolutamente Sor Roger
    Hogg. — A minha lealdade é devida à Casa Hayford, e a Senhora
    Ermesande dobra o seu pequeno joelho a Porto Real, ou o fará assim que
    tenha idade para andar. Eu disse isso, mas esse Lorch não era grande
    ouvinte. Matou metade das minhas ovelhas e três boas cabras leiteiras, e
    tentou assar-me na minha torre. Mas as minhas muralhas são de pedra sólida
    com dois metros e meio de espessura, de modo que depois do fogo se apagar
    ele se foi embora aborrecido. Os lobos vieram depois, aqueles de quatro
    patas. Comeram as ovelhas que a mantícora me deixou. Fiquei com algumas
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:21 pm

    boas peles como recompensa, mas peles não enchem a barriga de ninguém.
    O que devemos fazer senhor?
    — Plantem — disse Jaime — e rezem por uma última colheita. —
    Não era resposta prestável, mas era a única que podia dar. No dia seguinte, a
    coluna atravessou o ribeiro que formava a fronteira entre as terras que
    deviam lealdade a Porto Real e aquelas obrigadas a Correrrio. O Meistre
    Gulian consultou um mapa e anunciou que aqueles montes pertenciam aos
    irmãos Wode, um par de cavaleiros com terras, juramentados a Harrenhal…
    mas os fortes deles tinham sido construídos de terra e madeira, e só restavam
    vigas enegrecidas.
    Não apareceu nenhum Wode, nem nenhum dos seus plebeus, embora
    alguns foras da lei se tivessem abrigado na cave por baixo da fortaleza do
    segundo irmão. Um deles usava as ruínas de um manto carmesim, mas Jaime
    enforcou-o com os outros. Senti-me bem. Isso foi justiça. Habitua-te a isso,
    Lannister, e um dia os homens talvez te chamem Mão de Ouro, afinal. Mão
    de Ouro, o Justo.
    O mundo foi ficando mais cinzento à medida que se aproximavam
    de Harrenhal. Avançavam sob céus de ardósia, ao lado de águas que
    brilhavam, velhas e frias como uma folha de aço batido. Jaime deu por si
    perguntando a si próprio se Brienne teria passado por ali antes dele. Se ela
    pensou que Sansa Stark se dirigiu a Correrrio… Caso tivessem encontrado
    outros viajantes, podia ter parado para perguntar se algum teria por acaso
    visto uma donzela bonita com cabelo ruivo, ou uma grande e feia com uma
    cara capaz de coalhar leite. Mas não havia nada nas estradas a não ser lobos,
    e os seus uivos não continham respostas.
    As torres da loucura do Harren Negro surgiram por fim do outro
    lado das águas de peltre do lago, cinco dedos negros retorcidos, pedra
    deformada que se estendia para o céu. Embora o Mindinho tivesse sido
    nomeado Senhor de Harrenhal, parecia não ter grande pressa de ocupar os
    seus novos domínios, e assim coube a Jaime Lannister “pôr em ordem”
    Harrenhal a caminho de Correrrio.
    Não duvidava de que o castelo necessitava de ser posto em ordem.
    Gregor Clegane arrancara o imenso e sombrio castelo aos Saltimbancos
    Sangrentos antes de Cersei o chamar a Porto Real. Sem dúvida que os
    homens da Montanha continuavam a chocalhar lá por dentro como outras
    tantas ervilhas secas no interior de uma armadura, mas não eram os homens
    ideais para devolver o Tridente à paz do rei. A única paz que o bando de Sor
    Gregor alguma vez dera a alguém era a paz da sepultura. Os batedores de
    Sor Addam tinham relatado que os portões de Harrenhal se encontravam
    fechados e trancados. Jaime enfileirou os seus homens à frente deles e
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    O Festim dos Corvos - Página 18 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:22 pm

    ordenou a Sor Kennos de Kayce para fazer soar o Corno de Herrock, negro,
    retorcido e ligado com ouro velho.
    Depois de três sopros terem ecoado nas muralhas, ouviram o gemido
    de dobradiças de ferro e os portões abriram-se lentamente. As muralhas da
    loucura do Harren Negro eram tão espessas que Jaime passou por baixo de
    uma dúzia de alçapões antes de emergir à súbita luz do sol no pátio onde
    dissera adeus aos Saltimbancos Sangrentos não havia assim tanto tempo.
    Ervas daninhas brotavam da terra bem batida, e moscas zumbiam em volta
    da carcaça de um cavalo.
    Um punhado dos homens de Sor Gregor emergiu das torres para o
    ver desmontar; homens de olhos e bocas duras, todos eles. Tinham de ser,
    para acompanhar a Montanha. O melhor que podia ser dito dos homens de
    Gregor era que não eram propriamente um bando tão vil e violento como os
    Bravos Companheiros.
    — Que me fodam, é Jaime Lannister — exclamou um homem de
    armas cinzento e grisalho. — É o raio do Regicida, rapazes. Que eu seja
    fodido por uma lança!
    — E você quem é? — perguntou Jaime.
    — O sor costumava me chamar Boca de Merda, se agradar ao
    senhor. — Cuspiu nas mãos e limpou a cara com elas, como se aquilo de
    algum modo o deixasse mais apresentável.
    — Encantador. É você quem comanda aqui?
    — Eu? Não, merda. Senhor. Que me enrabem com a porra duma
    lança. — O Boca de Merda tinha na barba migalhas suficientes para
    alimentar a guarnição. Jaime teve de se rir. O homem tomou aquilo como
    encorajamento. — Que me enrabem com a porra duma lança — voltou a
    dizer, e também se pôs a rir.
    — Ouviram o homem — disse Jaime a Ilyn Payne. — Arranjem uma
    boa e longa lança e enfiem-na pelo cu acima.
    Sor Ilyn não tinha uma lança, mas o Jon Imberbe Bettley lhe tirou
    uma de bom grado. O riso ébrio do Boca de Merda parou abruptamente.
    — Mantém a merda dessa coisa longe de mim.
    — Vê se decida — disse Jaime. — Quem tem aqui o comando? Sor
    Gregor nomeou um castelão?
    — Polliver — disse outro homem — só que o Cão de Caça o matou,
    senhor. A ele e ao Cócegas, e àquele moço Sarsfield.
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    O Festim dos Corvos - Página 18 Empty Re: O Festim dos Corvos

    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:22 pm

    Outra vez o Cão de Caça.
    — Sabe que foi Sandor? Você o viu?
    — Nós não, senhor. O estalajadeiro nos disse.
    — Aconteceu na estalagem do entroncamento, senhor. — Quem
    falou foi um homem mais novo, com um matagal de cabelo cor de areia.
    Usava a corrente de moedas que em tempos pertencera a Vargo Hoat;
    moedas de meia centena de cidades distantes, de prata e ouro, de cobre e
    bronze, moedas quadradas e moedas redondas, triângulos e anéis e bocados
    de osso. — O estalajadeiro jurou que o homem tinha um lado da cara todo
    queimado. As rameiras dele contaram a mesma história. Sandor tinha um
    rapaz qualquer com ele, um moço esfarrapado do campo. Fizeram Polly e
    Cócegas em bocados sangrentos e foram embora pelo Tridente abaixo.
    — Mandaram homens atrás deles?
    O Boca de Merda franziu o sobrolho, como se a ideia fosse dolorosa.
    — Não, senhor. Que nos fodam a todos, não mandamos.
    — Quando um cão enlouquece, se corta a garganta dele.
    — Bem — disse o homem, esfregando a boca — eu nunca gostei
    muito do Polly, esse merda, e o cão, o gajo era irmão do Sor, de modo que…
    — Nós somos maus, senhor — interrompeu o homem que usava as
    moedas — mas é preciso ser doido para enfrentar o Cão de Caça.
    Jaime o olhou de cima a baixo. Mais ousado do que os outros, e não
    tão bêbado como o Boca de Merda.
    — Tiveram medo dele.
    — Eu não diria medo, senhor. Diria que o estávamos deixando para
    homens melhores que nós. Para alguém como o sor. Ou o senhor.
    Eu, quando tinha duas mãos. Jaime não se iludia. Agora Sandor
    trataria dele em dois tempos.
    — Você tem nome?
    — Rafford, se agradar. A maioria me chama de Raff.
    — Raff, reúna a guarnição no Salão das Cem Lareiras. Os cativos
    também. Vou querer vê-los. Incluindo aquelas rameiras da encruzilhada. Oh,
    e Hoat. Fiquei perturbado quando soube que morreu. Gostaria de ver a sua
    cabeça.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:22 pm

    Quando lhe trouxeram, descobriu que os lábios do Bode tinham sido
    cortados, tal como as orelhas e a maior parte do nariz. Os corvos tinham
    jantado os seus olhos. Mas ainda era possível reconhecer ali o Hoat. Jaime
    conheceria a sua barba em qualquer parte; uma absurda corda de pelos com
    sessenta centímetros de comprimento, que pendia de um queixo pontiagudo.
    Além disso, só algumas fitas de pele com textura de couro ainda aderiam ao
    crânio do qohorik.
    — Onde está o resto dele? — perguntou.
    Ninguém lhe queria dizer. Por fim, o Boca de Merda baixou os
    olhos, e resmungou.
    — Apodreceu, sor. E foi comido.
    — Um dos cativos andava sempre a mendigar comida — admitiu
    Rafford — de modo que o sor disse para lhe dar bode assado. Mas o qohorik
    não tinha lá muita carne. O Sor cortou-lhe primeiro as mãos e os pés, depois
    os braços e as pernas.
    — O paneleiro gordo ficou com a maior parte, senhor — esclareceu
    o Boca de Merda — mas o Sor disse para a gente tratar de que todos os
    cativos provassem um bocadinho. E o próprio Hoat também. Aquele filho da
    puta babava-se quando a gente lhe dava de comer, e a gordura corria por
    aquela barba fininha que ele tinha.
    Pai, pensou Jaime, ambos os teus cães enlouqueceram. Deu por si
    recordando histórias que ouvira pela primeira vez em criança, no Rochedo
    Casterly, sobre a louca Senhora Lothston que se banhava em banheiras de
    sangue e presidia a banquetes de carne humana dentro daquelas mesmas
    muralhas.
    De algum modo, a vingança perdera o sabor.
    — Leva isto e joga no lago. — Jaime atirou a cabeça de Hoat a Peck,
    e voltou-se para se dirigir à guarnição. — Até que Lorde Petyr chegue para
    reclamar os seus domínios, Sor Bonifer Hasty controlará Harrenhal em nome
    da coroa. Aqueles de vocês que o desejem podem juntar-se a ele, se ele
    quiser. O resto seguirá comigo para Correrrio.
    Os homens da Montanha olharam uns para os outros. — Nós
    estamos à espera de pagamento — disse um. — Foi promessa de sor. Ricas
    recompensas, disse ele.
    — Foram as palavras dele — concordou Boca de Merda. — Ricas
    recompensas para quem seguir comigo. — Uma dúzia de outros pôs-se a
    clamar o seu acordo.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:23 pm

    Sor Bonifer ergueu uma mão enluvada.
    — Qualquer homem que permaneça comigo terá uma jeira de terra
    para trabalhar, uma segunda jeira quando tomar esposa, uma terceira quando
    o seu primeiro filho nascer.
    — Terra, sor? — Boca de Merda cuspiu. — Estou cagando para isso.
    Se quiséssemos fossar na porra da terra, bem podíamos ter ficado em casa,
    ou o raio, com a vossa licença, sor. Ricas recompensas, disse o sor.
    Querendo dizer ouro.
    — Se você tiver motivo de queixa, vá a Porto Real e fale à minha
    querida irmã. — Jaime virou-se para Rafford. — Quero ver agora esses
    cativos. Começando por Sor Wylis Manderly.
    — É o gordo? — perguntou Rafford.
    — Espero piamente que sim. E não me contem tristes histórias sobre
    como ele morreu, senão todo o vosso bando é capaz de fazer o mesmo.
    Quaisquer esperanças que pudesse ter nutrido de encontrar Shagwell,
    Pyg ou Zollo definhando nas masmorras foram tristemente desiludidas. Os
    Bravos Companheiros tinham abandonado Vargo Hoat até o último homem,
    aparentemente. Do pessoal da Senhora Whent só restavam três: o cozinheiro
    que abrira a poterna a Sor Gregor, um armeiro corcunda chamado Ben
    Blackthumb, e uma moça chamada Pia, que já não era nem de perto tão
    bonita como fora da última vez que Jaime a vira.
    Alguém lhe quebrara o nariz e lhe fizera saltar metade dos dentes. A
    moça caiu aos pés de Jaime quando o viu, soluçando e agarrando-se à perna
    dele com uma força histérica até que o Varrão Forte a obrigou a soltá-la.
    — Ninguém te fará mal agora — disse-lhe, mas isso só a fez soluçar
    mais alto.
    Os outros cativos foram mais bem tratados. Sor Wylis Manderly
    estava entre eles, com vários outros nortenhos de elevado nascimento,
    tomados prisioneiros pela Montanha Que Cavalga no combate nos vaus do
    Tridente. Reféns úteis, todos eles valiam um resgate considerável. Estavam
    todos esfarrapados, imundos, e desgrenhados, e alguns tinham nódoas negras
    recentes, dentes partidos, e dedos em falta, mas os seus ferimentos tinham
    sido lavados e ligados, e nenhum passara fome. Jaime perguntou a si próprio
    se teriam alguma noção do que tinham comido, e decidiu que era melhor não
    perguntar.
    Em nenhum restava qualquer desafio; especialmente em Sor Wylis,
    uma banheira de sebo de cara peluda com olhos mortiços e bochechas
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:23 pm

    pálidas e decaídas. Quando Jaime lhe disse que seria escoltado até Lagoa da
    Donzela e aí posto num navio com destino a Porto Branco, Sor Wylis
    transformou-se numa poça no chão e soluçou durante mais tempo e mais
    ruidosamente do que a Pia. Foram necessários quatro homens para voltar a
    pô-lo em pé. Demasiado bode assado, refletiu Jaime. Deuses como odeio
    este maldito castelo. Harrenhal vira mais horrores nos seus trezentos anos do
    que o Rochedo Casterly testemunhara em três mil.
    Jaime ordenou que fossem acesos fogos no Salão das Cem Lareiras e
    enviou o cozinheiro a coxear até às cozinhas para preparar uma refeição
    quente para os homens da sua coluna.
    — Qualquer coisa menos bode.
    Quanto a ele, jantou no Salão do Caçador com Sor Bonifer Hasty,
    uma solene cegonha dada a salgar o discurso com apelos aos Sete.
    — Não quero nenhum dos seguidores de Sor Gregor — declarou
    enquanto cortava uma pera tão seca como ele por forma a assegurar-se de
    que o sumo inexistente do fruto não iria manchar o seu imaculado gibão. —
    Tais pecadores ao meu serviço.
    — O meu septão costumava dizer que todos os homens eram
    pecadores.
    — Não se enganava — concedeu Sor Bonifer — mas alguns pecados
    são mais negros do que outros, e mais nauseantes às narinas dos Sete.
    E você não tem mais nariz do que o meu pequeno irmão, caso
    contrário os meus pecados far-te-iam engasgar com essa pêra.
    — Muito bem. Tirarei o bando de Gregor das suas mãos. — Podia
    sempre dar uso a combatentes. Mais que não fosse, podia mandá-los subir
    primeiro as escadas, caso tivesse necessidade de assaltar as muralhas de
    Correrrio.
    — Leve também a rameira — pediu Sor Bonifer. — Sabe qual é. A
    moça das masmorras.
    — Pia. — Da última vez que estivera ali, Qyburn mandara a rapariga
    à sua cama, julgando que isso lhe agradaria. Mas a Pia que tinham trazido
    das masmorras era uma criatura diferente da doce, simples e risonha criatura
    que se lhe enfiara sob as mantas. Cometera o erro de falar quando Sor
    Gregor queria silêncio, e a Montanha fizera-lhe os dentes em lascas com um
    punho coberto de cota de malha e quebrara-lhe também o belo narizinho.
    Teria feito pior, sem dúvida, se Cersei não o tivesse chamado a Porto Real
    para enfrentar a lança da Víbora Vermelha. Jaime não faria luto por ele.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:23 pm

    — Pia nasceu neste castelo — disse a Sor Bonifer. — É a única casa
    que ela alguma vez conheceu.
    — Ela é uma fonte de corrupção — disse Sor Bonifer. — Não a
    quero perto dos meus homens, exibindo as suas… formas.
    — Julgo que os seus dias de exibição tenham ficado para trás —
    disse — mas se ela levanta tantas objeções, eu a levo. — Supunha que podia
    fazer dela uma lavadeira. Os seus escudeiros não se importavam de lhe
    montar a tenda, de lhe tratar do cavalo ou de lhe limpar a armadura, mas a
    tarefa de lhe cuidar da roupa era vista por eles como pouco viril. — Você é
    capaz de defender Harrenhal apenas com a sua Santa Centena? — perguntou
    Jaime. Na verdade deviam chamá-los Santos Oitenta e Seis, visto terem
    perdido catorze homens na Água Negra, mas não havia dúvida de que Sor
    Bonifer recomporia as fileiras assim que encontrasse recrutas
    suficientemente pios.
    — Não prevejo dificuldades. A Velha nos iluminará o caminho, e o
    Guerreiro dará força aos nossos braços.
    Ou então, o Estranho aparecerá em busca de todo o vosso santo
    bando. Jaime não tinha a certeza de quem convencera a irmã de que Sor
    Bonifer devia ser nomeado castelão de Harrenhal, mas a nomeação cheirava
    a Orton Merryweather. Julgava lembrar-se vagamente de que Hasty servira
    em tempos passados o avô de Merryweather. E o administrador de justiça de
    cabelo cor de cenoura era mesmo o tipo de pateta simplório capaz de partir
    do princípio de que alguém chamado “o Bom” era a exata poção de que as
    terras fluviais necessitavam para sarar as feridas deixadas por Roose Bolton,
    Vargo Hoat e Gregor Clegane.
    Mas talvez não se engane. Hasty provinha das terras da tempestade,
    de modo que não tinha nem amigos nem inimigos ao longo do Tridente; não
    havia contendas de sangue, não havia dívidas a pagar, não havia
    companheiros a recompensar. Ele era sóbrio, justo e cumpridor, não havia
    nos Sete Reinos soldados melhor disciplinados do que os seus Santos Oitenta
    e Seis e davam um belo espetáculo quando faziam os seus grandes castrados
    cinzentos rodopiar e empinar-se. Mindinho dissera um dia, em gracejo, que
    Sor Bonifer devia ter também castrado os cavaleiros, de tal modo imaculada
    era a sua reputação.
    Mesmo assim, Jaime duvidava de quaisquer soldados que fossem
    mais conhecidos pelos seus lindos cavalos do que pelos inimigos que
    tivessem morto. Eles rezam bem, suponho, mas serão capazes de lutar? Não
    se tinham desonrado na Água Negra, tanto quanto sabia, mas também não se
    tinham distinguido. O próprio Sor Bonifer fora um cavaleiro prometedor na
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:23 pm

    juventude, mas algo lhe acontecera, uma derrota, uma desonra ou uma visão
    próxima da morte, e depois disso decidira que justar era uma vaidade vazia e
    pusera definitivamente a lança de lado.
    Mas Harrenhal tem de ser controlado, e aqui o Baelor Olho-do-Cu é
    o homem que Cersei escolheu para o controlar.
    — Este castelo tem má reputação — preveniu-o — e uma reputação
    que foi bem merecida. Diz-se que Harren e os filhos ainda vagueiam de noite
    pelos salões, incendiados. Aqueles que os contemplam rebentam em chamas.
    — Não temo sombras, sor. Está escrito na Estrela de Sete Pontas
    que espíritos, criaturas de além-túmulo e morto-vivos não podem fazer mal a
    um homem piedoso, desde que ele esteja coberto pela armadura da sua fé.
    — Então se arme de fé, com certeza, mas use também um lorigão e
    placa de aço. Todos os homens que controlam este castelo parecem ter mau
    fim. A Montanha, o Bode, até o meu pai…
    — Se perdoar a ousadia, eles não eram homens devotos, como nós
    somos. O Guerreiro protege-nos, e a ajuda está sempre próxima, caso algum
    terrível inimigo nos ameace. O Meistre Gulian ficará aqui com os seus
    corvos, Lorde Lancel está perto, em Darry, com a sua guarnição, e o Lorde
    Randyll controla Lagoa da Donzela. Juntos, nós três perseguiremos e
    destruiremos quaisquer foras da lei que percorram esta região. Depois disso
    feito, os Sete guiarão o bom povo de volta às suas aldeias, para arar a terra,
    plantá-la e reconstruir.
    Aqueles que o Bode não matou, pelo menos. Jaime enganchou a
    haste do seu cálice de vinho nos dedos de ouro.
    — Se algum dos Bravos Companheiros de Hoat sair das mãos me
    mande avisar imediatamente. — O Estranho podia ter-se escapulido com o
    Bode antes de Jaime arranjar a oportunidade para tratar dele, mas o gordo
    Zollo ainda andava por aí, com Shagwell, Rorge, o Fiel Urswyck e os outros.
    — Para que você possa torturá-los e matá-los?
    — Suponho que você os perdoaria, se estivesse no meu lugar?
    — Se se arrependessem sinceramente dos seus pecados… sim, os
    abraçaria a todos como irmãos e rezaria com eles antes de os mandar para o
    cepo. Os pecados podem ser perdoados. Os crimes requerem punição. —
    Hasty fechou as mãos à sua frente fazendo com elas uma espécie de
    campanário, de um modo que fez com que Jaime se lembrasse
    desconfortavelmente do pai. — Se for Sandor Clegane que encontrarmos, o
    que quer que eu faça?
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:23 pm

    Reze muito, pensou Jaime, e fuja.
    — O mande juntar-se ao seu querido irmão, e fique feliz por seus
    deuses terem criado sete infernos. Só um nunca seria suficiente para conter
    ambos os Clegane. — Pôs-se desajeitadamente em pé. — Beric Dondarrion é
    diferente. Se o capturar, mantenha-o preso até o meu regresso. Vou querer
    levá-lo para Porto Real com uma corda em volta do pescoço, e ordenar a Sor
    Ilyn que lhe corte a cabeça onde metade do reino possa ver.
    — E o tal sacerdote de Myr que o acompanha? Diz que espalha a sua
    falsa fé por todo o lado.
    — Mate-o, beije-o ou reze com ele, como quiser.
    — Não tenho qualquer desejo de beijar um homem, senhor.
    — Não tenho dúvidas de que ele diria o mesmo de você. — O
    sorriso de Jaime transformou-se num bocejo. — Perdão. Irei me retirar, se
    não tiverdes objeções.
    — Nenhuma senhor — disse Hasty. Certamente queria rezar.
    Jaime queria lutar. Atacou os degraus dois a dois, até onde o ar da
    noite fosse frio e vivificante. No pátio iluminado por archotes, o Varrão
    Forte e Sor Flement Brax defrontavam-se enquanto um anel de homens de
    armas os aclamavam. Sor Lyle levará a melhor nesta luta, compreendeu.
    Tenho de encontrar Sor Ilyn. Tinha de novo a comichão nos dedos. Os seus
    passos afastaram-no do ruído e da luz. Passou por baixo da ponte coberta e
    atravessou o Pátio das Lâminas antes de se dar conta do local para onde se
    dirigia.
    Ao aproximar-se da arena dos ursos, viu o brilho de uma lanterna e a
    pálida luz invernal que ela derramava sobre as fileiras de íngremes bancos de
    pedra. Alguém chegou antes de mim, segundo parece. A arena seria um belo
    local para dançar; talvez Sor Ilyn se tivesse antecipado.
    Mas o cavaleiro em pé junto à arena era maior; um homem rude e
    barbudo com um sobretudo vermelho e branco adornado com grifos.
    Connington. Que ele está fazendo aqui? Lá em baixo, a carcaça do urso
    ainda jazia na areia, embora só restassem os ossos e a pele esfarrapada, meio
    enterradas. Jaime sentiu uma pontada de piedade pelo animal. Pelo menos
    morreu em batalha.
    — Sor Ronnet — chamou — Você se perdeu? É um grande castelo,
    bem sei.
    O Ronnet, o Vermelho ergueu a lanterna.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:23 pm

    — Quis ver o local onde o urso dançou com a donzela não muito
    bela. — A barba do homem brilhava à luz como se estivesse em fogo. Jaime
    sentiu o cheiro de vinho no seu hálito. — É verdade que a moça dançou nua?
    — Nua? Não. — Perguntou a si próprio como teria essa prega sido
    adicionada à história. — Os Saltimbancos enfiaram-na num vestido de seda
    cor-de-rosa e meteram-lhe uma espada de torneio na mão. O Bode queria
    que a sua morte fosse divertida. Se assim não fosse…
    —… a visão de Brienne nua poderia ter feito o urso fugir
    aterrorizado — Connington soltou uma gargalhada. Jaime não.
    — Fala como se conhecesse a senhora.
    — Estive prometido a ela.
    Aquilo apanhou-o de surpresa. Brienne nunca mencionara um
    noivado.
    — Meu pai arranjou-lhe uma união… — Três vezes — disse
    Connington. — Eu fui o segundo. Ideia do meu pai. Eu tinha ouvido dizer
    que a moça era feia, e foi o que lhe disse, mas ele respondeu que todas as
    mulheres eram iguais depois de se apagar a vela.
    — O seu pai. — Jaime examinou o sobretudo do Ronnet, o
    Vermelho, onde dois grifos se defrontavam num campo de vermelho e
    branco. Grifos dançantes. — O… irmão do nosso falecido Mão, não era?
    — Primo. Lorde Jon não tinha irmãos.
    — Pois não. — Veio-lhe tudo à memória. Jon Connington fora
    amigo do Príncipe Rhaegar. Quando Merryweather falhara tão tristemente
    em conter a Rebelião de Robert e não fora possível encontrar o Príncipe
    Rhaegar, Aerys virara-se para a segunda melhor opção e promovera
    Connington ao cargo de Mão. Mas o Rei Louco andava sempre a cortar as
    Mãos. Cortara Lorde Jon depois da Batalha dos Sinos, despindo-o de
    honrarias, terras e riquezas, e expulsando-o mar fora para ir morrer no exílio,
    onde rapidamente bebera até à morte. Mas o primo, pai do Ronnet, juntara-se
    à rebelião e fora recompensado com o Poleiro do Grifo após o Tridente. Mas
    só recebera o castelo; Robert ficara com o ouro e outorgara a maior parte das
    terras dos Connington a apoiantes mais fervorosos.
    Sor Ronnet era um cavaleiro com terras, nada mais. Para um homem
    como ele, a Donzela de Tarth teria sido realmente um belo acepipe.
    — Porque foi que não se casaram? — perguntou-lhe Jaime.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 1:24 pm

    — Ora, fui a Tarth e a vi. Era seis anos mais velho do que ela, mas a
    moça conseguia olhar-me nos olhos. Era uma porca vestida de seda, embora
    a maioria das porcas tenham tetas maiores. Quando tentou falar quase se
    engasgou com a própria língua. Dei-lhe uma rosa e disse que isso seria tudo
    o que teria de mim. — Connington olhou a arena de relance. — O urso era
    menos peludo do que essa aberração. Eu…
    A mão dourada de Jaime atingiu-o na boca com tanta força que o
    outro cavaleiro caiu aos tropeções pelos degraus abaixo. A lanterna caiu e
    esmagou-se, e o azeite espalhou-se, ardendo.
    — Você estava falando de uma senhora de elevado nascimento, sor.
    Trate-a pelo nome. Chamava-se Brienne.
    Connington afastou-se das chamas que se espalhavam, apoiado nas
    mãos e nos joelhos.
    — Brienne. Se agradar ao senhor. — Cuspiu um escarro de sangue
    aos pés de Jaime. — Brienne, a Bela.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:24 pm

    Cersei 492



    Foi uma lenta subida até ao topo da Colina de Visenya. Enquanto os
    cavalos se esforçavam a subir, a rainha encostou-se numa fofa
    almofada vermelha.
    De fora vinha à voz de Sor Osmund Kettleblack.
    — Abram alas. Desapareçam da rua. Abram alas para Vossa Graça,
    a rainha.
    — Margaery realmente mantém uma corte animada — estava a
    Senhora Merryweather a dizer. — Temos malabaristas, saltimbancos, poetas,
    fantoches…
    — Cantores? — sugeriu Cersei.
    — Mais do que muitos, Vossa Graça. Hamish, o Harpista, toca para
    ela uma vez por quinzena, e por vezes Alaric de Eysen entretém-nos durante
    uma noite, mas o seu favorito é o Bardo Azul.
    Cersei recordava-se de ver o bardo no casamento de Tommen.
    Jovem, e bonito ao olhar. Poderá haver aí alguma coisa?
    — Ouvi dizer que também há outros homens. Cavaleiros e cortesãos.
    Admiradores. Diga-me a verdade, minha senhora. Acha que Margaery ainda
    é donzela?
    — Ela diz que é, Vossa Graça.
    — Realmente diz. E você, diz o quê?
    Os olhos negros de Taena cintilaram de travessura.
    — Quando se casou com Lorde Renly em Jardim de Cima, eu ajudei
    a despi-lo. Sua senhoria era um homem bem feito e robusto. Vi a prova
    quando o atiramos para a cama de núpcias onde a sua noiva aguardava nua
    como no dia do seu nome, com um lindo rubor por baixo da colcha. Sor
    Loras tinha-a trazido em pessoa pelos degraus acima. Margaery pode dizer
    que o casamento nunca foi consumado, que Lorde Renly bebera demasiado
    vinho no banquete de casamento, mas garanto-lhe que aquilo que tinha entre
    as pernas estava tudo menos cansado da última vez que o vi.
    — Teria por acaso visto a cama nupcial na manhã seguinte? —
    perguntou Cersei. — Ela sangrou?
    — Não foi exibido qualquer lençol, Vossa Graça.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:25 pm

    É uma pena. Apesar de tudo, a ausência de um lençol
    ensanguentado, por si só, pouco queria dizer. Tinha-lhe constado que as
    camponesas comuns sangravam como porcos nas suas noites de núpcias,
    mas isso era menos verdadeiro em relação a donzelas de elevado nascimento
    como Margaery Tyrell. Dizia-se que era mais provável que a filha de um
    lorde entregasse a virgindade a um cavalo do que a um marido, e Margaery
    montava desde que tivera idade para andar.
    — Consta-me que a pequena rainha tem muitos admiradores entre os
    nossos cavaleiros domésticos. Os gêmeos Redwyne, Sor Tallad…diga-me,
    quem mais?
    A Senhora Merryweather encolheu os ombros.
    — Sor Lambert, o tolo que esconde um olho bom atrás de um tapa
    olho. Bayard Norcross, Courtenay Greenhill. Os irmãos Woodwright, por
    vezes Portifer e muitas vezes Lucantine. Oh, e o Grande Meistre Pycelle é
    um visitante frequente.
    — Pycelle? Realmente? — Teria aquele tremulo e velho verme
    abandonado leão em favor da rosa? Se assim for, irá se arrepender. —
    Quem mais?
    — O ilhéu do Verão com o seu manto de penas. Como pude
    esquecer-me dele, com a sua pele negra como tinta? Outros vêm cortejar as
    primas. Elinor está prometida ao rapaz Ambrose, mas adora namoricar, e
    Megga tem um novo pretendente todas as quinzenas. Uma vez beijou um
    latrineiro na cozinha. Ouvi falar acerca de um casamento dela com o irmão
    da Senhora Bulwer, mas estou certa de que se Megga pudesse escolher,
    preferiria Mark Mullendore.
    Cersei soltou uma gargalhada.
    — O cavaleiro das borboletas que perdeu o braço na Água Negra?
    De que serve metade de um homem?
    — Megga acha-o querido. Pediu à Senhora Margaery para a ajudar a
    encontrar um macaco para ele.
    — Um macaco. — A rainha não soube o que dizer a respeito
    daquilo. Pardais e macacos. É verdade, o reino está a enlouquecer.
    — E o nosso valente Sor Loras? Com que frequência ele visita a
    irmã?
    — Mais do que qualquer dos outros. — Quando Taena franzia as
    sobrancelha , aparecia uma minúscula ruga entre os seus olhos escuros.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:25 pm

    — Visita-a todas as manhãs e todas as noites, a menos que os seus
    deveres interfiram. O irmão lhe é devotado, partilham tudo um com … oh…
    Por um momento, a mulher de Myr pareceu quase chocada. Então
    um sorriso espalhou-se pelo seu rosto.
    — Tive a mais perversa das ideias, Vossa Graça.
    — É melhor guarda-la para você. A colina está repleta de pardais, e
    todos sabemos como os pardais abominam a perversidade.
    — Ouvi dizer que também abominam o sabão e a água, Vossa
    Graça.
    — Talvez demasiadas rezas roubem a um homem o sentido do
    cheiro. Não me esquecerei de perguntar se assim é a Sua Alta Santidade. —
    As cortinas oscilavam de um lado para o outro numa onda de seda carmesim.
    — Orton disse-me que o Alto Septão não tem nome — disse a
    Senhora Taena. — Poderá ser verdade? Em Myr todos temos nomes.
    — Oh, ele teve um nome um dia. Todos tiveram. — A rainha fez um
    gesto de indiferença com a mão. — Até septões nascidos de sangue nobre
    respondem apenas pelos seus nomes próprios depois de tomarem votos.
    Quando um deles é elevado a Alto Septão, põe de lado também esse nome. A
    fé diz-lhe que ele já não tem necessidade de um nome de homem, porque se
    transformou na manifestação dos deuses.
    — Como distinguis os Altos Septões uns dos outros?
    — Com dificuldade. Tem de se dizer “o gordo”, ou “aquele que veio
    antes do gordo”, ou “o velho que morreu durante o sono”. É sempre possível
    arrancar-lhes os nomes próprios, se quiser, mas melindram-se se os usarmos.
    Faz-lhes lembrar que um dia nasceram como homens comuns, e não gostam
    disso.
    — O senhor meu esposo disse-me que este novo nasceu com
    porcaria debaixo das unhas.
    — Suspeito que sim. Como regra, os mais devotos elevam um dos
    seus, mas houve exceções. — O Grande Meistre Pycelle informara-a da
    história, com um detalhe entediante. — Durante o reinado do Rei Baelor, o
    Abençoado, um simples pedreiro foi escolhido como Alto Septão. O homem
    trabalhava a pedra de forma tão bela que Baelor decidiu que era o Ferreiro
    renascido em carne mortal. Não sabia ler nem escrever, nem era capaz de se
    recordar das palavras da mais simples das preces. Ainda há quem diga que o
    Mão de Baelor mandou envenenar o homem para poupar embaraços ao
    reino. Depois desse morrer, foi elevado um rapaz de oito anos, de novo por
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:26 pm

    insistência do Rei Baelor. Vossa Graça declarou que o rapaz operava
    milagres, embora nem mesmo as suas pequenas mãos curandeiras tivessem
    salvo Baelor durante o seu último jejum.
    A Senhora Merryweather soltou uma gargalhada.
    — Oito anos? Talvez o meu filho possa ser Alto Septão. Tem quase
    sete.
    — Ele reza muito? — perguntou a rainha.
    — Prefere brincar com espadas.
    — Então é um rapaz a sério. É capaz de dizer o nome de todos os
    sete deuses?
    — Julgo que sim.
    — Terei de levá-lo em consideração. — Cersei não duvidava de que
    havia uma grande quantidade de rapazes que honrariam mais a coroa de
    cristal do que o desgraçado a quem os mais devotos haviam decidido
    concedê-la. Isto é o que acontece quando se deixa que idiotas e covardes se
    governem a si próprios. Da próxima vez, eu escolherei o seu chefe. E a
    próxima vez podia não demorar muito a chegar, se o novo Alto Septão
    continuasse a aborrecê-la. A Mão de Baelor tinha pouco a ensinar a Cersei
    Lannister em assuntos como esse.
    — Desimpedi o caminho! — estava Sor Osmund Kettleblack a
    gritar. — Abram alas para a Graça da Rainha!
    A liteira começou a abrandar, o que só podia querer dizer que
    estavam perto do topo da colina.
    — Deveria trazer esse seu filho para a corte — disse Cersei à
    Senhora Merryweather. — Seis anos não é novo demais. Tommen precisa de
    outros rapazes à sua volta. Porque não o seu filho? — Joffrey nunca tivera
    um amigo íntimo da sua idade, que se lembrasse. O pobre rapaz sempre
    esteve só. Eu tinha Jaime quando era criança… e Melara, até ela cair ao
    poço. Joff gostara do Cão de Caça, certamente, mas isso não era amizade.
    Procurava o pai que nunca encontrara em Robert. Um irmãozinho adotivo
    pode ser precisamente aquilo de que Tommen precisa para o afastar de
    Margaery e das suas galinhas. Há seu tempo podiam tornar-se tão chegados
    como Robert e o seu amigo de infância, Ned Stark. Um tolo, mas um tolo
    leal. Tommen precisará de amigos leais que lhe vigiem a retaguarda.
    — Vossa Graça é bondosa, mas Russell nunca conheceu outro lar
    além de Mesalonga. Temo que se sentiria perdido nesta grande cidade.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:26 pm

    — A princípio, sim — concedeu a rainha — mas em breve
    ultrapassaria isso, tal como eu ultrapassei. Quando o meu pai mandou trazerme
    para a corte chorei e Jaime enfureceu-se, até que a minha tia se sentou
    comigo no Jardim de Pedra e me disse que não havia ninguém em Porto Real
    que eu devesse temer. “És uma leoa”, disse, “e cabe a todas as feras menores
    temer-te a ti”. O seu filho também encontrará a sua coragem. Decerto que
    preferia tê-lo por perto, onde pudesse vê-lo todos os dias. É o seu único
    filho, não é?
    — Por agora. O senhor meu esposo pediu aos deuses para nos
    abençoarem com outro, para o caso de…
    — Eu sei. — Pensou em Joffrey, arranhando o pescoço. Nos seus
    últimos momentos olhara-a num apelo desesperado, e uma súbita recordação
    parara-lhe o coração, uma gota de sangue rubro a silvar na chama de uma
    vela, uma voz coaxante que falava de coroas e mortalhas, de morte às mãos
    do valonqar.
    Fora da liteira, Sor Osmund estava a gritar qualquer coisa, e alguém
    gritava-lhe em resposta. A liteira parou com um solavanco.
    — Estão todos mortos? — rugiu o Kettleblack. — Saiam da
    porcaria do caminho!
    A rainha puxou para trás um canto da cortina e chamou Sor Meryn
    Trant com um gesto.
    — O que é que se passa?
    — São os pardais, Vossa Graça.
    Sor Meryn usava armadura de escamas brancas por baixo do manto.
    O seu elmo e escudo estavam pendurados na sela.
    — Acampados na rua. Farei eles se mexerem.
    — Faça-o, mas com gentileza. Não quero ser apanhada noutro
    tumulto. — Cersei deixou a cortina cair. — Isto é absurdo.
    — Pois é, Vossa Graça — concordou a Senhora Merryweather. — O
    Alto Septão devia ter vindo ter contigo. E estes deploráveis pardais…
    — Ele alimenta-os, acarinha-os, abençoa-os. E no entanto não quer
    abençoar o rei. — Sabia que a bênção era um ritual vazio, mas os rituais e as
    cerimônias tinham poder aos olhos dos ignorantes. O próprio Aegon, o
    Conquistador, determinara que o início do seu reinado se dera no dia em que
    o Alto Septão o ungira em Vilavelha.
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    Mensagem  Admin Seg Jun 25, 2012 2:26 pm

    — Este miserável sacerdote irá obedecer, caso contrário ficará a
    saber quão fraco e humano ainda é.
    — Orton diz que o que ele realmente quer é ouro. Que pretende reter
    a bênção até que a coroa reate os pagamentos.
    — A Fé terá o seu ouro assim que tivermos paz.
    O Septão Torbert e o Septão Raynard tinham-se mostrado muito
    compreensivos relativamente à sua promessa… ao contrário dos malditos
    bravosianos que haviam perseguido o pobre Lorde Gyles tão
    desapiedadamente que ele caíra de cama, tossindo sangue. Tínhamos de ter
    aqueles navios. Não podia depender da Árvore para a marinha, os Redwyne
    eram demasiado próximos dos Tyrell. Precisava das suas próprias forças no
    mar. Os dromones que se erguiam no rio iriam dá-las. O navio almirante
    teria duas vezes mais remos do que o Martelo do Rei Robert. Aurane pediralhe
    autorização para lhe chamar Lorde Tywin, a qual Cersei ficara feliz por
    conceder. Esperava com antecipação ouvir os homens falar do casco e remos
    do pai. Outro dos navios ia se chamar Doce Cersei, e teria uma figura de
    proa dourada, esculpida à sua semelhança, vestida de cota de malha, com um
    elmo de leão e uma lança na mão. Valente Joffrey, Senhora Joanna e Leoa
    iam segui-la para o mar, em conjunto com Rainha Margaery, Rosa Dourada,
    Lorde Renly, Senhora Olenna e Princesa Myrcella.
    A rainha cometera o erro de dizer a Tommen que podia batizar os
    últimos cinco. Ele chegara a escolher Rapaz Lua para um deles. Só quando
    Lorde Aurane sugerira que os homens talvez não quisessem servir num
    navio batizado em honra de um bobo é que o rapaz concordara
    relutantemente em honrar a irmã.
    — Se este septão esfarrapado planeja obrigar-me a comprar a
    bênção de Tommen, em breve aprenderá umas coisas — disse a Taena. A
    rainha não tencionava submeter-se a uma matilha de sacerdotes. A liteira
    voltou a parar, tão subitamente que Cersei se sobressaltou.
    — Oh, isto é de enfurecer.
    — Voltou a debruçar-se para fora, e viu que tinham chegado ao topo
    da Colina de Visenya. Em frente erguia-se o Grande Septo de Baelor, com a
    sua magnífica cúpula e sete torres brilhantes, mas entre si e os degraus de
    mármore, estendia-se um soturno mar de humanidade, castanho, esfarrapado
    e sujo. Pardais, pensou, fungando, embora nenhum pardal tivesse tido algum
    dia cheiro tão fétido. Cersei ficou espantada. Qyburn trouxera-lhe relatórios
    acerca da quantidade de pardais, mas ouvir falar dos números era uma coisa
    e vê-los outra. Centenas estavam acampadas na praça, mais centenas nos
    jardins. As suas fogueiras enchiam o ar de fumo e maus cheiros. Tendas de

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